Žižek: Esquerda européia não quer deixar o nacionalismo para a direita radical

Jornal GGN – O filósofo Slavoj Žižek escreveu artigo comentando a decisão da maioria da população do Reino Unido de sair da União Europeia. De acordo com ele, é até justificável que uma certa perspectiva de esquerda tenha sido favorável ao referendo, “afinal, um forte Estado-nação, livre do controle dos tecnocratas de Bruxelas pode estar numa situação melhor para proteger o Estado de bem-estar social e reverter políticas de austeridade”. Mesmo assim, ele enxerga no resultado o surgimento de uma nova tendência, de uma esquerda que redescobre o nacionalismo, no lugar de conceitos mais universais.

“A razão que explica esse movimento dessa esquerda parece evidente: o fenômeno da ascensão do populismo nacionalista de direita na Europa Ocidental. Por incrível que pareça, é o populismo nacionalista de direita que aparece agora como a mais expressiva força política a reivindicar a proteção dos interesses da classe trabalhadora, e ao mesmo tempo, a mais forte força política capaz de mobilizar verdadeiras paixões políticas. Então, a lógica é a seguinte: por que a esquerda deve deixar esse campo de paixões nacionalistas à direita radical? Por que ela não poderia disputar com o Front National de Le Pen a reivindicação da “pátria amada” [la patrie]?”, provocou Žižek.

Em sua opinião, o dilema das esquerdas, quando chegam ao poder, é se enfrentam os mecanismos capitalistas ou procuram fazer mudanças respeitando as “regras do jogo”. Ele até dá como exemplo as experiências de Nelson Mandela e Lula.

“Estou convicto de que nossa única esperança é agir em nível transnacional – só assim teremos a chance de fazer frente ao capitalismo global. O Estado-nação não é o verdadeiro instrumento para confrontar a crise dos refugiados, o aquecimento global e outras questões urgentes que se colocam. Então ao invés de se opor aos eurocratas em nome de interesses nacionais, por que não começar tentando formar uma esquerda europeia? Não vamos competir com os populistas de direita. Não vamos permitir que eles definam os termos da luta. O nacionalismo socialista não é a forma certa de combater o nacional socialismo”.

Abaixo, a íntegra do artigo:

Do Blog da Boitempo

Žižek: Precisamos entender a esquerda que apoiou o Brexit

Por Slavoj Žižek

Traduzido por Artur Renzo

Não vamos competir com os populistas de direita. Não vamos permitir que eles definam os termos da luta.

Quando perguntaram ao camarada Stalin no final dos anos 1920 o que ele achava pior, a direita ou a esquerda, ele imediatamente rebateu: “Os dois são piores!” E essa é minha primeira reação ao Brexit. A Europa está presa agora em um círculo vicioso, oscilando entre dois falsos opostos: de um lado, a rendição ao capitalismo global, e de outro, a sujeição a um populismo anti-imigração. É preciso colocar a pergunta: qual é o tipo de política capaz de nos tirar desse impasse?

O capitalismo global tem se caracterizado cada vez mais por acordos comerciais negociados a portas fechadas como o TISA ou o TTIP (Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento). Discuti a dimensão e o significado do TISA aqui, e também não há dúvida sobre o impacto social do TTIP: ele representa nada menos do que um ataque brutal à democracia. Talvez o exemplo mais explícito seja o caso dos ISDSs (Mecanismos de Resolução de Litígios entre Investidores e o Estado), que basicamente permitem que empresas processem governos se suas políticas ferirem sua margem de lucro. Para resumir, isso significa que corporações transnacionais (que não foram eleitas) podem simplesmente ditar as políticas de governos democraticamente eleitos.

Então como avaliar o Brexit nesse contexto? É preciso entender em primeiro lugar que de uma certa perspectiva de esquerda há até justificativas para ter apoiado o referendo: afinal, um forte Estado-nação, livre do controle dos tecnocratas de Bruxelas pode estar numa situação melhor para proteger o Estado de bem-estar social e reverter políticas de austeridade. No entanto, o que é perturbador é o pano de fundo ideológico e político dessa posição. Da Grécia à França, uma nova tendência está surgindo a partir do que sobrou da “esquerda radical”: a redescoberta do nacionalismo. De uma hora para outra, deixou-se de falar em universalismo – ideia que passou a ser descartada como uma simples contraparte política e cultural (“superestrutural”, se quiser) do capital global “desenraizado”.

A razão que explica esse movimento dessa esquerda parece evidente: o fenômeno da ascensão do populismo nacionalista de direita na Europa Ocidental. Por incrível que pareça, é o populismo nacionalista de direita que aparece agora como a mais expressiva força política a reivindicar a proteção dos interesses da classe trabalhadora, e ao mesmo tempo, a mais forte força política capaz de mobilizar verdadeiras paixões políticas. Então, a lógica é a seguinte: por que a esquerda deve deixar esse campo de paixões nacionalistas à direita radical? Por que ela não poderia disputar com o Front National de Le Pen a reivindicação da “pátria amada” [la patrie]?

Nessa vertente de populismo de esquerda, a lógica do “Nós” contra “Eles” permanece, mas aqui o “Eles” não aparece na forma de pobres refugiados ou imigrantes, mas na figura do capital financeiro e da burocracia tecnocrática do estado. Esse populismo também vai além do velho anticapitalismo da classe trabalhadora; ele visa reunir uma multiplicidade de lutas, da ecologia ao feminismo, do direito ao emprego à saúde e à educação gratuitas.

A tragédia recorrente da esquerda contemporânea é a velha história do líder ou partido que é eleito com entusiasmo universal junto à promessa de um “novo mundo” (o caso de Mandela e de Lula são emblemáticos aqui), mas que uma hora ou outra (geralmente depois de alguns dois anos), se vê diante do dilema fundamental: será que me atrevo a mexer com os mecanismos capitalistas, ou opto por “jogar de acordo com as regras do jogo”? E, claro, quando ousa-se perturbar os mecanismos do capital, logo vem o rebote das perturbações do mercado, o caos econômico e por aí vai… Então como pensar uma verdadeira radicalização passado o primeiro estágio de promessa e entusiasmo?

Estou convicto de que nossa única esperança é agir em nível transnacional – só assim teremos a chance de fazer frente ao capitalismo global. O Estado-nação não é o verdadeiro instrumento para confrontar a crise dos refugiados, o aquecimento global e outras questões urgentes que se colocam. Então ao invés de se opor aos eurocratas em nome de interesses nacionais, por que não começar tentando formar uma esquerda europeia? Não vamos competir com os populistas de direita. Não vamos permitir que eles definam os termos da luta. O nacionalismo socialista não é a forma certa de combater o nacional socialismo.

* A tradução é de Artur Renzo, para o Blog da Boitempo

Redação

7 Comentários

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  1. Em um parágrafo

    Zizek em um parágrafo fez o diagnóstico e prognóstico da política brasileira:

    “A tragédia recorrente da esquerda contemporânea é a velha história do líder ou partido que é eleito com entusiasmo universal junto à promessa de um “novo mundo” (o caso de Mandela e de Lula são emblemáticos aqui), mas que uma hora ou outra (geralmente depois de alguns dois anos), se vê diante do dilema fundamental: será que me atrevo a mexer com os mecanismos capitalistas, ou opto por “jogar de acordo com as regras do jogo”? E, claro, quando ousa-se perturbar os mecanismos do capital, logo vem o rebote das perturbações do mercado, o caos econômico e por aí vai… Então como pensar uma verdadeira radicalização passado o primeiro estágio de promessa e entusiasmo?”

  2. Viena 17/06/2016

         Enquanto a “esquerda” filosofa, discute, encaminha, escreve e palestreia ( sempre para a mesma audiência ), elabora teses e teorias geralmente muito distantes do entendimento de um cidadão médio, a “extrema direita” AGE vendendo para suas populações, propostas facilmente compreensiveis, apelativas, sem substancia, ralas em profundidade, mas aceitas em genero, numero e grau, sabendo utilizar bastante a seu favor, emoções basicas do ser humano, como o medo, pode ser o medo do diferente, o medo do desaparecimento de seu emprego, o medo da miscigenação de seu povo e cultura, e combater “medos e pavores”, com argumentações baseadas na lógica, é inutil.

          Outro ponto importante, é que tanto as esquerdas ( que em seus varios matizes degladiam-se, muitas vezes por “nada” ), e seus outros participes do processo politico europeu, os centristas tradicionais, como : socialistas, sociais-democratas, democratas cristãos e suas variações ( rachas ), continuam e perseveram como “velhos politicos”, atuando como se o mundo ainda estivesse nos anos 90, a extrema – direita atua em conjunto, como esta claro no “Encontro da Primavera dos Patriotas “, ocorrido em Viena na semana passada, vejam a foto : http://www.elmundo.es/internacional/2016/06/17/5763dffae5fdea2c488b4571.html

           Nem precisamos retornar aos anos 30, dos “Freikorps” ou das “SAs”, nos basta recordar o principio deste século XXI, quando grupos de extrema direita européia, foram classificados como “risco de segurança e terrorismo ” em seus paises, e sanitizados por politicos populistas, todos oriundos dos espectros mais conservadores de suas sociedades ( espertos ), que lograram amalgamar estes grupos em agremiações politicas, sempre como “Proto – Fuhrers “, começaram a participar ativamente do processo politico oficial, no inicio até foram rcebidos como “histéricos”, “comicos”, “avis raras de um passado”, e outras demonstrações de desprezo por parte da “politica tradicional”, MAS cresceram, e o mais “incrivel”, mas que demonstra uma unidade de ação com objetivo, que apesar de “eurocéticos” e “euroraivosos”, concorreram e assumiram cadeiras no Parlamento Europeu *, afinal “destruir por dentro” uma instituição é a melhor forma de combate-la, ou no minimo poda-la.

            * Nigel Farage, lider do UKIP, concorreu varias vezes a Camara dos Comuns, nunca foi eleito, mas é Membro do Parlamento Europeu.

  3. O que falta na Europa é mobilidade vertical e protagonismo …..

    O que falta na Europa é mobilidade vertical e protagonismo dos descendentes das classes trabalhadoras.

    Muitos se perguntam por que da revolta dos ingleses contra a Comunidade Europeia e os votos nos movimentos populistas de direita em toda a Europa, se pode pensar que as pessoas que recebam todos os recursos de estados de Bem Estar Social, não deveriam reclamar tendo uma série de direitos e ajudas.

    Porém as pessoas confundem conforto e segurança mínima do Estado de Bem Estar Social a satisfação pessoal de cada um com mobilidade social e falta de protagonismo que se baseia todo o discurso Europeu. Espantam-se também pela revolta contra o “establisment” político-burocrático europeu que na realidade fornecem a estes revoltados todos os benefícios sociais que conhecemos. Estes que não entendem porque da revolta esquecem que as pessoas não vivem só de comida!

    Por mais que se criem mecanismos de garantia social, de serviços públicos com relativo sucesso a Europa tem um sistema de ensino associado a um sistema de progressão social que torna extremamente difícil a carreira de um jovem filho ou neto de operários aos cargos mais altos tanto das carreiras públicas como das carreiras em instituições privadas.

    A imensa maioria dos filhos e netos das classes proletárias em ascender a altos postos de trabalho na administração pública e privada. No exemplo francês, por exemplo, se tu és egresso de uma grande escola (grande escola são escolas de engenharia, de administração pública e de outros setores que são as melhores ranqueadas no sistema de ensino superior) tu terás garantido no setor público vagas para os egressos destas assim como nas empresas privadas serás recebido de braços abertos para tanto. Porém para ascender a estas grandes escolas terás que fazer um curso preparatório em instituições especiais para este fim (Classes  Préparatoires aux Grandes Écoles – C.P.G.E.) desde que tenha conseguido um bom resultado no BAC (exame semelhante ao ENEN, só que diferenciado conforme a carreira a ser desejada).

    Dos anos 40 até os anos 70 vários estudos realizados provam que a dificuldade de entrada nas Grandes Escolas aumentou após os anos 80 ou seja no sentido contrário do que se pode pensar (vide Diversité sociale dans les classes préparatoires aux grandes écoles : mettre fin à une forme de « délit d’initié » Publicação do Senado Francês), a diferença é tanta que em 2002 os alunos nas Grandes Escolas eram distribuídos na seguinte proporção conforme a “Origem sócio profissional do pai)

    Agricultores 3,5%

    Operários 5,2%

    Empregados 5,7%

    Artesãos 6,36%

    Aposentados 7,2%

    Profissionais de nível médio 10%

    Quadros superiores e profissionais liberais 67,5%

     

    Em resumo, profissionais de nível superior, que são uma minoria na França, conseguem colocar 67,5% de seus filhos nas grandes escolas, enquanto filhos dos demais só 32,5% entram nas Grandes Escolas.

    Por outro lado o Sistema Educacional Francês permite o ingresso livre nas Universidades em que recebem milhares de títulos diversos, e com um bom diploma conseguem se não ficarem desempregados um emprego de “technicien de grande surface” (faxineiro de supermercado).

    Em toda e Europa se reproduz o mesmo tipo de cenário, os grandes cargos e empregos são reservados para a elite da “meritocracia”, enquanto para os filhos do proletariado é reservado um diploma para ficar desempregado e ganhar um auxílio desemprego ou um emprego bem abaixo da formação acadêmica do mesmo.

    Esta falta de mobilidade social cria uma verdadeira revolta contra os chamados burocratas em geral e da Comunidade Europeia em particular, pois simplesmente estes filhos de operários e camponeses que ajudaram a construir a Europa dos dias atuais, além do desemprego, se eles conseguirem sair dele, a possibilidade de ganhar um salário inferior a que ganhava um bom operário entre 1955-1975 é muito grande.

    Estas pessoas se sentem alijadas das decisões europeias, pois o protagonismo que tem nas organizações políticas e sociais diversas é nulo, são chamados a votar periodicamente e encontram somente partidos de direita ou de esquerda que não apresentam nenhuma solução para os seus problemas.

    Nenhum filho de operário ou mesmo de desempregado passará fome, ficará sem abrigo ou ficará sem escola, porém a chance de saírem deste círculo vicioso é muito baixa.

    Na realidade o estado de bem estar social deu o mínimo para que seus pobres não passassem necessidade nem que seus filhos aparentemente tivessem a mesma oportunidade da burguesia europeia.

    O voto no Brexit, o voto nos partidos de direita e no extremo o ingresso no Daesh é explicado por uma ruptura entre a sociedade de massas e o “establisment” que realmente manda nesta sociedade. Estes movimentos simplesmente adotam um discurso de contrariedade a tudo sem precisar provar nada, e quando são confrontados com intelectuais estes são vistos mais como inimigos como alguém que queira resolver o problema (e grande parte das vezes a identificação é real).

    A falácia da meritocracia está levando a ruptura das sociedades que apesar de apresentarem índices mínimos de qualidade de vida satisfatórios não estão dispostas a discutir profundamente uma política de inclusão social real e de azeitamento da mobilidade vertical, pois claramente se vê que políticos e burocratas estão nesta perversa e desleal concorrência com as categorias sociais inferiores, e talvez instintivamente garantam antes de mais tudo a preservação do status quo que lhe dá certa garantia a sua prole.

  4. “Estou convicto de que nossa

    “Estou convicto de que nossa única esperança é agir em nível transnacional – só assim teremos a chance de fazer frente ao capitalismo global.”

    Até o presente momento, foi justamente o estado nação aquela organização que mais foi capaz de fazer frente ao poderio das corporações internacionais ou mesmo as grandes nacionais. Não vejo como prescindir dele.

  5. A melhor definição que vi

    Como disse o Maestri abaixo, a melhor definição que vi foi do John Harris que foi a campo saber porque as pessoas votariam no fica ou no sai, a conclusão foi :

    ‘If you’ve got money, you vote in … if you haven’t got money, you vote out’

    Brexit is about more than the EU: it’s about class, inequality, and voters feeling excluded from politics. So how do we even begin to put Britain the right way up?

    Os pais desses meninos da foto não querem apenas ficar esperando que os governos nunca lhes deixem passar fome.

     

     

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