Xadrez do grande negócio do combate à corrupção, por Luis Nassif

Os últimos dias foram históricos, de afirmação das instituições nacionais em relação a dois poderes paralelos.

Em Brasília, finalmente a Procuradora Geral da República Raquel Dodge assumiu plenamente o cargo e enquadrou o grupo da Lava Jato – que junta procuradores, juízes de direito no que se convencionou chamar de “a República do Paraná”.

Como previmos, a história da criação de uma fundação de direito privado, com controle dos procuradores da Lava Jato, visando administrar a soma inacreditável de R$ 2,5 bilhões, foi o ponto de inflexão na saga da operação. Trincou o cristal permitindo, nos próximos meses, um levantamento amplo do que ocorreu nesses anos de exercício do poder absoluto.

O segundo poder a ser enquadrado foi o das milícias, com a operação que resultou na prisão dos dois assassinos da ex-vereadora Marielle Franco.

Lava Jato e milícias, cada qual na sua área, recorriam às mesmas ferramentas de amedrontamento dos adversários, uma com vazamentos e assassinatos de reputação, outra com assassinatos físicos, mas ambas se valendo da mesma base de apoio político das milícias digitais, dentro da mesma lógica de disputa de poder. E ambas intrinsicamente ligadas ao fenômeno e ao governo de Jair Bolsonaro, pacto consolidado na assunção de Sérgio Moro como Ministro da Justiça.

Os próximos meses serão relevantes para se levantar a enorme indústria que se montou em torno do combate à corrupção e o preço pago pelo país. Por trás, desse jogo, uma  indústria que se montou mundialmente em torno do combate à corrupção.

Em maio de 2018, alertávamos aqui e também aqui sobre as grandes tacadas em andamento. Antes disso, em junho de 2017 as jogadas já eram claras.

Peça 1 – a cadeia improdutiva do combate à corrupção

Os dois elementos centrais na criação da cadeia de valor da luta anticorrupção foram os acordos de cooperação internacional e a legislação anticorrupção emplacada pelos Estados Unidos no âmbito da OCDE. Por ela, qualquer ato de corrupção envolvendo o dólar será colocado sob jurisdição norte-americana.

Com base na nova legislação, o Departamento de Justiça (DoJ) e o Departamento de Estado montaram estratégias geopolíticas, enquadrando empresas de outros países de interesse estratégico norte-americano.

O enquadramento obedece ao seguinte roteiro:

  • Denúncia criminal nos Estados Unidos.
  • Acordo de leniência impondo multas elevadas e termos de ajustamento de conduta (TACs).
  • Parceria com Ministérios Públicos dos países de origem das empresas.
  • Os TACs foram terceirizados para grandes escritórios de advocacia, com ampla influência no DoJ, que se especializaram em normas de compliance.

Em cima dessa estrutura se montou a indústria improdutiva do combate à corrupção:

  • Contratação dos escritórios por somas milionárias.
  • No caso do Ministério Público Federal brasileiro, disponibilidade de provas e testemunhas contra as estatais brasileiras, visando instruir grandes ações de indenização, bancadas pelos chamados fundos abutres.
  • Desmonte das empresas investigadas, visando facilitar a venda de ativos.

As grandes operações da Lava Jato abriram espaço para três escritórios de advocacia norte-americanos: a Baker McKenzie, o Hogan Lovells e o Gibson, Dunn & Crutcher.

Os três se tornaram multinacionais poderosas trabalhando as normas de conformidade da legislação norte-americana.

Peça 2 – o caso Petrobras

O total das propinas na Petrobras até hoje não foi calculado porque se faz dupla, tripla e quintupla contagem. Mas não deve ter chegado a um bilhão de reais.

O custo direto da Lava Jato à empresa, sem contar o desmonte da engenharia nacional:

* Multa no DoJ (Departamento de Justiça dos EUA): US$868 milhões;

* Indenização aos acionistas minoritários US$2,9 bilhões;

* Honorários advocatícios, mais de US$300 milhões;

* como consequência da Lava Jato já foram vendidos US$23 bilhões de ativos, desintegrando a empresa, que agora vale muito menos.

Há muitas estatais de petróleo envolvidas em corrupção. Mas nenhum grande país fez campanha contra sua própria estatal, incluindo a Pemex, o Sonangol, a Ecopetrol, a Sonatrach, a Sinopec, a Iraq National Petroleum. Nenhum Ministério Público desses países foi a Washington para acusar sua empresa de petróleo, entregando documentos e testemunhas contra ela.

Com os últimos fatos divulgados, fica claro o acerto entre a Lava Jato e Pedro Parente, presidente da Petrobras.

Parente fechou um acordo com acionistas norte-americanos que surpreendeu até grandes escritórios de advocacia instalados no Brasil. Os advogados da ação julgavam que o máximo que conseguiriam seria um acordo de US$ 1 bilhão. A Petrobras aceitou pagar US$ 2,9 bilhões para encerrar a ação, um evidente escândalo, mas que passou batido pelos templários da Lava Jato.

Ao mesmo tempo em que fechava negócios ruinosos, a Petrobras firmava um acordo com autoridades norte-americanas destinando R$ 2,5 bilhões para gestão da República do Paraná.

Peça 3 – o papel de Ellen Gracie

A Hogan chegou à Petrobras em 2012, quando o diretor jurídico da Petrobrás Venezuela S.A., saiu da empresa e foi para a Hogan Lovells.

Não é o único supernegócio de escritórios de advocacia com a Petrobras. Na ação junto ao Departamento de Justiça a Petrobras contratou o Baker Mackenzie, também caríssimo e outro escritório de monitoramento, de confiança do Departamento de Justiça, que fica dentro da própria empresa.

Foi contratado também o escritório de Ellen Gracie, ex-Ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) para supervisionar os serviços de compliance.

 

Peça 4 – o caso Embraer-Bombardier

O mesmo escritório Baker McKenzie foi contratado pela Embraer para resolver suas pendências com a Justiça norte-americana. Em 2016 fechou acordo pelo qual se comprometeu a pagar US$ 206 milhões e confessar os crimes cometidos em quatro países

Como resultado do TAC, a empresa passou a conviver com um interventor e obrigada a informar as autoridades norte-americanas sobre cada passo estratégico.

Paralelamente, assinou um TAC com a Procuradoria da República no Rio. Um dos procuradores que participou do TAC foi Marcelo Miller que, tempos depois, seria contratado pela Trench Rossi, o escritório brasileiro sócio da Baker McKenzie.

Ao mesmo tempo em que trabalhava para a Embraer, a Baker McKenzie era a consultora da Boeing e sua lobista junto ao Congresso norte-americano. Foi nessa condição que assessorou a Boeing no processo de aquisição da Embraer.

Peça 5 – o caso Eletrobras

Em 2016, a Lava Jato foi até os Estados Unidos, uma equipe chefiada pelo então Procurador Geral da República Rodrigo Janot. Lá, Janot recebeu pessoalmente de uma advogada do Departamento de Justiças as denúncias contra a Eletronorte, braço da Eletrobras que cuidava da energia nuclear.

Foi o álibi para uma intervenção ampla na Eletrobras. Para supervisionar a implementação do compliance, foi contratado o escritório de Ellen Gracie por R$ 4 milhões da Eletrobras, sem licitação. Provavelmente coube a Gracie levar o Hogan Lovells para a Eletrobras. A supervisora não definiu um contrato com começo, meio e fim, mas um contrato por horas trabalhadas. Ampliou o escopo do trabalho aumentando em cinco vezes seu valor.

Por conta desse processo, hoje em dia há um olheiro do DoJ acompanhando todos os passos da empresa, inclusive a área nuclear.

Peça 6 – o enorme pesadelo

Todo esse pesadelo se deveu à destruição das instituições brasileiras. A Lava Jato viu-se dotada de um poder absoluto. Milícias digitais, blogs de ultra direita difundiram denúncias contra Ministros do STF, inibindo sua atuação. Ao mesmo tempo, insuflavam as redes contra o STF e o Superior Tribunal de Justiça.

O STJ é um tribunal polêmico, o STF igualmente. Existem Ministros polêmicos, sim. Mas a maior ameaça ao país, o quadro que levou à barbárie e ao fenômeno Bolsonaro, foram os poderes amplos conferidos à Lava Jato, a insubordinação de juízes e procuradores de primeira instância, cada qual criando seu território de poder particular.

O grande pacto nacional terá que se dar em cima da reconstrução das instituições, especialmente dos tribunais superiores e da Procuradoria Geral da República. Será a única maneira de impedir que o país se transforme definitivamente em um grande México, sob domínio político das milícias.

 

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • Não importa se a camisa é verde-amarela ou jamais vermelha. O que importa é ser brasileiro de verdade, ou seja, aqueles que verdadeiramente defendem nosso país.

  • Pacto pra evitar que as milícias tomem o poder central porque o poder que elas tem na periferia não será abalado em nada. Afinal la moram pessoas que nao contam pros que mandam no pais.

  • Não acredito em novo pacto. Não é mais possível.O pacto já foi realizada,lá atrás,quando da lei da anistia,que perdoou inclusive os assassinos de Estado e com a promulgação da constituição cidadã de 1988.
    Com o golpe de 2015 contra a presidenta Dilma e com a prisão absurda do presidente Lula,ficou evidente que o vírus golpista ainda está presente em nossa sociedade e que pactos não poderão ter vida longa.
    Resta a revolução como único caminho possível para o extermínio deste vírus.

  • NICOLELIS
    - "Todo Savonarola tem seu dia de Luís XVI. Pelo visto, caiu a Bastilha da República de Curitiba. Imagine se forem a fundo nas investigaçōes dos tais acordos de delação! E quem lucrou com eles! Tinham q convocar uma comissão internacional independente para devassar tudo isso", postou Miguel Nicolelis, um dos maiores cientistas brasileiros, sobre a derrota da Lava Jato, na sessão desta quinta-feira no STF
    https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/386912/Nicolelis-caiu-a-Bastilha-da-República-de-Curitiba.htm

  • As instituições foram corroídas por dentro, porque os homens que a compõem não valem nada, são abutres que não valem o que comem.

  • O Gilmar Mendes rasgou a chita:
    "É preciso ter cuidado com esses combatentes da corrupção, é preciso falar quanto ganha, que escritórios fazem os acordos (de delação). É inadmissível tentar constranger juízes dessa forma, vazando informações, atacando pessoas.
    O que se trava aqui é uma disputa de poder, disputa de poder que se quer ganhar a fórceps, constranger, amedrontar as pessoas, mas fantasma e assombração aparece para quem neles acredita. São métodos que não honram instituição. O que se pensou foi criar um fundo eleitoral".

    O Gilmar Mendes afirmou que a Raquel Dodge sabe de muitas putarias do Barroso, sobre o escritório. Se ela de fato sabe, ela não estaria prevaricando?

  • Esse momento é importante para que enfim se faça um grande pacto nacional. Mas sera que assim como deixaram bolsonaro e tudo o que o acompanha se apoderar do poder para não ter a volta do PT, terão o replucanismo hoje de fazer um pacto pela reconstrução do Pais através do reforço de suas instituições? Vamos esperar.

  • As milícias já estão no poder e a lava jato entreguista se tornou governo, não há mais retorno, agora o Brasil irá entrar numa espiral descendente econômica e social
    Tudo isso não seria possível sem o grande analfabetismo político dos brasileiros que elegeram Bolsonaro, analfabetismo esse criado e alimentado diuturnamente pela mídia podre oligarca com o auxílio financeiro dos governos petistas e das mídias digitais, controladas pelos americanos
    Só peço perdão às gerações futuras pelo estrago que estamos fazendo com o país

  • Os defensores do Direito Achado na Boca de Fumo adoram paradoxos.
    Eles corrompem os princípios constitucionais do Direito Penal e detestam ser chamados de corruptos.
    Eles criam os "campos minados", mas não querem perder suas pernas quando pisam nas minas.
    Ao que parece, durante o julgamento que ocorreu ontem Deltan Dellagnol finalmente perdeu uma de suas pernas no STF.
    A outra perderá quando for julgado o caso referente ao acordo bilionário irregular que ele fez.

    • Fábio, e a prepotência do DD é tanta que ele foi à CEF discutir taxa de juros para aplicação dos 2,5 Bi que ficaria sob sua administração.

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