Revogue-se a Lei da Abolição, por Frei Betto

Projeto de deputado federal prevê jornada diária de 12 horas e, ainda, remuneração de “qualquer espécie”
Projeto de deputado federal prevê jornada diária de 12 horas e, ainda, remuneração de "qualquer espécie"
 
Revogue-se a Lei da Abolição
 
Por Frei Betto
 
Não satisfeito com a reforma trabalhista que retira direitos dos trabalhadores e favorece interesses dos patrões, o deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), líder da bancada ruralista, encaminhou projeto que reintroduz no Brasil a neoescravatura.
 
A proposta é de estarrecer: os trabalhadores rurais não seriam pagos apenas com salários, mas também mediante “remuneração de qualquer espécie”, como oferta de moradia e alimentação.
 
Esse descaso com os direitos humanos é um retrocesso civilizatório. Se aprovado o projeto, fazendeiros que só têm olhos para suas contas bancárias dirão ao empregado: “Vou lhe fornecer casa e comida. E este será o pagamento pelo seu trabalho, uma vez que vai morar e comer de graça.”
 
O projeto prevê ainda que a jornada diária poderá se estender por 12 horas! Anula-se assim o 1º de Maio, data na qual os trabalhadores comemoram a conquista das 8 horas diárias. E só haverá dia de descanso após 18 dias de trabalho consecutivo. Ou seja, além de o trabalhador jamais desfrutar de aposentadoria, devido à desumana reforma previdenciária em pauta, teria sua morte antecipada por exaustão. Quem nunca pegou no cabo de enxada não tem ideia do que significa lidar com a terra sob sol ou chuva.
 
O deputado do PSDB, sem nenhum pudor diante da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Constituição Cidadã de 1988, propõe ainda: o que negociarem patrão e empregado valerá mais que a legislação trabalhista; a CLT não mais protegerá o trabalhador rural; autoriza-se trabalho aos domingos e feriados sem necessidade de laudos; empregado que morar no local de trabalho poderá vender integralmente as férias; revogam-se as normas do Ministério do Trabalho sobre saúde e segurança no campo; as regras sobre agrotóxicos não mais serão definidas pelos ministérios do Trabalho e da Saúde etc.
 
O Brasil acelerou o seu retrocesso com o governo Temer. Fala-se que a Previdência é deficitária e se reduzem os direitos dos trabalhadores de baixa renda, sem no entanto tocar nas gordas aposentadorias de políticos que exerceram dois mandatos, e de membros das Forças Armadas e do Poder Judiciário.
 
Há muita grita de “fora Temer” e repulsa a parlamentares favoráveis às reformas trabalhistas e previdenciárias. Nenhum deles, porém, entrou no Congresso Nacional pela porta dos fundos. Foram todos eleitos nas urnas.
 
Ano que vem termina o mandato de todos os deputados e de 27 senadores. Novos deputados e  54 senadores serão eleitos. E em 2018 não será fácil utilizar o caixa dois. Portanto, a questão que se coloca não é apenas em quem cada eleitor votará. É iniciar, desde hoje, campanha em prol de candidatos que sejam comprovadamente éticos e comprometidos com os direitos dos segmentos mais pobres e discriminados de nossa população.
 
Como canta Geraldo Vandré, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer.” Tomara que deputados e senadores eleitos em 2018 não possam entoar, ao tomarem posse, o verso de Belchior: “Ainda somos os mesmos!”
 
 
Frei Betto é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.
 
Redação

8 Comentários

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  1. O recado de Frei Beto é claro

    O recado de Frei Beto é claro e curto: quem tem vergonha na cara, não pode votar em nenhum dos que propõem e aprovam leis como as que estão sendo propostas durante essa época (que, se Deus quiser e nós tomarmos algumas providências, vai acabar em breve).

    Entretanto, a renovação deste Congresso só valerá a pena se deixarmos de ser tolos e banirmos de vez o PP, o PSDB, e o DEM; pelo menos, fazendo uma triagem bem caprichada em partidos como o PMDB.

    Porém há que se tomar cuidado de não votar naqueles que fugirão desses “partidos políticos” e se travestirão de “tomados por novas idéias”, ou até mesmo de “arrependidos” – na dúvida, deixemo-los de fora. 

  2.  Não há neoliberalismo no

     Não há neoliberalismo no Brasil, sequer como proposta ou agenda. Ele só existe como farsa. O que temos é uma imitação caricata do neoliberalismo terrível que assola aos países centrais.

    Após assistir a entrevista do Wanderley Guilherme dos Santos, reler parte dos Donos do Poder e as reformas propostas, concluo que é um equívoco pensar que nos defrontamos com uma agenda e governo neoliberais.

    O golpismo – que encontra suas personificações exemplares no nefasto FHC e na aberração Temer – é, na verdade e simplesmente, a restauração do velho brasil oligárquico disfarçado de neoliberal.

    É a volta da sociedade do trabalho semiescravo no campo e nas cidades. É a volta da “importação” das meninas do nordeste para serem “domésticas” com “direito a casa e comida”. Empregadas relegadas aos quartinhos do fundo, comendo os restos dos almoços das “famílias de bem”.

    A oligarquia atual continua a depender do estado forte, do controle do orçamento, mas agora a apropriação dos impostos pagos pelos pobres se dá por meio do Banco Central e mercado financeiro; eis sua modernidade no campo econômico. A justiça é apenas a expressão da força do poder dessa oligarquia e dos próprios interesses corporativistas desse judciário. A oligarquia não mais manda seus filhos estudarem em Coimbra. Agora, eles fazem MBAs nos EUA e se esmeram por falar inglês sem sotaque.

    FHC, como demonstram as entrelinhas do seu mais recente artigo, não é expressão sequer da perversa “modernidade” neoliberal. É simplesmente o profundo atraso oligárquico, toscamente fantasiado de neoliberal.

    1. E o que é mais antigo?

      E o que é mais antigo, a oligarquia da república velha ou o nacional-estatismo varguista dos anos 30 que o PT tentou ressuscitar?

      Em uma coisa eu concordo: nunca houve neoliberalismo no Brasil. É coisa dos anos 80, da Inglaterra de Thatcher e dos EUA de Reagan, e o termo já se encontra em desuso, sendo repetido apenas por aqui, onde se tornou sinônimo de tudo o que há de ruim no mundo. Na prática, o que se chama de neoliberalismo por essas bandas são aquelas medidas de austeridade que todo governo é obrigado a tomar em tempos de vacas magras. Nesse ponto, é até bom ter um presidente como Temer, que como é impopular não tem receio de tomar medidas impopulares. Se fosse outro com ambições a ganhar muitos votos para futuras eleições, ia recorrer ao velho subterfúgio de empurrar com a barriga e deixar a bomba estourar no colo de seu sucessor, com prejuízo para o país como um todo.

  3. Muito pior

    Não revogou apenas a Lei Aurea, mas sim revogou os dez mandamentos dados a Moisés, santificar o sétimo dia de descanso. Voltamos 3500 anos nas leis trabalhistas. Nem na Idade Média alguém ousaria propor tamanho absurdo.

    Leis de 3500 anos atrás são mais progressistas do que as propostas pelos tucanos ! Até mesmo no séulo XIX os escravos tinham autorização para guardar o domingo.

    Este mandamento foi dado para que as pessoas possam ler Palavras de Sabedoria, meditar, praticar a introspecção, muito importante para previnir estresses e conflitos, buscando a Paz Interior e  a Harmonia dentro de si, e principalmente para refletir sobre seus erros da semana finda e se aperfeiçoar, vindo a não cometê-los novamente. Pelo jeito o pessoal do mercado não pratica este mandamento,  senão, estariam amadurecidos e jamais proporiam uma lei absurda destas.

    Não acredito que tal reforma venha a durar muito tempo, devido ao fato de serem uma aberração da cobiça tucana. . Não satisfeitos de serem inimigos do povo e do país agora querem também se tornar inimigos de Deus.

    Para os tucanos, nada é mais sagrado do que o seu ” bezerro de ouro “, o lucro do ídolo mercado.

    É absurdo, mas os tucanos acham que sabem mais do que o próprio Criador, que desmedida arrogância e atrevimento sem limites.

  4. O projeto merece todas as

    O projeto merece todas as críticas. Deplorável.Mais um dos absurdos que surgem na esteira da perda total de pudor e brio por parte do Poder Político brasileiro.

    Mas, quem conhece o meio rural sabe que tal proposta é impraticável. O real escopo é apenas “desenquadrar” a prática de trabalho escravo em rincões e na fronteira agrícola amazônica. Pois o empregado rural no sul e sudeste, e boa parte do centro-oeste, não entra em curral por menos de dois salários mínimos, mais moradia e transporte. E os da lavoura não pegam em ferramenta por menos de sessenta a oitenta reais por dia. Não há mão-de-obra, simples assim. Qualquer um que tentar pagar com salário alimentação ou moradia pode se preparar para pegar no chifre do boi e no cabo da foice.

  5. “Ai daqueles que promulgam

    “Ai daqueles que promulgam leis injustas, que redigem medidas maliciosas, para tapear o fraco na justiça, roubar o direito de meu povo explorado, para fazer viúvas suas vítimas e roubar dos órfãos”. (Is 10,1-2)
    Deus não aceita nem culto, homenagem, sem a prática da justiça e da fraternidade que se reflete no uso dons bens materiais. O mesmo Isaías nos mostra Deus advertindo:
    “Quando estendeis para mim as mãos, desvio meu olhar. Ainda que multipliqueis as orações, de forma alguma atenderei. É que vossas mãos estão sujas de morte. Limpai-vos, limpai-vos, tirai da minha vista as injustiças que praticais. Parai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem, buscai o que é correto, defendei o direito do oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva. Depois podemos discutir, diz o Senhor”. (Is 1, 15-18)
    Em outras palavras: sem a justiça da economia que não desampara os pequenos, Deus não quer conversa conosco. Muitos outros textos proféticos teriam indicações semelhantes, muitas leis do Pentateuco visam proteger trabalhadores e pobres, para que um filho ou filha de Deus não seja sacrificado no altar idolátrico da economia.   –   fonte: http://www.conic.org.br    

    http://portrasdapalavra.blogspot.com.br/2010_01_01_archive.html                            

  6. Comentário.

    No momento em que falar mal do Lula constitui os “cinco minutos de ódio”, os seres odiáveis de verdade, desprezíveis, tem como projeto um país com IDH subsaariano.

    Gasolina, pedras e postes, ah, muitos postes.

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