O grande momento da cidadania

Coluna Econômica

Vou pegar o carro no estacionamento. O manobrista está exultante: “O Haddad e o Alckmin voltaram atrás e reduziram o preço das passagens. O povo venceu”.

No elevador, desço com uma vizinha, dona de uma empresa de sistemas. Pergunto como viu a manifestação. Ela tinha ido. Comenta que a PM só atua contra manifestante e pouco contra baderneiros.

A amplitude das manifestações é inédita. É o chamado grito engasgado no ar.

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Paradoxalmente, alguns meses atrás o prefeito Fernando Haddad, de São Paulo, foi o primeiro a pensar em alternativas para o transporte urbano. Aqui mesmo expus a proposta. Mas, até as manifestações do Movimento do Passe Livre, aparentemente não era prioridade em nenhuma instância de poder, nem na área federal, nem nos estados. A ideia ficou à espera do momento.

A proposta básica consiste em um sistema de subsídios cruzados. Numa ponta, haveria a elevação de tributos sobre combustíveis para os carros que circulam nas regiões metropolitanas. Os recursos seriam utilizados para desonerar os transportes coletivos.

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Há um conjunto de virtudes nessa proposta.

Uma, de ordem distributivista, tirando do dono do veículo para o passageiro de ônibus.

Outra, de ordem urbanística, penalizando o veículo individual, em um momento em que as ruas não comportam mais o crescimento do trânsito.

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Ideias existem. No caso das regiões metropolitanas, há a necessidade premente de medidas radicais em favor do transporte público e da inibição do transporte individual.

Mas, de norte a sul, havia o receio de afrontar o estabelecido, de se colocar contra o dono do veículo, mais influente do que o passageiro de ônibus.

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Por outro lado, nos últimos anos a prioridade total da política econômica consistiu no atendimento das demandas empresariais, na isenção de impostos para veículos, bens de consumo. O cidadão ganhava por consequência, na condição de consumidor.

Trata-se de uma prática recorrente de política econômica. Governantes agem preponderantemente em cima das pressões imediatas.

Nem os culpe. Gestões públicas são tão complexas, há um emaranhado tal de interesses envolvidos, que a prioridade sempre acaba sendo de quem tem maior poder de vocalização.

Desde tempos imemoriais do capitalismo, o circuito da vocalização de interesses é o mesmo: nasce dos grupos econômicos, é defendido pelos grandes veículos  de massa e pressiona as  autoridades públicas.

O Movimento do Passe Livre finalmente colocou o cidadão no centro das políticas públicas, rompendo com o circuito tradicional de mídia.

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Trata-se de um movimento inédito. Nos últimos anos, diversas políticas sociais mudaram a face do país, permitindo a inclusão social, a consolidação de uma nova classe média, a explosão de um novo mercado de consumo.

Mas foram movimentos, embora virtuosos, de cima para baixo.

Desta vez, é o próprio cidadão que se torna protagonista. Apropria-se das redes sociais, sem nenhum comando centralizado. Apenas o grande caldeirão em que as conversas vão se entrelaçando, formando consensos aqui e ali até ganhar massa crítica.

A partir daí, a história foi reescrita. Haverá muita cabeçada de lado a lado, até se consolidar o novo modelo. Mas o novo cidadão veio para ficar.

Luis Nassif

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