O povo quer as milícias no poder?, por Paulo Henrique Fernandes Silveira

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O povo quer as milícias no poder?

por Paulo Henrique Fernandes Silveira

Num dos últimos comícios de Fernando Haddad, no segundo turno das eleições, no palco erguido em frente aos Arcos da Lapa, convidado para participar do evento, o rapper Mano Brown entoou a seguinte crítica: “Deixou de entender o povão, já era. Se é Partido dos Trabalhadores, tem que entender o que o povo quer. Se não sabe, volta pra base e vai procurar entender”. Em entrevistas divulgadas no youtube, Brown afirma que a esquerda não deu a devida atenção à demanda popular por segurança.

Além do candidato de ultradireita que venceu a eleição presidencial, os governadores eleitos em inúmeros Estados, como os de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, sustentaram o mesmo “discurso do extermínio”, prometendo que suas polícias atirariam nos bandidos para matar. Segundo o cientista político Benoni Belli, uma grande parte da sociedade defende que a solução final, a aniquilação dos criminosos, é o único recurso eficaz contra o crescimento da criminalidade.    

Em suas pesquisas, a socióloga Angelina Peralva ressalta que a violência no Brasil se acentuou no período pós-ditatorial. Com o advento da democracia, os índices de criminalidade aumentam e a violência se diversifica. Nos anos 80 e 90, o país registra uma série de chacinas e massacres. Em larga medida, o Estado é o responsável direto por essa situação, assumindo uma diretriz extremamente violenta ou perdendo o controle hierárquico sobre as bases da segurança pública.

Não foi a democracia, propriamente, que provocou o aumento da criminalidade     e da violência. Ao contrário, para Peralva, esse fenômeno tem como causa principal a crescente ausência do Estado Democrático de Direito, especialmente, nas periferias e nas comunidades mais carentes das grandes cidades. Para a socióloga, a população pobre vive num “déficit de Estado”, ou seja, déficit de um aparelho policial e judiciário modernos e eficazes. Além da violência policial “oficial”, nesses lugares, desenvolve-se uma espécie de privatização da profissão, transformando muitos agentes policiais em “portadores da morte”.

Há muito tempo, o “déficit de Estado” faz parte da realidade das favelas e comunidades do Rio de Janeiro. Os sociólogos Filippina Chinelli e Luiz Antônio Machado da Silva argumentam que um “vazio da ordem” está por trás da tolerância do Estado com relação à prática ilegal do jogo de bicho. Para os sociólogos, é justamente nas favelas e nas comunidades carentes que os grandes banqueiros do jogo do bicho organizam sua estrutura de poder. Além de financiarem as escolas de samba, eles promovem atividades assistencialistas. Desse modo, esses banqueiros ganham o respeito dos moradores das comunidades e dos políticos que precisam dos seus votos.

Nas últimas décadas, esse espaço tem sido dividido com as mais diversas facções do crime organizado e com as milícias. A estrutura de poder formada pelos banqueiros do jogo do bicho continua funcionando. O Estado, representado pela polícia, políticos e judiciário, parece respeitar esse “vazio da ordem”. Além de manterem as práticas assistencialistas criadas pelo jogo do bicho, as facções e as milícias privatizaram os serviços de segurança nas comunidades.

Num conjunto de reportagens publicado em 16 de dezembro de 2006, a FOLHA DE SÃO PAULO mostra que as milícias do Rio de Janeiro impõem o terror aos moradores das comunidades. Por outro lado, algumas milícias prometem a mesma segurança dos condomínios. Suas atividades parecem ter o aval dos agentes policiais que atuam nas comunidades. Entrevistada pelo jornal, a antropóloga Jacquelina Muniz afirma que o vigilantismo miliciano é o sinal da falência da segurança pública.   

Com todos esses dados, por que milhões de brasileiros votaram em policiais, políticos e juízes que sustentam o “discurso do extermínio”? O “déficit de Estado” gera um sentimento de insegurança. Pior ainda, a conivência ou a participação dos agentes públicos em crimes e práticas arbitrárias e violentas criam um sentimento de desamparo. Em maior ou menor grau, o “déficit de Estado” se espalhou por todas as regiões das grandes cidades. A defesa da solução final, da aniquilação dos criminosos ou de quem quer que possa se opor a mim, parece ser, ao mesmo tempo, a consequência e a aceitação desse “déficit de Estado”.   

Paulo Henrique Fernandes Silveira – FEUSP

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. Esta foi a fórmula da eleição de Bolsonaro

    A questão da insegurança, largamente ignorada pelo PT, foi a verdadeira causa da virada do eleitorado em favor de Bolsonaro. O resto é teoria conspiratória. Acossados pelo crime e pela imoralidade, os moradores da periferia correm para os pastores evangélicos e para os candidatos que prometem meter bala nos bandidos.

    O crime já vinha em ascenção durante o regime de 1964, mas não foi objeto de preocupação dos militrares, que estavam voltados contra os subversivos. Não sendo considerado questão de segurança nacional, o crime comum foi deixado sob a alçada das polícias militares estaduais. É certo que o regime colocou formalmente essas polícias militares sob a égide das Forças Armadas, mas o arranjo tinha como objetivo alocar as polícias como auxiliares no combate à guerrilha, e não alocar o exército como auxiliar no combate aos bandidos comuns. A repressão ao crime comum continuou sendo feita com aquela mistura de truculência e incompetência própria dos regimes totalitários.

    Mas o grande divisor de águas foi quando Leonel Brizola, eleito governador, proibiu a polícia de subir aos morros. O resultado todos sabem: os traficantes passaram a dominar as favelas, divididos em facções. Antes armados só de tresoitão e escondidos em bocas de fumo, eles passaram a ter armas de guerra mais modernas que as da polícia, e a dominar amplas áreas, aterrorizando os moradores, que começaram a contratar milícias para se defenderem. Quando essas milícias se fortaleceram, a contribuição voluntária tornou-se extorsão. Foi também Brizola quem pela primeia vez declarou formalmente que não ia reprimir o jogo do bicho. Quem não se lembra daquela frase de Saturnino Braga, quando candidato a prefeito, “prefiro ter o voto dos bicheiros ao voto ds elites?” Para ele, os milionários banqueiros do bicho não eram membros da elite, eram “do povo”… Enfim, a ideia era essa: tudo o que vinha “do povo”, era bom, mesmo que fossem contraventores e bandidos. Malvada era a elite, fosse lá o que fosse essa tal de elite.

    Por que o PT, tendo chegado ao poder, ignorou tão ostensivamente essa questão crucial da segurança, prioridade número um do povo das periferias? Cabe aos petistas responderem, mas a meu ver isso foi consequência do cacoete da abordagem marxista, que não enxerga o indivíduo, apenas a classe. Como tanto os trabalhadores quanto os marginais provem da mesma classe social, então eles são iguais e contituem o público que o PT almeja obter, e portanto, não se pode reprimi-los. A realidade é bem outra: na mentalidade do povão, “trabalhador” e “vagabundo” formam categorias antagônicas e distintas. Obrigado a conviver com os “vagabundos”, já que não têm condições de se mudarem para áreas mais seguras, os trabalhadores sofrem diariamente a opressão dos bandidos, e os odeiam sinceramente. Bolsonaro soube capitalizar esse ódio ao “vagabundo”. O PT escolheu o ouro lado.

     

  2. Claro que não

    E me desculpe o Mano Brown, mas o povo votou no Bozo porque houve um golpe de estado que impediu o Lula, preferido do povo, de se candidatar, ao arrepio do estado de direito e com o uso de fraudes abundantes e variadas, incluindo farta distribuição de fakes via aplicativos financiados com caixa dois.

    FORA BOZO!

    LULA LIVRE!

  3. De olho no espelho…
    Quem não entendeu a linguagem da política foi a periferia..
    Agora, terá que dividir o ônus da escolha realizada!
    Como diz na letra de ” um homem na estrada”: um abraço, já era!!

  4. A criminalidade no Rio

    Tenho 53 anos e ainda aos 13 , final dos anos 70,  via a atuacao de grupos de exterminio pelos jornais que se fossem expremidos saiam sangue. Na epoca saia no jornal fotos de gente abatida por um suposto “mao branca”. Atualmente nao entendo como um “ze ruela” que nao tem onde cair morto tem acesso a uma arma que custa o preco de um carro popular zero. Prendem alguns intermediarios, mas parece que o negocio continua forte e lucrativo, assim como as drogas.

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