O ‘rei da terceirização’ de Minas Gerais no banco dos réus

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Enviado por almeid

do JusBrasil

Dono de empresas de serviços terceirizados é condenado a mais de 12 anos de prisão Justiça Federal decretou a prisão preventiva do empresário, mas ele obteve HC junto ao TRF-1 e está em liberdade. Seu grupo empresarial é apontado como o maior devedor

Belo Horizonte. O Ministério Público Federal (MPF) obteve a condenação do empresário José Vicente Fonseca, que já foi considerado o “rei da terceirização” no Brasil, por fraudes contra a Previdência Social. A pena aplicada ao empresário foi de 12 anos, 2 meses e 12 dias de prisão, em regime fechado, e pagamento de 704 dias-multa. O MPF recorreu pedindo aumento das penas.

O juízo da 11ª Vara Federal de Belo Horizonte/MG também decretou a prisão preventiva do empresário, que é dono de um vasto grupo econômico, composto por mais de 60 empresas, todas dedicadas à prestação de serviços terceirizados. Antes de ser preso, porém, ele obteve habeas corpus junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região e está em liberdade.

Segundo a sentença, proferida na Ação Penal nº 40412-34.2012.4.01.3800, ficou comprovado que entre os anos de 2002 e 2005 o réu sonegou mais de 15,5 milhões de reais em contribuições previdenciárias devidas somente por uma de suas empresas, a Adservis Multiperfil Ltda.

Foi exatamente a sonegação tributária que permitiu à Adservis apresentar preços mais competitivos do que seus concorrentes e vencer inúmeras licitações país afora. Entre os clientes da empresa, podem ser citados o STF, STJ, TSE, TST, STM, CNJ, TCU, vários Ministérios, Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, seções da Justiça Federal e Tribunais de Justiça, PF e PRF, Bacen, SRFB, IBGE, Ibama, ANS, ANP, ANA, Anvisa, Serpro, Fiocruz, Sunab, IPEA, CNPQ, Embrapa, inúmeras universidades, escolas técnicas, hospitais e tantos outros. A Adservis chegou a ter contratos em mais de 200 municípios brasileiros.

A denúncia do MPF relata que, no ano de 2010, 14 mil empregados da Adservis foram postos na rua sem receber um único centavo. Além disso, as atividades dos órgãos públicos que eram clientes da empresa tiveram que ser parcialmente paralisadas até a licitação e contratação de novas empresas de terceirização, sem falar na responsabilização subsidiária de todas eles, na Justiça do Trabalho, pelas dívidas acumuladas dolosamente pela Multiperfil. Por sinal, informações fornecidas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3) apontam o Grupo Adservis como o maior devedor do estado perante a Justiça do Trabalho.

Ainda segundo a ação do Ministério Público Federal, José Vicente Fonseca tem uma personalidade voltada para o cometimento de fraudes. Há inclusive registros de seu envolvimento com o chamado mensalão do PSDB mineiro. Relatório produzido pela Câmara dos Deputados apontou que “outra figura emblemática em todo o esquema Marcos Valério é José Vicente Fonseca. Está registrado nos dados do sigilo bancário que a DNA e SMPB fizeram repasses a José Vicente Fonseca no total de R$ 2.687.967,83 (…). José Vicente é dono das empresas ADSERVIS, SERTEC e ATTEMPO, E OUTRAS MAIS. Merece registro o fato de que a ATTEMPO teve como sócia Denise Pereira Landim, que atuou, juntamente com Cláudio Roberto Mourão da Silveira, no comitê financeiro da campanha (…). José Vicente confirmou ter sido contratado em 1998 pelo PSDB …”.

Além desse caso, o Grupo Adservis estaria envolvido em um esquema para fraudar concorrências e subfaturar recursos públicos da administração direta e indireta do Estado de Minas Gerais, conforme apura inquérito civil público conduzido pelo Ministério Público de Minas Gerais, devendo-se contar ainda outros inquéritos policias, no âmbito federal, que investigam a prática de diversos delitos, entre eles, lavagem de dinheiro, corrupção, estelionato e fraude à licitação.

Blindagem patrimonial – José Vicente Fonseca, de acordo com a sentença, utilizava incontáveis alterações societárias e o intercâmbio de sócios entre as suas firmas, bem como a utilização de “laranjas” nos quadros das empresas, para obter a chamada blindagem patrimonial.

Essa conduta foi confirmada durante as investigações pelo próprio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Segundo o TRT-3, o Grupo Adservis, além de ocupar “… o primeiro lugar no ranking das pessoas jurídicas com débitos perante a Justiça do Trabalho de Minas Gerais …”, possuía “… nítida formação de um grupo empresarial complexo, com inúmeras transferências de cotas sociais entre os componentes do grupo, identidade de sócios/procuradores, incorporações, transferências patrimoniais, criação de empresas offshore no Uruguai (Sertecpar S/A, Donix S/A, Remdex Trading S/A), possivelmente para lesar credores e dificultar a identificação de seu patrimônio, em especial credores trabalhistas, dada a existência de inúmeros processos envolvendo as empresas do grupo, todos inadimplidos”.

Relatório da Procuradoria da Fazenda Nacional também apontou que “a cadeia de sócios das empresas do Grupo Adservis encobre o fato de que umas participam, simultaneamente, dos quadros das outras; de que a maioria delas limita-se a dividir sazonalmente, com esta ou aquela, uma sala vazia; e que até mesmo os vínculos dos respectivos empregados alternam entre si”.

Os artifícios eram usados para impedir a execução de créditos fiscais e trabalhistas em face da família Fonseca, permitir a acumulação de passivos em algumas sociedades do grupo e sua posterior descapitalização em proveito das “irmãs ricas” (“Logpar” e “Saff”), dificultar a expropriação dos ativos dessas duas últimas, mediante a respectiva incorporação por sociedades offshore uruguaias, e, no caso das filiais em cidades do interior, facilitar a obtenção de certidões negativas do INSS.

Por exemplo, entre 2002 e 2005, as sociedades Adser Serviços e Attempo Atendimento Temporário Recursos Humanos Engenharia de Limpeza já haviam sido usadas e “quebradas” por José Vicente; a Adservis Multiperfil trocara várias vezes de endereços e, sobretudo, de sócios, muitos dos quais eram sabidamente “laranjas”.

“Justiça gratuita” – Por sinal, as fraudes praticadas por José Vicente não se limitaram à esfera trabalhista, mas também ocorreram durante o processo criminal a que foi submetido. Durante a instrução processual, o empresário demonstrou, conforme aponta o Ministério Público Federal ao pedir o aumento das penas, “índole antiética, mendaz, insensível à culpa ou ao arrependimento”.

Assim é que, em seu interrogatório perante o Juízo Federal, José Vicente afirmou nada saber sobre questões de natureza tributária e que possuía poucos recursos financeiros, “tanto que [segundo ele] o juiz da ação que ajuizou contra o INSS lhe deferiu justiça gratuita” e “vive da ajuda dos filhos”.

O empresário chegou inclusive a informar ao juiz que residia em um modesto prédio de três andares situado na Rua Flórida, no Bairro Sion, quando seu real endereço, na verdade, é um luxuoso condomínio, localizado em bairro nobre da capital mineira, e descrito pela construtora como “uma das construções icônicas da grande Belo Horizonte”.

Ele também afirmou que possuía apenas um veículo “impedido pela Justiça”, adquirido na época em “tinha condição”, o que o MPF demonstrou ser falso.

Essas mentiras foram determinantes para a decisão sobre a prisão preventiva. De acordo com o juiz da 11ª Vara Federal, durante toda a instrução processual o réu procurou se esvair da aplicação da lei penal. “Além de ter informado, durante seu interrogatório, endereço residencial incorreto, a todo o momento buscou afastar sua responsabilidade, bem como de seus familiares, sobre os fatos delituosos narrados na denúncia”, diz a sentença.

Para o magistrado, a prisão do réu seria necessária para evitar que ele continuasse a cometer os mesmos crimes pelos quais foi condenado, ocultando-se por detrás das diversas empresas do grupo de sua propriedade.

O Ministério Público Federal ainda chamou atenção para o fato de que a evasão fiscal descrita na denúncia representa somente uma parte da sangria causada pelo grupo Adservis aos cofres públicos. É que os “débitos inscritos em dívida ativa no nome das principais empresas do grupo — ou seja, excluídos os lançamentos que ainda não se tornaram definitivos e aqueles em face de pessoas físicas envolvidas, como uma pessoa que é titular, sozinha, de CDA no valor de R$ 97 milhões — atingem extraordinários R$ 483.780.215,95, quase meio bilhão de reais”.

Também foi condenado na mesma ação penal o funcionário da Adservis, Luiz Antônio Fonseca, responsável pela execução dos atos fraudulentos. Ele recebeu pena de 6 anos, 2 meses e 7 dias de reclusão, no regime semiaberto.

(Ação Penal nº 40412-34.2012.4.01.3800)

Assessoria de Comunicação Social

Ministério Público Federal em Minas Gerais

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

15 Comentários

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  1. E alguém tem notícias da AÇÃO

    E alguém tem notícias da AÇÃO DE IMPROBIDADE promovida pelo MPF contra Sérgio Ricado (caixa das campanhas de FHC e Serra) e outros. Há 3 anos atrás haviam réus (ab absurdo) que ainda não haviam sido citados!!!! (incrível):

    processo número: 2002.34.00.029731-6

    http://processual-df.trf1.gov.br/Processos/ProcessosSecaoOra/ConsProcSecaopro.php?SECAO=DF&proc=200234000297316

    Site do Conjur:

    a) pagina da inicial da denúncia do MP federal onde aparece a venda do imóvel na Lapa/SP/Capital por apenas 1 real:

    http://www.conjur.com.br/2002-set-20/leia_acao_impetrada_mpf_serra_citado_4?pagina=3

    2) cópia de toda a deúncia do MP federal:

    http://www.conjur.com.br/2002-set-20/procuradoria_aponta_rede_nebulosa_torno_serra

  2. Apesar de tudo foi solto.

    Apesar de tudo foi solto. Será que apreenderam o passaporte dele?

    Não consigo entender esta seletividade da “Justiça”.

      1. Ele não tem dinheiro, Athos,

        Ele não tem dinheiro, Athos, tanto é verdade que  lhe concederam a justiça gratuita.

        Deve ser alguma confluência astral que faz nossa justiça ser tão boazinha.

  3. E depois…

    de todos esses crimes o TRF-1 lhe concedeu HC? Em Minas Gerais essas aberrações acontecem à luz do sol, e ninguém fica indignado. O editor do “NovoJornal”, Marco Aurélio Carone, está num presidio de segurança máxima – preventivamente, há nove meses, por publicar matérias contra Aécio e seus comparsas, e não há advogado que consiga a sua liberdade. Quem sabe ele não consiga um HC no TRF-1?

  4. O STF vai escancarar a terceirização selvagem no Brasil?

    Esse em geral é o quadro da terceirização de serviços permanentes no Brasil. Tem o PL 4.330 no Congresso, que cria a chamada Terceirização Selvagem, flexibilizando tudo. Mas antes disso, talvez o STF faça o trabalho sujo, de julgar inconstitucional a Súmula 331 do TST, que dá algum direito aos empregados dessas empresas, que recebem um pé na b… e ficam sem direito algum, vagando pela Justiça do Trabalho como zumbis desguarnecidos de qualque dignidade humana. Será que o STF vai aceitar novamente o papel de algoz dos Direitos Sociais? Espero que não, que a ação não seja conhecida. Nassif, faça matéria sobre isso. Pelo menos a terceirização selvagem no Congresso teria respaldo da soberania popular, num assunto tão importante. O que merece elogio é o Ministério Público Federal em Minas Gerais. Por que os outros MPF não fazem o mesmo?

  5. Desculpe a pergunta ridícula,

    Desculpe a pergunta ridícula, mas se “as atividades dos órgãos públicos que eram clientes da empresa tiveram que ser parcialmente paralisadas”, por que, então, estas atividades são terceirizadas, se são fundamentais para o funcionamento destes órgãos? Sem sombra de dúvida, há algo muito pobre nesse mundo de terceirização, muito estranho, na verdade. 

  6. Fui empregado deste salafrario por dois anos

    Nassif, trabalhei na Adservis Multiperfil entre dezembro de 2007 e maio de 2009 como Médico Examinador do Trabalho, quando fui sumariamente demitido juntamente com outros colegas com a alegação que a empresa estava falida e que não tinha dinheiro pra nos pagar e nós procurassemos a justiça do trabalho. Numa ação coletiva do SINTISPREV, sindicato da categoria do ramo de empresas de limpeza, fomos ajuizados e na época eu teria direito a 54 mil reais. Mas o advogado me orientou a fazer acordo pra pelo menos eu receber metade pois de outra forma se eu fosse demandar nem a minha netinha veria esse dinheiro. Assim eu fiz e até hoje os 27 mil devidos eu nunca mais vi. Esse larápio só de fundo de garantia não depositava na minha conta há 14 meses. Eu, graças a Deus vivo sem precisar desse dinheiro mas muitos dos meus colegas ficaram a ver navios. E o que dói e que o meliante continua solto graças a um HC dado por um juiz bastante qualificado.

  7. Flexibilização das leis trabalhistas da “carta del lavoro”! zzzz

    Inevitavelmente, lembrei-me do projeto 4330. Aquele que defende com unhas e dentes a TERCEIRIZAÇAO no Brasil, SEM responsabilidade solidária! Tudo em favor o DESENVOLVIMENTO NACIONAL. 

    Que nada! Trata-se de uma grande balela  que alguns , com aquela argumentação  pra lá de falaciosa, tentam empurrar aqui no quintal brasileiro. No fundo,  estão buscando a “flexibilização dos direitos trabalhistas”, isto é, explorar ainda mais a “mais valia” brasileira muito atrativa!

    Aqui temos mais um exemplo do funcionamento das “terceirizações” brasileiras.

     

  8. então é por isso que a

    então é por isso que a adservis deixou de ser tão onipresente em carros e uniformes pela cidade de BH: estava chamando a atenção demais e o dono não poderia estar em cases de sucesso nos programas joão dória. ou seja, não se trata de um self made man senão de um bandido muito esperto que se aproveita das brechas das leis e lucra com mil desvios ilícitos. esses caras…

  9. As terceirizações são grandes

    As terceirizações são grandes antros de corrupção no setor público. Esse é apenas um exemplo entre tantos.

  10. Repetindo….

    Os editais de licitação são a legalização da corrupção no Brasil.

    Quase todas as empresas que vencem os editais não conseguem terminar o serviço.

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