Intervenção é luta das ruas e não do Judiciário, diz constitucionalista

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Publicado originalmente 19/02 às 20:00 e atualizado 20/02 às 11:00
 
 
Jornal GGN – O decreto de intervenção federal do presidente Michel Temer, destituindo a autonomia de poder do governo estadual sobre a Segurança Pública no Rio de Janeiro para a figura de um militar no comando, é constitucional. E entrar na Justiça seria perda de tempo. A briga terá que ser política e nas ruas. 
 
Essa é a visão do professor doutor na Universidade de Brasília (UnB), Marcelo Neves. Em entrevista ao GGN, o constitucionalista explicou por que os argumentos jurídicos não servem para barrar a medida polêmica do mandatário e considerando que, hoje e para casos como este, o campo do Judiciário é batalha perdida.
 
Frisou que a Constituição prevê a decisão de Michel Temer, independente de ser ela efetiva ou não. Por isso, a discussão estaria em outro patamar: até que ponto a militarização e a centralização de competências estaduais ao federal valem a pena, com o risco de a intervenção se repetir para outros Estados e situações, e a ameaça de ultrapassar garantias do estado de direito.
 
Acompanhe a entrevista:
 
GGN: Antes de mais nada, sob o aspecto de autonomia federativa e a militarização da Segurança, o decreto de intervenção federal no Rio de Janeiro é constitucional?
 

MARCELO NEVES: A Constituição prevê a intervenção, mesmo que parcial. É possível intervir para tirar um governador e colocar um interventor, como também pode ser uma intervenção parcial, como ocorreu neste caso. Eu não vejo inconstitucionalidade que possa impedir a intervenção. Alguns dizem que por ser um militar na execução, ela seria inconstitucional, mas me parece que o problema central não é esse. 

A questão é saber se é adequado o interventor [Walter Braga Netto] ser um General do Exército, que não é preparado para a segurança pública. Esse é o problema. Pode ser algo ineficiente. E, politicamente, penso que a indicação de um General do Exército é negativa porque militariza a questão da segurança pública. Então, para mim, esse é o aspecto negativo: a escolha de uma pessoa que não é formada, não é tarjada, não é orientada para a segurança pública, e sim para a guerra.

Quem mais sofrerá nesse contexto serão as camadas mais pobre do Rio de Janeiro, porque, em relação a elas, pode prevalecer a violência sem os critérios do Estado de Direito. É altamente provável que, na execução das medidas interventivas, haja a possibilidade de ilegalidades, de se fugir do controle jurídico. Então, realmente poderá ser desastroso.

A experiência com a presença militar no Rio de Janeiro tem sido negativa no que se refere às garantias constitucionais. Mesmo em 1992 [á época, o Comando Militar do Leste foi convocado para garantir a segurança de chefes de Estado estrangeiros e integrantes da Rio-92], quando não houve uma intervenção, mas apenas uma presença do Exército para proteger um encontro mundial que estava ocorrendo no Brasil, houve muita arbitrariedade, muitas práticas que iam além dos critérios do Estado de Direito. E essas práticas arbitrárias atingiram a população mais pobre. Grande parte dela não tem nada a ver com essa criminalidade. 

GGN: Mas seria inconstitucional, considerando, por exemplo, o artigo 1º do decreto, que traz uma brecha ao afirmar que o cargo do interventor é de “natureza militar”? Alguns juristas afirmam que nada impede que um militar assuma o cargo de interventor, mas estaria ocupando por natureza civil e que seria inconstitucional trazer esse teor de natureza militar. 
 

MARCELO NEVES: Esse detalhe levanta a questão de inconstitucionalidade e é provável que ela possa ser arguida com base nesse argumento. Mas levaria apenas à declaração da inconstitucionalidade parcial do decreto. O Supremo poderia decidir que não vale essa parte do decreto, mas não a sua totalidade. Penso, porém, que se juridicializarmos muito essas questões, ficaremos nas mãos de um poder Judiciário que é totalmente parcial, sem nenhuma consistência. Essa insistência na excessiva judicialização da luta política, especialmente entre setores de esquerda, parece-me problemática e contraditória.

Penso que o questionamento deve ser muito mais no sentido de apontar para o problema político, a fragilidade desse governo, a sua tentativa de se legitimar perante a população. Essa atitude do governo é um tipo de estratégia que conta com apoio das grandes organizações midiáticas. Há informações de que, no ano passado, a violência no carnaval foi maior do que esse ano. Por exemplo, o fato de Sergipe ter quase o dobro de homicídios do que o Rio de Janeiro é deixado na penumbra pelos poderosos meios de comunicação de massa. 

A construção midiática do caos também é um elemento usado pelo governo para recuperar uma certa base de apoio e de respeitabilidade popular, que lhe faltam atualmente. Parece-me ser um mecanismo político destinado a encontrar substitutos para a falta de legitimidade democrática. Por tudo isso, penso que é pouco provável que essa intervenção tenha um efeito prático relevante. Além do mais, a militarização é muito negativa, independentemente dos aspectos jurídicos que estão sendo levantados.

GGN: Uma intervenção federal permite a expansão do prazo estabelecido pelo decreto, que seria até dezembro de 2018? Existe a possibilidade desse tempo ser aumentado?
 

MARCELO NEVES: Pode, com o apoio do Congresso. Em tese, se a situação não se modifica e se entende que não está havendo mudanças, o presidente  [Temer] poderia prorrogar a intervenção, assim como ele pode cessá-la por entender que as circunstâncias que a justificaram foram superadas.

A intervenção, em princípio, é uma situação em que não há quebra das garantias constitucionais. É menos grave do que o Estado de Sítio ou o Estado de Defesa. Ao contrário desses mecanismos constitucionais de defesa do Estado, a intervenção não leva à suspensão de garantias constitucionais, como a liberdade de ir e vir, a proibição de censura das correspondências, a inviolabilidade da casa etc.

A questão que me parece deva ser levantada, no meu entender, diz respeito à dimensão política e à eficiência da intervenção. Por que um militar que não tem formação em segurança pública foi indicado? Há outros detalhes de natureza jurídico-constitucional. Por exemplo, como ele [interventor], assumindo como militar, fica protegido pela Justiça Militar, haveria uma certa proteção excepcional injustificável para quem exerce amplos poderes de natureza civil.

Mas me parece que essa questão jurídico-constitucional, embora possa ter um significado prático [na tentativa de anular o decreto judicialmente], é muito aberta. O espaço do poder do presidente, em caso de intervenção, é muito amplo. A Constituição dá muitos poderes a ele nessa área. Por isso, seria muito pouco provável conseguir uma declaração de inconstitucionalidade total do decreto. Seria viável apenas uma declaração de inconstitucionalidade parcial.

Se eu apontasse para uma inconstitucionalidade seria a do próprio impeachment, a destituição inconstitucional da Presidenta Dilma Rousseff. Mas é praticamente impossível que o politicamente cambaleante STF volte atrás nessa questão.

GGN: Esse movimento da implementação das Forças Armadas e polícias militares para realizar a Segurança Pública no Rio de Janeiro é uma continuidade do que já vinha sendo feito pelo presidente, que anteriormente implementou a Garantia da Lei e da Ordem, que estabeleceu também o emprego de militares nas ruas do Rio, além de outros casos que denominou de exceção, por determinado evento. 
 

MARCELO NEVES: O decreto é mais drástico, porque na forma da GLO, a presença militar se faz em parceria com o Estado. O secretário de Segurança Pública é que tem o poder de decisão local, sendo os militares seus parceiros de trabalho. No caso da presente intervenção, o governo do Estado do Rio é deixado de lado, perde realmente qualquer possibilidade de decidir na área de segurança pública. Nesse sentido, é diferente.

É preocupante. A indicação de um militar que tem uma postura alta dentro das Forças Armadas e não versado para aquele tipo de atividade deve desapontar não só especialistas em segurança pública, mas também as forças democráticas do país.

GGN: Falando de consequências. Apesar de a priori a medida não ter sido considerada inconstitucional, como consequência a intervenção poderia gerar exemplo de política de governo para ser empregada em outras situações e em outros estados do Brasil, por somente considerar níveis de violência? E pode, ainda, fugir do controle jurídico, e aos poucos avançar contra garantias do estado de direito?
 

MARCELO NEVES: Como disse, pode ter consequências desastrosas já na execução das medidas interventivas no Rio de Janeiro. É provável que ocorram medidas ofensivas às garantias do Estado de Direito. E, na onda conservadora, pode evidentemente, em face dessa intervenção, haver apoio para outras, considerando a situação desastrosa dos estados em matéria de segurança pública. Esse modelo pode se repetir em outros Estados. 

E aí passa a ficar ainda mais problemático. As intervenções federais, no período da Primeira República, eram permanentes, regulares. Rui Barbosa criticava-as muito em seus escritos e discursos. Afirmava que era ilegítimo, em um regime federativo, que a União, a todo e qualquer momento, decretasse intervenções nos estados. Se chegarmos a esse cenário, intervenção atrás de intervenção, vamos ter tendências à fortificação do poder central, ao desrespeito do princípio federativo e também, por se tratar de intervenção de base militar, a um risco para a garantia do Estado de Direito

Esse tipo de medida excepcional de segurança pública normalmente cai por cima das parcelas mais carentes da população. Observe-se que, de acordo com o nosso histórico de uma sociedade altamente desigualitária, o Brasil se encontra no topo do Relatório coordenado por [Thomas] Piketty [economista que comanda estudo reconhecido por taxação de mais ricos e desigualdades] sobre a desigualdade no mundo. O Relatório aponta que o Brasil, em relação ao 1% mais rico da população, é o país mais desigualitário do mundo. Isso implica que, em uma estrutura social tão desigualitária, uma intervenção desse tipo atinge os setores sociais mais carentes, que andam de ônibus, a pé à noite, saem cedo e chegam tarde do trabalho, ou vivem na rua sem trabalho formal. Essas pessoas é que sofrerão as consequências negativas da intervenção.

Cabe lembrar que a chamada criminalidade organizada só passa a ser considerada digna de intervenção quando passa afetar a classe média e a classe alta, mas a repressão vem contra os mais fracos na estrutura social.

GGN: Ou seja, um cenário diferente depende de mobilização pública, movimentos sociais e pouco o Judiciário poderia fazer neste momento, atentos somente a possíveis consequências desse decreto, caso se ultrapasse limites estabelecidos pela nossa Constituição.
 

MARCELO NEVES: É importante a mobilização dos movimentos populares. Precisam ficar alertas, preparar-se para a defesa. Essa postura já está havendo por parte de grupos de movimentos sociais no Rio de Janeiro. Os partidos políticos críticos também devem estar atentos para o esclarecimento da população. Entendo que a luta é muito mais política, já que a questão jurídica terá efeito menor. O seu lugar é antes na rua do que nas Cortes.

Embora eu seja da área de Direito, percebo, como já adiantei, que ultimamente há um excesso de judicialização, mas ela geralmente está sendo negativa para aquelas fatias sociais mais fracas, atuando em beneficio dos mais ricos e poderosos. Nesse contexto, eu não aposto na judicialização, acredito no preparo da população, com denúncias e ações. Também a presença da mídia alternativa é importante, pois pode denunciar constantemente os abusos, contribuindo para desmascarar a aparente seriedade dessa intervenção. 

 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

8 Comentários

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  1. Suspeição coletiva é crime

    Punição coletiva é tipificada na convenção de Genebra como CRIME DE GUERRA.

    Mandado de busca só se justifica com suspeita de crime sobre algum morador do domicílio.

    Mandado de busca genérico, para ruas ou bairros inteiros, equivale a suspeição coletiva.

    Estamos a um passo do nazismo, quando coletividades inteiras eram executadas a título de punição por atos isolados cometidos pelos partisans contra soldados nazistas, o que ocorreu em toda a Europa durante a Segunda Guerra Mundial.

    Teremos agora coletividades inteiras postas sob suspeita por atos isolados cometidos por moleques de favelas contra madames da Zona Sul carioca.

     

    1. Favelado acha normal fazer gatos, roubar, trabalhar para bandido

      “Cidadania X Favelania
      Pedro Mundim 10/05/2011 12:57
       [email protected]
       http://www.pedromundim.net

      “…educação, dignidade, emprego e um ambiente no qual a liberdade seja garantida pela cidadania…”

      Mas para isso os favelados teriam que se converter em cidadãos de classe média, que conhecem e respeitam a lei porque a lei está coerente com seus princípios e valores. Nem vou lembrar que não existe fórmula mágica para converter milhões de miseráveis em cidadãos com empregos estáveis ganhando 3, 4, 5 mil por mês. Prefiro apontar uma contradição de termos: para fazer isso, o favelado teria que deixar de ser favelado. A favela teria que desaparecer. Então, você não está propondo uma solução para o problema, está apenas dizendo que se o problema não existisse, ele já estaria resolvido.

      O favelado não respeita a lei porque a lei não corresponde a seus princípios e valores: ele acha normal fazer gatos, roubar, trabalhar para bandidos, fazer filho com 12 anos de idade, etc. Por isso a polícia precisa estar presente. Mas ao referir-se a uma tal de Favelania, em lugar de Cidadania, (sem entrar em detalhes do seria a tal Favelania), a impressão que eu tenho que você quer é dar uma chancela para esse modo de ser fora-da-lei caraterístico do favelado, criar uma “zona liberada” nas favelas onde vigorariam as leis dos favelados, seria assim como um país independente. É por aí?”

       

      Como visto acima, os mandados coletivos se justificam no caso dos Favelados, pois, segundo o Pedro Mundim, o favelado não respeita a lei.

  2. Os Militares foram rebaixados à Meganhas!

    É muito triste ver o que essa quadrilha que deu o golpe está fazendo com o nosso País, sem poupar até os Militares, que nesse momento estão sendo rebaixados de sua nobre função de Segurança Nacional, para à peba função de Meganha(!), que é agora, sevir para fins políticos.

    Para quem não sabe, Meganha é um Militar rebaixado de sua nobre função de Segurança Nacional, para servir à fins meramente políticos. O Meganha é um profissional que fica entre o Militar de carreira e o Mercenário!

    Tudo isso apenas por que a direita Brasileira é incompetente e não consegue ganhar eleições(!), afinal quem é que vota em um entreguista e traidor mais baixo que o Judas iscariotes?

  3. Barganha entre bandidos

    Com a retirada pelo “governo” golpista do projeto de reforma da Previdência, o que foi um alívio para os deputados em ano eleitoral, em troca os deputados (que impediram ilegalmente a Presidente Dilma) aprovarão a intervenção militar. Acredito que foi um acordo entre os gângsteres MT e Botafogo.

  4. O tiro disparado pelos Gorilas vai sair pela culatra

    Tiro pela culatra dos milicos
    Mirinho 24/05/2005 05:07

    Tô com o Pedro, integralmente.

    Militar só serve pra sugar dinheiro público e promover golpezinhos de merda, por falta do que fazer. Vida na caserna deve ser mesmo uma coisa enriquecedora: Lustrar botina, fazer ordem unida, hastear bandeira, fazer exercício,limpar alojamento, desmontar e montar armas, correr, pular, sentinela, meia volta volver, aula de educação física, aula de “planejamento tático” para uma guerra nuclear e outras piadas; puxar o saco do sargento; aulas sobre intimidação dos paisanos; como dirigir um brucutu e simulação de guerras que jamais existirão. Já imaginaram as forças armadas tupiniquins enfrentando uma invasão de mísseis americanos ou tropas chinesas? Ía ser uma rendição incondicional antes de iniciada a guerra.

    Basta! Não quero mais que meus impostos sirvam pra bancar a boa vida dessa cambada de inúteis e suas famílias.

    Vejam que interessante resultado: os milicos foram contratados pelos empresários, banqueiros e políticos para dar o golpe no Brasil há malfadados 40 anos. Entre outras coisas indecentes, sujeitos criminosos como o Coronel Passarinho e seus cúmplices destruíram o ensino público de qualidade, sempre a mando de seus “benfeitores” da iniciativa privada.
    Agora, como o plano deu certo, a população, com exceção de algumas viúvas carpideiras dos abacates, nem sequer sabe o que são as tais forças armadas!

    Não é uma beleza?
    Felizmente não teremos nunca mais um golpe semelhante no Brasil, porque seria abortado no nascedouro. Afinal, quem vai seguir ordens de uma entidade desconhecida? Saiu-lhes o tiro pela culatra!!!!

    Viva os Companheiros mortos na Guerrilha do Araguaia!

    Abaixo as direitonas estúpidas e assassinas. Que não botem as manguinhas de fora de novo porque desta vez o povo não está pra brincadeira. Vai ter militar borrando a farda quando enxergar a multidão que tem pela frente. Agora os golpistas não terão mais pela frente apenas os pobres estudantes, intelectuais, artistas e jornalistas, fáceis de assassinar.

    O “inimigo” dos milicos golpistas e lacaios dos EUA agora ganhou nova cara. É o povo todo, faminto e de saco cheio. Não vai sobrar pedra sobre pedra.

    As direitas golpistas que permaneçam em seu pântano doméstico, cochilando em seus pijamas malcheirosos e não pensem em tumultuar. Deixem em paz quem trabalha e dá duro pra sustentar a família, em vez que ganhar soldo pra ficar à toa na vida. Vão lustrar botina que é o máximo que seus “cérebros” permitem. E olha lá!

    hahahahahahaah

    Comentários do saudoso CMI.

  5. A T E N Ç Ã O!
    .
    LIBERADA

    A T E N Ç Ã O!

    .

    LIBERADA TEMPORADA DE CAÇA: 

    POLÍTICO DO PT

    PRETO

    POBRE

    PUTA

    ah, contribuinte da PREVIDÊNCIA também.

    .

     

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