Qual o destino dos usuários de crack que “desistiram” do Braços Abertos?

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Jornal GGN – É destaque na Folha de S. Paulo deste domingo (17) que entre cada 10 usuários de crack assistidos pelo programa Braços Abertos, da prefeitura de São Paulo, pelo menos 4 “desistiram” do programa.

Embora, em alguns momentos, o termo “desistir” seja usado pelo jornal com a conotação de reicindência dos dependentes nos hábitos da Cracolância, a Prefeitura afirmou que dos 344 que “desistiram”, “41 retornaram para casas de familiares” e “outros 65 beneficiários estão afastados em razão de licença-maternidade ou de problemas de saúde”. Ou seja, um terço dos desistentem não voltaram necessariamente para as ruas.

O jornal, porém, entrevistou um dos coordenadores de treinamento do programa municipal, o psiquiatra Dartiu Xavier, que disse que é impossível acabar com a Cracolândia – embora até o governo estadual tente combater o uso de crack com uma ação chamada “Recomeço”, cujo foco é na internação do dependente químico.

Em SP, 4 em cada 10 desistem de ação anticrack de Haddad

Da Folha

“Tem que falar pro prefeito resolver essa ‘fita’ aí, senhor.” Olhos baixos, Paulo (nome fictício), 31, reclama.

Viciado em crack, ele diz não ter suportado varrer ruas em troca de R$ 15 por dia. “Tenho duas hérnias e não posso trabalhar, mas não é certo eles me deixarem quatro meses sem receber”, afirma ele, que se orgulha de ter diminuído o consumo de dez para duas pedras diariamente.

Paulo é um dos 344 participantes que desistiram do programa Braços Abertos –que oferece moradia em hotéis na cracolândia e R$ 15 por dia de trabalho para tentar livrar o usuário do vício.

Ele é também um exemplo da complexidade do tratamento desses dependentes. A desistência representa 43% das 798 pessoas que aderiram ao programa, iniciado há um ano e quatro meses.

Aposta da gestão Fernando Haddad (PT) para enfrentar o fenômeno da cracolândia –que completa 20 anos–, o Braços Abertos tem hoje 494 beneficiários (305 homens e 189 mulheres).

Segundo a administração, aqueles que abandonaram a ação migraram para outros tipos de acolhimento ou voltaram para suas famílias. Não se sabe, porém, quantos deles já voltaram às ruas. Especialistas ouvidos pela Folha dizem que o índice de desistência segue o padrão dos demais tratamentos.

O programa municipal prega a chamada redução de danos, em que o dependente é incentivado a diminuir gradativamente o consumo da droga, sem internação e com oferta de emprego e renda.

Já a gestão do governador Geraldo Alckmin (PSDB) tem projeto antagônico. Batizado de Recomeço, o modelo estadual trabalha a saída do vício com tratamentos que incluem isolamento em hospitais e comunidades terapêuticas.

De acordo com o psiquiatra Dartiu Xavier, coordenador de treinamento de agentes da ação da prefeitura, modelos de tratamento que não visam a abstinência deram certo em Vancouver (Canadá) e em Nova York (EUA).

“No Brasil, a maioria dos médicos tem visão forjada no falido modelo americano de guerra às drogas”, diz Xavier. “Na cracolândia, estão pessoas que já viviam em exclusão. Temos que ensinar estratégias para que elas não tenham uma relação destrutiva com o produto”, afirma.

Visão oposta tem o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador do projeto estadual. “Achar que o usuário vai ficar na esquina onde se vende crack a R$ 2 e não vai usar a droga é não entender o que é dependência. Ele precisa de ambiente protetor, o que a rua não é”, afirma.

OUTRO LADO

A gestão Fernando Haddad (PT) diz que a maior parte dos dependentes químicos da cracolândia que deixaram o Braços Abertos foi incluída em outros programas. Outra parcela voltou para suas famílias. A administração, porém, não informou o destino de cada um deles.

Em entrevista à Folha na semana passada, a secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, Luciana Temer, disse que 41 dos dependentes retornaram para casas de familiares. A prefeitura afirmou que outros 65 beneficiários estão afastados em razão de licença-maternidade ou de problemas de saúde.

Sobre as razões da rotatividade de beneficiários, a gestão diz que há diversos fatores. “Entre eles a reunião familiar, a transferência para programas mais avançados, impedimentos sociais, psicológicos, familiares e de saúde”, afirma, em nota.

O texto diz ainda que o programa “não computa índices de efetividade a partir de ‘desistências’ ou ‘tratamento’, devido à complexa dinâmica social do projeto”. Segundo a administração, apesar de ainda haver consumo de crack nas ruas, houve redução de 80% do fluxo –aglomeração de viciados.

A secretária Luciana Temer diz que a constatação foi feita pela Guarda Civil Metropolitana (GCM), com base em imagens de um ônibus com câmeras de longo alcance.

Na últimas semanas, essa aglomeração de usuários tem mudado de lugar diversas vezes ao dia. Isso ocorre desde a operação do final do mês passado que acabou em conflito e removeu a chamada “favelinha”, conjunto de barracos dos viciados usados também para comprar drogas.

‘UTOPIA’

Para o psiquiatra Dartiu Xavier, a cracolândia é resultado da extrema exclusão social dos dependentes, e não só da presença do crack. Ele diz que não é possível acabar com a cracolândia.

“É utópico pensar que vai acabar a cracolândia. O que podemos é ter medidas para dar a essa população algum alívio para não viver uma situação de tanta miséria e exclusão”, diz o psiquiatra.

A prefeitura informou também que entre 70% e 80% dos participantes do programa relataram ter reduzido o consumo da droga.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

9 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Copo meio vazio

    A imprensa prefere noticiar baseado na máxima do copo meio vazio do que do copo meio cheio. Não seria o caso do título ser “6 em cada 10 usuários se mantém no programa?”

  2. Gente! Este é o tipo de

    Gente! Este é o tipo de programa “social” fadado ao fracasso. Deixar na mão de incapazes mentais (os dependentes) se vão ou não vão parar não resolve. É preciso a abstinência obrigatória para se ter alguma chance de recuperação dessa dependência química chamada CRACK…

    Infelizmente, eles tem que ser colocados como inimputáveis e incapacitados…

    1. Baseado em quê?

      Baseado em quê esta afirmação? Incapazes mentais? 

      Abstinência obrigatória não é unanimidade para tratamento de dependentes, seja de qual droga for.

  3. 4 em 10 DESISTEM?!?!?!?!
    Os

    4 em 10 DESISTEM?!?!?!?!

    Os diretores dos programas anticrack de Nova York estao se matando de inveja de Haddad nesse exato minuto!

    Todos eles estao pulando do Empire State!

    Peguem suas cameras, eles tao pulando sim, eu vi!

  4. A FSP e outros FDP acham que

    A FSP e outros FDP acham que quanto pior melhor.

    E o pior (ou melhor) é que sabem que dão tiros no pés, mas isto não importa: porque quanto pior para outros melhor para eles, até que isso se torne pior para eles, mesmo que seja melhor para eles, quero dizer, pior pra eles…

  5. As drogas não é toda de promiscuidade,

    Mas o carck é a falência do ser nesse sentido.

    O que fazer::

    Acharia a família, numa força tarefa.

    A causa nem sempre é ela. Mas muitas vezes desestruturada, e cada um faz o que quer,

    Se existem assistências sociais, acho que a tarefa delas deveriam começar por aí.

    O Estado tem que, se ao menos não se responsabiliza, que pelo menos ajude à essas famílias, esclarecer a situação e escapar desse pesadelo . 

    Se queremos evitar essa doença social chamada crack, não basta só dar dinheiro e abrigo.

    E preciso que agentes sociais atuem em todas as etapas da rehabilitação. O braços abertos foi uma excelente iniciativa, cura e imuniza quem quer pular fora.

    Mas não foi sufuciente. Quem sabe um Braços Abertos 2.0. com inclusões da família e a força tarefa das assiostente sociais.

     

  6. Nossa Mídia  é uma estrutura

    Nossa Mídia  é uma estrutura montada por sociopatas, eles só estarão satisfeitos com o povo brasileiro sendo massacrado por algum ” Estado Cristão”. Uma cruzada de irracionais “purificando” a população, só assim poderão transformar os famosos 1% donos das riquezas em 0,1%.

    No Oriente Médio, eles já conseguiram, com o tal “Estado Islâmico”. Por aqui, reproduzem Malafaias como preás.

  7. Muito “boa” essa matéria da

    Muito “boa” essa matéria da Folha, no sentido que ilustra bem o padrão do jornal. Apresenta os “dois lados” da questão mas só questiona um deles. Uma pergunta meio óbvia, a matéria chegou a fazer alguma estatística, pesquisa, entrevista, qualquer coisa, relacionado à esse projeto pró manicomial chamado Recomeço do governo de SP? Nesses momentos que os membros do pig dão bandeira, se mandarem a matéria por e-mail dizendo que é peça de marketing quem vai dizer que não é?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador