Um clássico sobre a saúde pública brasileira, por Luis Nassif

O livro “1967, um mergulho no Amazonas”, de Eduardo de Azeredo Costa é um clássico sobre a saúde pública brasileira. Da geração se sanitaristas que promoveu o maior feito brasileiro de políticas publicas, Eduardo traça um histórico precioso sobre o desenvolvimento do setor.

No próximo domingo o livro estará sendo lançado na Feira do Livro de Porto Alegre

Me deu a honra de escrever o prefácio.

Prefácio

A saúde pública brasileira escreveu um dos capítulos mais relevantes da história do país. A integração nacional, a conquista dos grotões, a construção da nacionalidade, o desenvolvimento da pesquisa médica, a indústria de vacinas, tudo isso faz parte de um acervo extraordinário, construído por gerações de sanitaristas.

Enfrentando um país continental, com populações dispersas, submetido a toda sorte de epidemias, de doenças tropicais às pestes do terceiro mundo, a saúde pública conquistou vitórias expressivas. Formou gerações de sanitaristas que ajudaram a desenvolver um dos mais ricos modelos de saúde do planeta, pesquisando vacinas, desenvolvendo ações que foram se consolidando ao longo das décadas até resultar no SUS (Sistema Único de Saúde).

O livro “Um Mergulho no Amazonas”, de Eduardo Azevedo Costa, é um documento precioso. Primeiro, pela descrição minuciosa do que encontrou e das formas como levava saúde às populações, sem recursos e sem sistemas de comunicação nos já longínquos anos 60.

Entra-se em um mundo mágico, rústico, insalubre, onde iam se moldando a força e o caráter das diversas populações amazônicas.

Embrenha, depois, pela história, pelas aventuras de Plácido de Castro e a conquista do Acre. Depois, pela Marcha para o Oeste, pelo Exército da Borracha. Junto com a descrição do dia a dia nos confins da pátria, o leitor vai recebendo pílulas de história enriquecendo e contextualizando o relato.

Mas a parte mais substanciosa do livro é quando Azevedo Costa mergulha na história do SESP (Serviço Especial de Saúde), criado em 1942 por Getúlio Vargas, no bojo das parcerias com os Estados Unidos na Segunda Guerra, que legaram a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce, e as bases de um sistema sanitário nacional.

A missão inicial do SESP foi sanear a Amazônia e a região do vale do Rio Doce, produtores de borracha e do minério de ferro, matérias primas estratégicas para o esforço de guerra norte-americano, e focos de malária e febre amarela.

Com os recursos recebidos, o SESP implantou e desenvolveu escolas de enfermagem no Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul, Goiás e Amazonas. Quando foi criado em 1952, o Ministério da Saúde teve no SESP sua espinha dorsal.

A partir dos anos 50 o SESP ampliou sua atuação, passando a estudar medicina tropical associado ao Instituto Evandro Chagas. Não apenas isso, desenvolvia estudos e assessoria aos municípios em diversas atividades, como assistência médica, educação sanitária, saneamento e controle de doenças transmissíveis.

Seus trabalhos foram essenciais para o grande desafio da universalização da saúde resultando em 1954, na criação da Escola Nacional da Saúde Pública, visando preparar pessoal para o setor.

Mais que isso, em 1950 Marcolino Candau foi trabalhar na Organização Mundial de Saúde (OMS), na John Hopkins. Sua formação maior foi na SESP. Em 1947 foi nomeado Superinetendente da SESP e em 1940, em parceria com Ernâni Braga, publicaria artigo histórico da revista da SESP.

Em 1952 tornou-se Diretor Adjunto da Oficina Sanitária Panamericana, com sede em Washington. E, em 1953, tornou-se Diretor Geral da OMS.

Seu mandato foi renovado por 20 anos. Nesse período, conseguiu livrar a OMS da polarização política da guerra fria, focando suas ações na saúde dos países mais pobres. Do Brasil, Marcolino levou as técnicas de controle das doenças transmissíveis, organizando campanhas históricas de erradicação da malária e da varíola. Foi o atestado de maioria da saúde pública brasileira.

Como relata Azevedo Costa, quando Candau assumiu, a OSM era um agrupamento ainda indefinido, de futuro incerto. Sua estratégia era vinculada aos cuidados primários de saúde em países pouco desenvolvidos.

Em 1960, a SESP foi transformada em Fundação, ainda vinculada ao Ministério da Saúde, passando a atuar em todas as unidades da federação. A partir de 1963, o DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra a Seca) assumiu as funções de saneamento e de construção de cisternas.

O SESP fechou em 1990, no movimento de criação do SUS, que levou ao fechamento do INAMPS, entre outros órgãos. A Nova Constituição e a aprovação da Lei Orgânica da Saúde, em 1990, regulamentou o SUS e julgou que não havia utilidade na manutenção da FSESP. Houve uma reforma administrativa que a fundiu com a SUCAM, passando ambas a integrar a Funasa (Fundação Nacional de Saúde).

A conclusão, de Eduardo Costa é que o Ministério da Saúde perdeu seu caráter inovador, porque não há inovação sem a prestação de serviços, diz Azevedo Costa.  A terceirização dos serviços de saúde significa uma fragmentação do público

Nos anos seguintes, os diversos programas de saneamento esbarraram na total falta de condições técnicas de desenvolver projetos de saneamento, por parte de municípios. E a ausência de médicos em municípios pequenos obrigou a programas tipo Mais Médicos, como maneira de corrigir a ausência do SESP.

Até ser extinto, a FSESP atuava na assistência à criança e à gestante, na vacinação, em programas de controle de doenças transmissíveis, como lepra e tuberculose, promovia o saneamento básico e a clínica geral de adultos., além da odontologia sanitária.

Segundo o relato de Azevedo Costa, havia um planejamento minucioso, com metas, supervisão e avaliação. Recorria-se a protocolos simples de atendimento e os procedimentos eram atualizados por informes periódicos, contendo informações clínicas sobre patologias.

O livro é uma obra essencial para se entender o avanço do sanitarismo nacional e para se perceber o quanto o país avançou, em cima de pequenas sementes plantadas em tempos remotos.

Luis Nassif

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  1. Uma catástrofe humanitária

    Cuba manda banana a Bolsonaro e abandona Mais Médicos

    20 mil colaboradores cubanos medicaram 113 milhões de pacientes
    Imprimirpublicado 14/11/2018Cubanos.jpg

    Mais de 700 municípios viram um médico pela primeira vez: era um cubano! (Reprodução: Cibercuba.com)

    O Conversa Afiada reproduz os termos do rompimento oficial do Ministério da Saúde Pública de Cuba com o bolsonarismo:

    O Ministério da Saúde Pública da República de Cuba, comprometido com os princípios solidários e humanistas que durante 55 anos têm guiado a cooperação médica cubana, participa desde seus começos, em agosto de 2013, no Programa Mais Médicos para o Brasil. A iniciativa de Dilma Rousseff, nessa altura presidenta da República Federativa do Brasil, tinha o nobre propósito de garantir a atenção médica à maior quantidade da população brasileira, em correspondência com o princípio de cobertura sanitária universal promovido pela Organização Mundial da Saúde. 

    Este programa previu a presença de médicos brasileiros e estrangeiros para trabalhar em zonas pobres e longínquas desse país. 

    A participação cubana nele é levada a cabo por intermédio da Organização Pan-americana da Saúde e se tem caracterizado por ocupar vagas não cobertas por médicos brasileiros nem de outras nacionalidades. 

    Nestes cinco anos de trabalho, perto de 20 mil colaboradores cubanos ofereceram atenção médica a 113 milhões 359 mil pacientes, em mais de 3 mil 600 municípios, conseguindo atender eles um universo de até 60 milhões de brasileiros na altura em que constituíam 88 % de todos os médicos participantes no programa. Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história. 

    O trabalho dos médicos cubanos em lugares de pobreza extrema, em favelas do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador de Baía, nos 34 Distritos Especiais Indígenas, sobretudo na Amazônia, foi amplamente reconhecida pelos governos federal, estaduais e municipais desse país e por sua população, que lhe outorgou 95% de aceitação, segundo o estudo encarregado pelo Ministério da Saúde do Brasil à Universidade Federal de Minas Gerais. 

    Em 27 de setembro de 2016 o Ministério da Saúde Pública, em declaração oficial, informou próximo da data de vencimento do convênio e em meio dos acontecimentos relacionados com o golpe de estado legislativo-judicial contra a Presidenta Dilma Rousseff que Cuba “continuará participando no acordo com a Organização Pan-americana da Saúde para a implementação do Programa Mais Médicos, enquanto sejam mantidas as garantias oferecidas pelas autoridades locais”, o que até o momento foi respeitado. 

    O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, fazendo referências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos, declarou e reiterou que modificará termos e condições do Programa Mais Médicos, com desrespeito à Organização Pan-americana da Saúde e ao conveniado por ela com Cuba, ao pôr em dúvida a preparação de nossos médicos e condicionar sua permanência no programa a revalidação do título e como única via a contratação individual. 

    As mudanças anunciadas impõem condições inaceitáveis que não cumprem com as garantias acordadas desde o início do Programa, as quais foram ratificadas no ano 2016 com a renegociação do Termo de Cooperação entre a Organização Pan-americana da Saúde e o Ministério da Saúde da República de Cuba. Estas condições inadmissíveis fazem com que seja impossível manter a presença de profissionais cubanos no Programa. Por conseguinte, perante esta lamentável realidade, o Ministério da Saúde Pública de Cuba decidiu interromper sua participação no Programa Mais Médicos e foi assim que informou a Diretora da Organização Pan-americana da Saúde e os líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam esta iniciativa. 

    Não aceitamos que se ponham em dúvida a dignidade, o profissionalismo, e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio de seus familiares, prestam serviço atualmente em 67 países. Em 55 anos já foram cumpridas 600 mil missões internacionalistas em 164 nações, nas quais participaram mais de 400 mil trabalhadores da saúde, que em não poucos casos cumpriram esta honrosa missão mais de uma vez. Destacam as façanhas de luta contra o ébola na África, a cegueira na América Latina e o Caribe, a cólera no Haiti e a participação de 26 brigadas do Contingente Internacional de Médicos Especializados em Desastres e Grandes Epidemias “Henry Reeve” no Paquistão, Indonésia, México, Equador, Peru, Chile e Venezuela, entre outros países. 

    Na grande maioria das missões cumpridas, as despesas foram assumidas pelo governo cubano. Igualmente, em Cuba formaram-se de maneira gratuita 35 mil 613 profissionais da saúde de 138 países, como expressão de nossa vocação solidária e internacionalista. 

    Em todo momento aos colaborados foi-lhes conservado seu postos de trabalho e o 100 por cento de seu ordenado em Cuba, com todas as garantias de trabalho e sociais, mesmo como os restantes trabalhadores do Sistema Nacional da Saúde. 

    A experiência do Programa Mais Médicos para o Brasil e a participação cubana no mesmo, demonstra que sim pode ser estruturado um programa de cooperação Sul-Sul sob o auspício da Organização Pan-americana da Saúde, para impulsionar suas metas em nossa região. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Organização Mundial da Saúde qualificam-no como o principal exemplo de boas práticas em cooperação triangular e a implementação da Agenda 2030 com seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. 

    Os povos da Nossa América e os restantes do mundo bem sabem que sempre poderão contar com a vocação humanista e solidária de nossos profissionais. 

    O povo brasileiro, que fez com que o Programa Mais Médicos fosse uma conquista social, que desde o primeiro momento confiou nos médicos cubanos, aprecia suas virtudes e agradece o respeito, a sensibilidade e o profissionalismo com que foram atendidos, poderá compreender sobre quem cai a responsabilidade de que nossos médicos não possam continuar oferecendo sua ajuda solidária nesse país. 

    Havana, 14 de novembro de 2018.

     

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