Nos Brics, mulheres ocupam mais cargos de gerência

Do Valor

Para elas, é bem mais fácil crescer nos Brics

Por Adriana Fonseca 

Globalmente, as mulheres representam parcela relevante da força de trabalho nos níveis mais baixos da hierarquia corporativa até os cargos de média gerência. Segundo dados da Organização para Economia, Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), elas ocupam 44% dos postos de trabalho de modo geral. À medida que se avança na carreira, no entanto, a presença feminina vai ficando escassa.

Na tentativa de entender melhor as razões que levam a essa diferença, o Boston Consulting Group (BCG) entrevistou cem executivos seniores de 44 multinacionais ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Segundo dados levantados pela consultoria, as mulheres ocupam 21% dos cargos de gerência sênior no mundo. Trata-se de um padrão global, de acordo com a pesquisa, mas observa-se uma leve diferença nos países dos Brics e no Sudeste Asiático. Nessas duas regiões, 26% e 32% dos postos executivos seniores ficam com elas, respectivamente, enquanto nas nações do G7 o índice cai para 18%.

Christian Orglmeister, sócio do BCG, explica que o estudo não analisou os motivos da disparidade por grupos de países, mas há algumas hipóteses que ajudam a entender os números – e a conclusão não tem relação com o apoio dado pelas empresas a profissionais do sexo feminino. “O suporte doméstico, com apoio de babás e familiares que ajudam as mulheres a cuidar de seus filhos, é mais comum nos países em desenvolvimento. Isso permite às executivas dedicar mais tempo às suas carreiras”, explica.

Laura Lafayette, diretora de recursos humanos da Avaya, percebeu na prática essa questão. Nascida em Curitiba, ela se mudou para os Estados Unidos aos 18 anos. Sua mãe era casada com um americano, que foi trabalhar lá e levou toda a família. Laura começou a carreira no exterior, casou-se e teve seu primeiro filho, em 2007. Na época, trabalhava na Intel e conseguiu organizar seu expediente entre 8h e 16h. Seu marido, empresário, tinha mais flexibilidade de horário e começava o expediente só depois que ela chegava em casa, estendendo a jornada até tarde da noite. “Quando tive filho, começou a pesar o fato de não ter parentes por perto e nem ajuda de babás.”

Foi aí que ela tomou a decisão de voltar para o Brasil. “Investi muito em conseguir uma vaga aqui. Sabia que era uma fase da vida, mas não aguentaria aquela rotina por muito mais tempo”, revela. Ainda em 2007, conseguiu voltar para o Brasil pela própria Intel e ficou na companhia por mais dois anos. Posteriormente teve mais um filho e recebeu um convite para assumir a área de recursos humanos da Avaya, multinacional que oferece soluções em sistemas de comunicações empresariais.

“Era um cargo com mais responsabilidade. Pude aceitar porque conto em casa com uma babá excelente e com uma empregada que costumo chamar de “personal assistant”. Ela toca a casa por mim”, afirma Laura. Ao mesmo tempo, a empresa oferece flexibilidade aos funcionários. No dia em que concedeu esta entrevista, por exemplo, Laura estava trabalhando de casa. “Não abro mão de estar presente nos eventos da escola das crianças e esse modelo permite isso”, diz.

Glaucia Montone Maurano, diretora de marketing para a América Latina da Software AG, também conta com a flexibilidade no ambiente de trabalho para equilibrar vida pessoal e profissional. “Na empresa não há uma política formal de “home office” estabelecida, mas somos cobrados por produtividade, independentemente do horário que fazemos ou do local de onde trabalhamos”, diz a executiva.

Para conseguir dar conta do expediente na multinacional, da casa e da família – ela é casada e tem filhos gêmeos de oito anos -, Glaucia conta também com o apoio de uma empregada doméstica e da família, que mora perto. “Quando viajo e meu marido está em uma semana complicada, contamos com os avós para ficar com as crianças”, exemplifica. Segundo ela, o marido, também executivo, é fundamental para manter o equilíbrio. “Em períodos em que o trabalho exige mais de mim, ele compensa com as crianças, e vice-versa.”

Quando ainda eram bebês, os gêmeos contavam com os cuidados de uma babá. Depois dos dois anos de idade, passaram a frequentar a escola em tempo integral. Além do tripé composto por família, escola e empregada, Glaucia diz que tem a seu favor o fato de as distâncias na sua rotina serem curtas, o que é raro para um morador da capital paulista. “Isso me permite, por exemplo, ir a uma reunião na escola no começo da tarde”, diz.

Com o apoio da família, das políticas de flexibilidade e das auxiliares domésticas, Glaucia e Laura conseguiram seguir adiante em suas carreiras e ocupar cargos de diretoria, mesmo com o nascimento dos filhos. Ir mais além e chegar ao topo da hierarquia corporativa, no entanto, é um caminho ainda mais difícil para as mulheres. Segundo a pesquisa do BCG, quando se olha para a presidência das empresas, apenas 9% das cadeiras são ocupadas por elas.

Entender as razões que as impedem de ultrapassar a linha que separa a gerência sênior do topo das organizações é uma tarefa complexa. Entre os entrevistados, 90% veem uma conexão entre a diversidade na equipe e o sucesso da companhia, e 85% acham especificamente a questão de gênero prioritária em relação a outros tipos de diversidade. Por outro lado, apenas 60% das empresas têm iniciativas nesse sentido e pouco menos da metade oferece programas de treinamento relacionados ao tema para as lideranças, “mentoring” para as mulheres e programas de aprendizado de habilidades específicas para o público feminino.

“As empresas não traduzem a intenção de promover a diversidade para os elementos de gestão”, afirma Orglmeister. Segundo ele, as organizações não costumam ter métricas que acompanhem em que ponto está a diversidade nos programas de recrutamento e promoção, o que prejudica a implementação de políticas na área.

No estudo, o BCG identificou alguns fatores que agem como grandes barreiras para que as mulheres se tornem líderes nas empresas. Poucos foram os entrevistados que culparam o estereótipo feminino – líderes menos assertivos e menos capazes de lutar por poder. No entanto, muitos dos gestores, de ambos os sexos, citaram como impedimento a falta de comprometimento dos executivos-chefes em relação ao assunto e os critérios de seleção e promoção orientados ao sexo masculino.

Uma vez que não existem orientações claras de que se deve dar prioridade à diversidade de gênero, é natural que quando um homem trabalha na escolha de seu sucessor, por exemplo, procure uma espécie de clone. “Essa característica não é exclusiva do sexo masculino. Porém, como há mais homens em cargos do alto escalão, esse viés na ótica de avaliação individual predomina e favorece uma presença maior deles no ambiente corporativo”, diz Orglmeister.

O equilíbrio entre família e carreira, embora seja uma questão de ambos os sexos, também foi apontado como aspecto mais crítico para as mulheres. Na opinião das executivas seniores, o segredo de uma vida profissional e pessoal mais equilibrada não está no subsídio por parte da empresa ou no pagamento total de um serviço – ou pessoa – que cuide de seu filho. A chave está em ter um empregador que dê apoio e ofereça condições para um trabalho flexível, disseram as respondentes da pesquisa.

A falta de processos para as mulheres quando saem e retornam da licença-maternidade também foi detectado como um fator impeditivo para o crescimento da mulher na carreira. O levantamento do BCG mostra que enquanto todos os homens retornam ao trabalho após se tornarem pais, em alguns setores o número de mulheres que não regressam da licença-maternidade chega a 25%.

Orglmeister cita um exemplo que tem ajudado as mães a voltar à ativa sem maiores complicações. Em um grande banco, segundo ele, as executivas têm o compromisso e o direito de usar, durante a licença, 10% do tempo que dedicariam ao trabalho – 4 horas semanais, portanto – a treinamentos on-line ou presenciais. “É uma forma de se atualizar e manter o vínculo com a empresa”, afirma.

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