Covid-19 – No ritmo atual, o país irá contabilizar ao menos 3 milhões de casos e 105 mil mortes até 30 de agosto, por Felipe A. P. L. Costa

A taxa de crescimento diário no número de novos casos é o parâmetro que tenho usado para monitorar o comportamento da pandemia, seja em escala mundial, nacional ou regional.

Foto Catraca Livre

Covid-19 – No ritmo atual, o país irá contabilizar ao menos 3 milhões de casos e 105 mil mortes até 30 de agosto.

Por Felipe A. P. L. Costa [*]

De acordo com o Ministério da Saúde, as estatísticas de domingo (12) indicaram mais 24.831 casos e 631 mortes. No cômputo geral, teríamos então alcançado 1.864.681 casos e 72.100 mortes [1].

São números grandiosos. E assustadores.

Porém, diferentemente do que escrevi em artigo anterior (ver ‘Tornamos a empacar?’), a taxa de crescimento no número de novos casos – e, por extensão, no número de mortes – segue em trajetória declinante.

Uma trajetória declinante é algo bom ou ruim? No contexto deste artigo, seria algo bom. Muito bom.

Por quê? Porque indica que alguma coisa estaria a frear a expansão da pandemia.

  1. A trajetória da taxa de crescimento.

Uma breve recapitulação.

Em 31/5, após sete semanas chafurdando entre 6% e 8% (11/4-24/5), eis que a média semanal da taxa de crescimento no número de novos casos em todo o país caiu para 5,1% (25-31/5).

Era o menor valor desde o início da pandemia. De lá para cá, nós tivemos seis quedas sucessivas, três delas mais significativas – de 5,1% para 4,3%; de 4,3% para 3,3% e de 3,1% para 2,5%.

Eis as quedas observadas nas últimas semanas: de 5,1% o valor caiu para 4,3% (1-7/6) e daí para 3,3% (8-14/6); de 3,3% caiu para 3,2% (15-21/6) e daí para 3,1% (22-28/6), 2,5% (29/6-5/7) e, por fim, para os 2,2% da semana passada (6-12/7).

Quedas no valor de β são uma boa notícia [2]. E não é difícil entender o motivo: toda e qualquer queda indica que a pandemia está a perder força. E mais: o tamanho da queda (i.e., a diferença entre dois valores consecutivos) nos permite estimar a velocidade com que a pandemia estaria a perder força.

  1. Calculando a taxa de crescimento.

A taxa de crescimento diário no número de novos casos é o parâmetro que tenho usado para monitorar o comportamento da pandemia, seja em escala mundial, nacional ou regional.

Simbolizada aqui pela letra grega minúscula β, a taxa de crescimento tem sido definida como β = ln {Y(f) / Y(i)} / {t(f) – t(i)}, onde Y(f) é o número de casos no dia (f), Y(i) é o número de casos no dia (i), {t(f) – t(i)} é o intervalo transcorrido entre os dias (i) e (f), e ln indica logaritmo natural [3].

Quando os valores de β assim obtidos são usados na construção de um gráfico (ver a Fig. 1), alguns padrões numéricos podem ser identificados. E tais padrões podem nos informar a respeito dos rumos que as coisas estão a tomar.

  1. Por que o valor de β segue a declinar?

Como já comentei em ocasiões anteriores, há muita oscilação no valor de β ao longo da semana, um problema que está relacionado a certos desarranjos metodológicos (embora outros fatores possam estar contribuindo). Para contornar os ruídos, eu passei a calcular também uma média semanal.

Os resultados sugerem que o ajuste funcionou, visto que as médias semanais estão mais bem alinhadas que os valores diários (compare as duas nuvens de pontos que são mostradas na Fig. 1).

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FIGURA 1. O comportamento da taxa de crescimento diário (pontos em rosa claro) no número de casos da Covid-19 em todo o país (eixo vertical; β expresso em porcentagem), entre 21/3 e 12/7. Há muita oscilação nos valores diários (refletindo inércia e desarranjos metodológicos). Para reduzir os ruídos da oscilação, calculei uma média semanal na taxa de crescimento (pontos em azul escuro). Os resultados dessa análise (linha tracejada em azul escuro) são altamente significativos, indicando que a gradativa redução na taxa de crescimento não foi um simples acidente de amostragem. Observe que, com exceção do dia 19/6, os valores diários de β estão abaixo de 5% desde 6/6.

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Os resultados também sustentam a afirmação que fiz logo no início: alguma coisa estaria a refrear a disseminação da doença, puxando os valores de β para baixo.

O que seria esta alguma coisa? Tenho alguns palpites, mas não sei direito. Em todo caso, o propósito deste artigo não é explicar o que se passa.

Assim como em artigos anteriores (ver ‘A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado’, vol. 1 e vol. 2), a minha pretensão aqui é tão somente oferecer um instantâneo da situação.

Afinal, para descrever e entender um fenômeno tão dinâmico como um surto epidêmico (ou, digamos, o desempenho de um atleta em uma prova de 3.000 m com obstáculos), nós necessitamos de várias fotografias.

  1. Premissas e projeções.

Com base nos resultados acima, e repetindo o que fiz em ocasiões anteriores (ver ‘O país irá contabilizar entre 1,5 milhão e 2,2 milhões de casos até o fim de junho’ e outros artigos lá citados), ofereço a seguir algumas projeções a respeito do futuro imediato da pandemia.

Para isso, vou adotar duas premissas – ambas igualmente otimistas! – a respeito de dois parâmetros, a taxa de crescimento no número de novos casos e a taxa de letalidade.

A primeira premissa. Vou admitir que, nas próximas sete semanas (13/7-30/8), os valores de β seguirão declinando a uma razão de –0,3% por semana. (Foi mais ou menos este o declínio médio computado nas últimas semanas.) Os valores esperados para esta e para as próximas semanas seriam então os seguintes: 1,9% (13-19/7), 1,6% (20-26/7), 1,3% (27/7-2/8) e assim por diante, até chegarmos a 0,1% (24-30/8).

A segunda premissa. Nas próximas sete semanas (13/7-30/8), a taxa de letalidade (TL) seguirá uma trajetória igualmente declinante, mas a uma razão de –0,2% por semana. (É uma premissa algo arbitrária e mais otimista que a anterior, visto a TL não tem declinado de modo tão regular). Os valores esperados para esta e para as próximas semanas seriam então os seguintes: 2,6% (13-19/7), 2,4% (20-26/7), 2,2% (27/7-2/8) e assim por diante, até chegarmos a 1,4% (24-30/8) [4].

  1. Coda.

Pois bem. Levando em conta tais premissas, o total de casos no país deverá saltar de 1.864.681 (12/7) para 3.033.726 (30/8). O número correspondente de mortes, por sua vez, deverá saltar de 72.100 (12/7) para 105.094 (30/8) [5].

Se apenas β seguir declinando, e admitindo que a TL permaneça constante e igual a 2,8% (média da semana passada), o número de mortes chegaria a 112.159.

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Notas.

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço [email protected]. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] Levando em conta estes valores, a taxa de letalidade (TL = 100 x número de mortes / número de casos) seria de 3,9%. O que equivaleria a dizer que 39 de cada 1.000 indivíduos que contraem a Covid-19 morrem em decorrência da doença. Já computando as estatísticas de ontem (13), 20.286 casos e 733 mortes, os totais seriam 1.884.967 e 72.833, respectivamente.

[2] Mas não deixa de ser revoltante, pois tal redução poderia ter ocorrido antes – para detalhes, ver ‘Como e porque a maior parte da tragédia brasileira poderia ser evitada’.

[3] A taxa de crescimento não é uma constante, de sorte que o valor de β pode oscilar de um dia para o outro. Se a oscilação é de cima para baixo, dizemos que o parâmetro declinou; se é de baixo para cima, dizemos que o parâmetro escalou. Caso não haja oscilação ou caso a oscilação seja inexpressiva, rotulamos momentaneamente o valor de estacionário. Para exemplos de como calcular o valor de β, ver aqui ou aqui. Cabe ainda ressaltar o seguinte: o cálculo do valor de β independe do tamanho da população (ver a Fig. 2).

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FIGURA 2. O cálculo do valor de β independe do tamanho populacional. Suponha que um mesmo vírus esteja a provocar surtos epidêmicos em duas cidades, A e B. Imagine ainda que, ao longo de quatro dias (1, … 4), a taxa de crescimento diário no número de novos casos (β) seja a mesma nas duas cidades. Com uma taxa de crescimento diário de 100%, por exemplo, o número de casos dobra de um dia para o outro, tanto em A como em B. Mas a situação nas duas cidades difere da seguinte maneira: como os tamanhos populacionais são desiguais (o tamanho de A é duas vezes o de B), um mesmo número de casos (retângulos azuis e vermelhos) tem impactos desiguais nas duas populações – no dia 2, por exemplo, os indivíduos infectados correspondem a 10% da população de A, mas a 20% da de B.

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[4] A taxa de letalidade, ao contrário da taxa de crescimento, não pode cair indefinidamente. Em linhas gerais, a explicação seria a seguinte. Nem todo indivíduo infectado pelo vírus (SARS-CoV-2) desenvolve a doença (Covid-19), assim como nem todo indivíduo doente vem a óbito. Todavia, há uma probabilidade de que um indivíduo infectado venha a adoecer, assim como há uma probabilidade de que um indivíduo doente venha a falecer. Como essas duas probabilidades são diferentes de zero, haveria um piso mínimo para o valor da PL – o valor exato é ainda motivo de pesquisas e discussões, mas estaria a girar em torno de 1%.

[5] Detalhando minhas projeções para cada uma das próximas sete semanas (total de casos e número adicional de mortes): 2.127.276 e 6.827 (em 19/7), 2.377.277 e 6.000 (26/7), 2.602.231 e 4.949 (2/8), 2.789.944 e 3.754 (9/8), 2.929.556 e 2.513 (16/8), 3.012.575 e 1.328 (23/8) e 3.033.726 e 296 (30/8). Somando o número adicional de mortes previstas para as próximas sete semanas (32.994) ao número que alcançamos no domingo (72.100), chegamos a um total estimado de 105.094 mortes.

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2 Comentários

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  1. Nao entendi. Como um declínio de -0,2 é mais otimista que um de -0,3? A taxa nao estaria declinando menos, e portanto ficando menos baixa?

  2. Como engenheiro que trabalhei na área de modelação de fenômenos naturais por algumas décadas, aprendi algo valioso nessa área que qualquer simulação deve ser levada em conta, MODELOS MATEMÁTICOS DEVEM TER TRÊS FASES A CALIBRAÇÃO, A VERIFICAÇÃO E A VALIDAÇÃO. Sugiro que o autor leia um trabalho muito citado e bem curto que explica essas três fases (Verification, Validation, and Confirmation of Numerical Models in the Earth Science) é possível obter sem custos em https://www.researchgate.net/publication/6092073_Verification_Validation_and_Confirmation_of_Numerical_Models_in_the_Earth_Science, pois acho que o mesmo está caindo no erro exatamente na primeira fase. Sugiro também que leia um artigo também aberto ao público em geral sobre um modelo epidemiológico que foi testado em todas essas três fases para a transmissão do Ebola na África: Utilizing general human movement models to predict the spread of emerging infectious diseases in resource poor settings.
    Porque dessas sugestões, simplesmente porque no caso brasileiro está havendo uma segunda fase da epidemia que é a interiorização da doença, que por motivos óbvios não se transmite na mesma velocidade do que nos grandes centros, porém como ocorre em zonas com menores recursos e com um desconhecimento maior das pessoas será ainda mais mortal que nas zonas altamente povoadas. Também há o aumento dos óbitos nas periferias que nem estão sendo computados pois são mortes nas residências.

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