Em busca de verdadeiras novidades no mundo do trabalho, por Renata Dutra

Vitor Filgueiras, em seu novo livro (“É tudo novo, de novo?”, editado pela Boitempo), contribui para uma significativa organização do debate.

do Trabalho e Reforma Trabalhista

Em busca de verdadeiras novidades no mundo do trabalho

por Renata Dutra[1]

Em uma sociedade na qual a circulação de informações é cada vez mais veloz e o consumo e o compartilhamento de conteúdo se torna mercadoria, com uma demanda constante para que as pessoas estejam informadas e atualizadas, seja a respeito das novidades que interessam à sociedade como um todo, seja a respeito dos seus respectivos campos de conhecimento profissional, nunca foi tão importante a capacidade de selecionar, refletir e organizar o fluxo incessante de “novidades”.

As questões centrais para a sociedade encontram-se imersas nesse fluxo contínuo de postagens curtas nas redes sociais, mensagens, matérias jornalísticas, artigos, publicações em geral, e o trabalho, sem nos surpreender, aparece insistentemente nesse conjunto disperso, por vezes contraditório, mas nunca desinteressado de comunicações.

Sejam percepções sobre as transformações tecnológicas no mundo do trabalho, sobre transformações econômicas, formas de regulação jurídica e estratégias que aliem o funcionamento dos mercados às demandas individuais de rendimento e inserção, em diferentes níveis de informação e de debate, o tema do trabalho se faz presente. Dificilmente escapa de uma mesa de bar, de uma discussão política e, sobretudo, das discussões que ocupam os agentes de regulação do trabalho (como juízes, advogados, procuradores, auditores fiscais, servidores da justiça do trabalho e do INSS, entre outros), para além de suas respectivas atuações “técnicas”, mas repercutindo profundamente nas escolhas nelas imbuídas.

Conhecedor das retóricas circundantes nesses variados espaços, desde aquelas proferidas por trabalhadores e trabalhadoras em seus cotidianos, até aqueles que permeiam espaços de poder e de uma certa intelectualidade, Vitor Filgueiras, em seu novo livro (“É tudo novo, de novo?”, editado pela Boitempo), contribui, no mínimo, para uma significativa organização do debate.

O autor desmistifica os sentidos das denominadas “novidades” relacionadas ao mundo do trabalho – o que faz por meio da demonstração empírica de que o discurso da novidade tem sido reiteradamente manejado, no interesse do capital, pra turbar ou desconstituir a regulação protetiva do trabalho, de forma escamoteada e ardilosa – após um mergulho nos resultados de 15 anos de pesquisa empírica.

A partir desse farto material, demonstra que os discursos sobre transformações radicais, definitivas e inexoráveis no mundo do trabalho já foi levantado em outros momentos históricos para tensionar o debate político e regulatório no sentido de modelos menos protetivos e mais exploratórios de regulação do trabalho – sem produzir, obviamente, os resultados prometidos.

Comparando as experiências, o autor observa que, no momento presente, as narrativas sobre o trabalho digital, a gestão por meio de algoritmos e a indústria 4.0 não se constituem como um quadro inarredável de condições que se contrapõem às conquistas históricas dos trabalhadores e aos pactos políticos mínimos com os quais se comprometeram os países democráticos. Pelo contrário, apresentam-se como um suposto argumentativo da defesa de um projeto político de mercadorização, superexploração e desresponsabilização do capital pelo trabalho. Essa construção discursiva se faz, notadamente, por meio das novas insígnias do trabalho em plataformas e do neoempreendedorismo, e com importante descolamento das condições concretas experienciadas no mundo do trabalho.

Vitor nos mostra, por meio de um paralelismo pedagógico entre as experiências comparadas no seu livro, que a velha exploração do trabalho, sem peias e sem concessões, tem sido requentada por meio de uma sofisticada narrativa em que a afirmação de premissas supostamente inovadoras nos conduz ao regresso da proteção social sem muitos questionamentos.

Mais que isso, o autor aponta que essa narrativa ardilosa, que se alia eficientemente ao repertório neoliberal, tem encurtado as possibilidades e horizontes de contraponto do campo crítico. O campo político e teórico daqueles e daquelas se engajam em defesa do trabalho, por vezes embebido em parte desse discurso, consente, senão de imediato, com a voracidade da agenda proposta, ao menos com sucessivos e rebaixados “meios-termos”, que engendram o desmantelamento progressivo da proteção ao trabalho.

Em um momento de importantes transformações na regulação do trabalho do país, que tem se desdobrado em minirreformas que sucedem diuturnamente a reforma trabalhista de 2017, e que é agravado pelas novas questões e aprofundamentos colocados em cena pela pandemia da COVID-19, organizar as condições para o debate, testando e confrontando teórica e empiricamente as premissas que o orientam, é uma contribuição fundamental.

Mais que isso, em um ano eleitoral como o de 2022, em que não apenas discutimos a sucessão presidencial, mas sobretudo as possibilidades de pôr fim e pensar alternativas à barbárie política e econômica vivenciada pelo povo brasileiro na última quadra, compreender as dimensões e implicações das narrativas mais banais sobre trabalho, economia e direitos no nosso país, valendo-se da narrativa fluída e recheada de ilustrações do real que Vitor Filgueiras nos oferece, me parece uma recomendação importante para estudantes, pesquisadores, agentes políticos e demais interessados nas centrais dinâmicas sobre o trabalho.


[1] Professora de Direito do Trabalho da Universidade de Brasília. Presidente da ABET (Biênio 2022-2023). Integrante da REMIR – Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista no Brasil.

Redação

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