Vá de Bike desconstrói matéria da Vejinha sobre ciclovias

Sobre a matéria da Veja São Paulo e o custo das ciclovias na cidade

Por Willian Cruz

Do Vá de Bike

Ciclovia da R. Vergueiro, numa terça-feira às 19h: três ciclistas à minha frente, mais os dois vindo atrás que ficaram fora da imagem. Ou seja, 6 ciclistas em um minuto – demanda ignorada pela matéria da revista. Foto: Willian Cruz

Eu havia me prometido não escrever nada sobre a matéria da Veja que sobe o custo médio das ciclovias para R$ 650 mil reais, mas com os comentários absurdos que tenho visto nas redes sociais, não me contive. Esse texto era para ser apenas um desabafo na minha página pessoal no Facebook, mas conforme escrevia fui buscando fontes e números e acabou saindo maior. Achei justo compartilhar minha interpretação dos fatos com todos vocês. É minha opinião pessoal, portanto você pode concordar ou não, mas pelo menos leia o que eu tenho a dizer.

A matéria da Veja sobre ciclovias foi construída para passar uma opinião. Para isso, utilizaram várias informações que já eram de conhecimento público, cortaram a parte que não lhes interessava, temperaram carregando nas tintas para dar o sabor desejado e serviram de forma a conduzir o raciocínio para o conceito no qual a matéria foi pautada: o de que o plano de ciclovias só serviria para desviar dinheiro.

Não por acaso, na sequência a Folha de São Paulo publicou uma pesquisa do Datafolha sobre a administração Haddad, reforçando até no título da matéria que menos gente tem usado a bicicleta em São Paulo. E como fizeram esse levantamento? Mediram? Fizeram uma contagem? Passaram uma tarde sentados observando? Não: perguntaram para pessoas nas ruas, talvez por telefone. Pode até ser que a metodologia tenha sido perfeita e que o universo estatístico tenha sido selecionado de maneira isenta, mas o fato é que quem pedala na cidade percebe claramente um aumento enorme de bicicletas nas ruas, principalmente nesse início de ano. Você, que pedala nas ruas, percebeu um aumento ou queda de setembro para cá?

Mas vamos a algumas considerações sobre a matéria da Veja.

Irregularidades

Se há alguma irregularidade no processo de contratação, ou na própria empresa que está tocando a obra da ciclovia da Paulista, é claro que isso deve ser apurado. Mas da maneira correta. Na matéria só há dúvidas e questionamentos, publicados com tintas de denúncia, seguindo a linha do que a edição nacional costuma fazer, expondo suposições que acabam por servir como prova incontestável para uma parcela de seus leitores. Me surpreende que a Veja São Paulo, que sempre teve posicionamento e qualidade jornalística que contrastavam com a publicação principal, tenha enveredado agora nesse caminho de difícil volta.

Demanda e importância de Paulista e Vergueiro foram ignoradas

Uma repórter da revista entrou em contato essa semana para obter ajuda com a matéria, em forma de dados e informações. Isso, diga-se de passagem, é algo completamente normal e corriqueiro. Atendo jornalistas ao telefone quase todos os dias. Ela me perguntou se a ciclovia da Paulista era importante e eu respondi que sim, expliquei os motivos, esclarecendo que fazer a ciclovia nas paralelas não seria uma boa solução e falando sobre a grande utilização da avenida por quem usa a bicicleta como transporte, mesmo sem haver ainda ciclovia.

Falei da contagem de ciclistas realizada na Paulista 5 anos atrás e falei de outras contagens, como Faria LimaEliseu, Inajar de Souza e Vergueiro. Sobre essa última, destaquei que pouco após a inauguração foi feita uma contagem que detectou 2 ciclistas por minuto no pico da tarde. E que agora, alguns meses depois, forma-se uma pequena fila de ciclistas quando o sinal fecha, relatando que semana passada mesmo havia três ciclistas à minha frente e outros dois vindo mais atrás (foto em destaque nessa matéria). Acrescentei que se eles fizessem uma breve contagem entre 18 e 19 h na altura do Paraíso, ficariam impressionados com a quantidade de ciclistas, e que esse era um dos indicadores de que a ciclovia da Paulista terá alta utilização, semelhante ou até superior à da Faria Lima.

E, de tudo isso, o que entrou na reportagem? Que a Faria Lima, a Eliseu e a Rio Pinheiros eram “os melhores trechos em funcionamento”, como sequência de um parágrafo que começa dizendo que “a maioria das faixas aparenta não ter muita utilidade prática como transporte público”. Não falaram nada sobre a Vergueiro, porque afinal é uma ciclovia do modelo novo, inserida no projeto que está sendo criticado, então a matéria não poderia falar bem. Também não citaram nem de leve a importância e o potencial de utilização da ciclovia da Paulista, porque também não vem ao caso, esse não era o objetivo da matéria.

Rio Pinheiros

A Ciclovia Rio Pinheiros foi citada como um dos “melhores trechos em funcionamento” em São Paulo, um bom exemplo de ciclovia útil para o transporte. O curioso é que não há estatísticas abertas sobre a Ciclovia Rio Pinheiros, que sofre interdições constantes, tem poucos acessos (alguns com escadarias perigosas) e reclamações sobre o risco de assaltos na pista da margem oeste. Por essas razões, tem sido muito menos utilizada para commuting do que seu verdadeiro potencial. Quem acompanha sabe. Mas é a ciclovia que foi inaugurada por José Serra, então bora lá contrapor sutilmente, mostrando como ciclovia modelo.

Ainda disseram que tem “piso bem conservado, boa sinalização e fluidez”. Se fluidez significa não precisar fazer paradas, claro que ela tem fluidez, pois não está integrada ao viário. Não é necessário parar em semáforos e cruzamentos, pois ela fica isolada, às margens do rio. Mas se você considerar como parte da fluidez a facilidade em acessá-la, fica difícil fazer essa afirmação. Muitos ciclistas a evitam, pois “fluem” bem melhor por fora dela, já que em alguns casos é necessário aumentar o trajeto em até 4 km para conseguir usar a ciclovia, em comparação com o uso da pista local da Marginal. Quanto à sinalização, não há muito o que sinalizar além do pavimento, que no trecho mais antigo já está bastante desgastado (o que não é de todo ruim, já que a tinta que foi utilizada ali escorregava demais quando molhada, cansando vários acidentes com ciclistas em dias de chuva).

Os primeiros 14 km da Ciclovia Rio Pinheiros, inaugurados em fevereiro de 2010, custaram R$ 714.285 por km, consistindo basicamente de recapeamento asfáltico de uma pista de serviço que já existia, com pintura em vermelho. Mas para a matéria da Veja, ela tem boa fluidez, piso bem conservado e boa sinalização. Divulgar o custo não ajudaria a compor o cenário da matéria, portanto deixaram de lado.

Faria Lima

O dinheiro para a expansão da Ciclovia da Faria Lima (por sinal, um projeto com pelo menos 10 anos) vem de outro lugar, da Operação Urbana Faria Lima. Os recursos são provenientes da outorga onerosa de potencial adicional de construção (CEPACs) e outras modificações à legislação de uso e ocupação do solo, concedidas aos proprietários de terrenos contidos no perímetro da Operação Urbana interessados em participar. É um dinheiro que já estava previsto, que não pode ser usado para obras fora da Operação e que engloba tanto a ciclovia como outras intervenções relacionadas, como reforma de calçadas e readequações do viário. Portanto, não deveria entrar nessa conta, foi colocada só para subir a média. E ainda por cima é uma obra que seria tocada por qualquer prefeito que fosse eleito, pois já estava em andamento.

Eliseu de Almeida

Quem conhece a região há mais tempo sabe que abaixo daquele canteiro central há o Córrego Pirajussara, por isso ele é elevado em diversos pontos, tornando a intervenção um pouco mais complexa. É preciso deixar tampas de serviço em alguns pontos da ciclovia, para que possam ser utilizadas como acesso ao córrego. Houve readequação do viário em alguns pontos, além de toda a construção do pavimento. Pouco provável que as ciclovias que serviram para calcular as médias em outros países tenham essa característica.

É correto usar um projeto com características diferenciadas no cálculo dessa média, comparando com países onde as intervenções costumam se resumir a isolar um trecho do viário para a circulação de bicicletas, segregando no máximo com um meio-fio? Você decide.

O primeiro trecho da Ciclovia da Eliseu de Almeida, entregue em 2014, utilizou recursos provenientes de emendas de vereadores.

Custo da ciclovia da Paulista

O custo da ciclovia da Avenida Paulista é alto porque, como no caso da Faria Lima, não é só a ciclovia que está sendo implantada. Há intervenções como a reforma das calçadas na Bernardino de Campos e a passagem de fibras óticas pelo subsolo do canteiro central – que, por sinal, está sendo totalmente reconstruído. É justo colocar o valor total da obra nessa conta, pra subir assim essa média? É correto usar essa média, que inclui projetos com intervenções mais amplas do que tradicionalmente é feito em outros países, para uma comparação com médias mundiais? Decide aí e conta aqui nos comentários da página.

Estruturação da matéria

Conduzir o raciocínio não é complicado para quem tem experiência nisso. Os elogios rasgados à importância das ciclovias no início da matéria tem o objetivo de desarmar o leitor que é favorável a elas, mostrando que a matéria está do mesmo lado que ele, que a intenção é ter ciclovias sim. Uma ótima estratégia de comunicação para fazer a argumentação descer mais suave. Como vi em um comentário na minha timeline: “mas eles até elogiaram as ciclovias, não devem ter exagerado na matéria”.

Custo médio

Bem interessante o gráfico comparando o custo médio de ciclovias ao redor do mundo. Sério mesmo. Tudo bem que “apuração de um time de correspondentes no exterior” não é bem uma fonte, né, gente? Mas ok, os valores até que estão dentro do esperado. Só me pergunto por que ele não tinha aparecido até agora, quando se falava amplamente que 200 mil por km seria um completo absurdo.

A propósito, uma rápida busca por imagens de ciclovias em Berlim, a cidade que está no topo dessa lista, dá uma boa ideia de como elas são por lá: há ciclovias sobre a calçada, locais onde o ciclista circula a um palmo dos ônibus, em trechos onde não há nem tachões, só uma faixa branca, e situações de pavimento irregular e conversões esquisitas que deixariam os críticos paulistanos de cabelo em pé. E isso custando mais que o dobro da infraestrutura padrão implantada nas ruas de São Paulo.

Gostaria de ver um gráfico com o custo médio do km de avenida, ponte ou viaduto em São Paulo e no resto do mundo. Se alguém que nos lê se animar a fazer a pesquisa, apontando corretamente as fontes (em vez de “correspondentes no exterior”), publicaremos aqui.

Recomendamos a leitura do artigo Corrigindo os cálculos da revista Veja, no site Diário da Mobilidade, que fala sobre o real custo das ciclovias em outros países.

Contra as ciclovias

Há em andamento um movimento contrário às ciclovias em São Paulo, organizado e estruturado por políticos de oposição, com apoio dos editores de jornais e revistas tradicionais. Isso fica claro quando se lê matérias como essa da Veja, como essa outra do Estadão ou mesmo as fan pages de alguns vereadores ou deputados de renome. O objetivo é claramente partidário e faz parte da disputa pelo poder, mas traz consequências diretas sobre nossas vidas e nossa integridade física – não só pelo risco de reverterem o processo de implantação, nos deixando novamente nus em meio a motoristas intolerantes, mas também pelas agressões e ameaças crescentes de motoristas a ciclistas nas ruas, que passam a nos ver como coniventes com tudo de ruim que se imputa ao partido político do prefeito, só por circularmos de bicicleta nas ruas.

O pior de uma matéria como essa é acirrar o preconceito com ciclistas na cidade, um efeito que pode, indiretamente, levar a ferimentos e mortes por intolerância no trânsito. Mas duro mesmo é ter que aguentar gente com dificuldade de interpretação (ou desonestidade argumentativa mesmo) dizendo aos quatro ventos que “o quilômetro de tinta tá custando 650 mil”. E se você contesta, é chamado de petista, com toda a conotação negativa possível, quase criminosa, como se você fosse conivente com tudo que acontece de errado no país, do mensalão à falta d’água, do escândalo da Petrobrás à crise de segurança pública, só por acreditar que as pessoas que usam a bicicleta merecem ter suas vidas protegidas por ciclovias.

Ciclovias salvam vidas

Enquanto se discute os pelos desse ovo, pessoas continuarão morrendo por falta de segurança no viário e pelo comportamento irresponsável de alguns motoristas. E objetivo das ciclovias é justamente proteger quem se desloca de bicicleta. Nesse fim de semana, foi instalada a décima sétima Ghost Bike de São Paulo, uma bicicleta branca em memória de Noel Moreno Leite, que perdeu a vida na Av. Belmira Marin, zona sul da capital. E hoje, segunda-feira 9/2, uma moça ainda não identificada foi atropelada na Av. João Paulo I, Freguesia do Ó, Zona Norte. Em nenhum dos locais havia ciclovia.

Um exemplo bastante claro é a Av. Eliseu de Almeida. Prometida desde 2004 e mesmo com um fluxo diário de mais de 600 bicicletas (2012), a ciclovia só teve seu primeiro trecho concluído dez anos depois, em 2014. As mortes eram frequentes, como as de Lauro Neri (2012), Nemésio Ferreira Trindade (2012), José Aridelson (2013) e Maciel de Oliveira Santos (2014), e poderiam ter sido evitadas se as gestões anteriores tivessem atendido à demanda popular e às várias manifestações realizadas na avenida e junto à subprefeitura. Com o primeiro trecho pronto, em 2014, foram contados 888 ciclistas em 14h, um aumento de 53% em relação a 2012. Quase mil pessoas por dia que, agora, circulam de forma bem mais segura, sem o risco a que foram expostos Neri, Trindade, Aridelson, Santos e tantos outros anônimos todos os dias.

Redação

28 Comentários

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      1. Engano seu. Querem destruir

        Engano seu. Querem destruir qualquer coisa que possa significar melhoria para a população, seja ela federal, estadual, municipal ou mesmo para um mesmo bairro.

        É do DNA deles.

  1. O problema da ciclovia é o

    O problema da ciclovia é o mesmo da ponte estaiada, foi feita pelo PT então que ser criticada; a tslmponte quando era ideia da Marta era um simbolo de imoralidade, quando terminada a obra pelos tucanos virou um simbolo de modernidade, essa é a diferença, se Jesus estivesse do lado do PT esse povo correria para abraçar o capeta. 

  2. A Lucidez de Paulo Mendes da Rocha
    Paulo Mendes da Rocha | Arquiteto brasileiro

    “O que está em debate em São Paulo é a estupidez do automóvel”

    Ganhador do Pritzker, o mais importante da arquitetura mundial, Paulo Mendes da Rocha diz que as horas gastas em transporte público pelos paulistanos é uma forma de mantê-los escravizados

      São Paulo 9 FEB 2015 – 12:33 BRST

    Paulo Mendes da Rocha, em seu escritório em São Paulo. / Victor Moriyama

     

    É possível dizer que o arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, de 86 anos, está em um lugar onde poucos do mundo já chegaram. Em 2006, recebeu o prêmio Pritzker, o mais importante da arquitetura mundial. Autor de obras como o Museu Brasileiro da Escultura (MUBE), em São Paulo, o arquiteto pertence a uma geração de modernistas, influenciados por nomes como o francês Le Corbusier, o russo Gregori Warchavchik e os brasileiros Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e João Batista Vilanova Artigas.

    No centro da cidade, onde mantém um escritório no mesmo endereço há 30 anos, o arquiteto que nasceu em Vitória, no Espírito Santo, recebeu o EL PAÍS, sentado em sua Poltrona Paulistana, projetada em 1957 e que até hoje é vendida em diversos países. Tornou-se, inclusive, peça da coleção permanente do MoMA de Nova York. Atento aos movimentos paulistanos, ele faz uma leitura do momento atual, onde o paulistano disputa espaço com os carros.

    Pergunta. São Paulo está sendo palco de movimentos que, mais do que reivindicar por direitos como moradia e trabalho, visam ocupar a cidade. O senhor acha que a briga por espaço está, de fato, mais no centro das questões nesse momento?

    Resposta. Eu prefiro dizer que não, até porque, a coisa sempre foi assim. Do ponto de vista da transformação do homem de camponês ao urbano, num período histórico muito amplo – do século 19 e 20 – a questão sempre foi essa. A razão da cidade é podermos conversar. Se você dá chance de as pessoas se encontrarem para falar, eis o movimento. Isso é tão verdade que aqueles que lutam contra isso, a parte que nós chamamos de ‘conservadora’ da sociedade, sempre esteve muito atenta e agiu com políticas violentíssimas do ponto de vista de grandes empreendimentos. Um exemplo disso em São Paulo foi o de tirar o ensino universitário da cidade, quando historicamente as grandes cidades sempre foram feitas em torno delas.

    P. De que forma?

    “Eu tenho a impressão que só a garagem do Conjunto Nacional na Avenida Paulista, se fosse um reservatório de água, daria para alimentar metade da cidade por quase um mês”

    R. A Escola Politécnica, que era aqui junto ao Rio Tietê, na Rua Três Rios, foi tirada daqui para fundar essa ‘Cidade Universitária’ [na região do Butantã]. E eis o ato falho, pois não havia condução para ir até lá. Ou seja, a escola estatal grátis que nós tínhamos, uma das melhores inclusive, só era frequentada por quem tivesse automóvel. Então tiraram os estudantes justamente da área central, porque ele era muito politizado e por qualquer coisa ele estava na rua. Esse diálogo, no bar, no botequim, é muito importante. O estudante que vai comer na cantina da escola é uma espécie de idiota diante do estudante que vai ao botequim da esquina e encontra o jornalista, o operário… Ou seja, a grande universidade do ponto de vista do espaço físico é a própria cidade. Tudo isso mostra que nós sempre lidamos com a questão de evitar justamente a mobilização popular.

    “o automóvel virou uma estupidez muito em evidência”

    P. Esse movimento de levar a universidade para fora da cidade, é também o que o poder público faz com as camadas mais pobres da população. Para resolver o déficit habitacional da cidade, a Prefeitura vai e constrói habitação popular nas regiões periféricas, longe do centro…

    R. Sim, mas nem sempre consegue. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, da noite para o dia verticalizou-se o bairro de Copacabana. A classe mais alta, capaz de comprar aqueles apartamentos, queria morar na praia. Mas aqueles moradores não dispensavam babá para as crianças, copeira, cozinheira, faxineira para os prédios, porteiro. Então, como não interessava à especulação imobiliária os terrenos difíceis das encostas, construíram na horizontal [em frente ao mar] e concederam [os morros para ocupação]. Aquilo virou uma espécie de Casa Grande e Senzala. Então não há novidade. Por exemplo, a questão do passe do ônibus, que foi o que movimentou as últimas manifestações em São Paulo. A ideia do custo da passagem foi só para desencadear uma consciência do atraso. São Paulo deveria ter 250 quilômetros de metrô e tem 50, 60, até hoje. Ontem mesmo os jornais publicaram que São Paulo está vendendo 500 automóveis por dia. Faz muito tempo que isso acontece. Se você imaginar quanto custa ou gasta de água um automóvel por dia, você vê que há muito tempo o consumo de água está crescendo em São Paulo. E não se fez nenhuma obra. Portanto essa estiagem, que é cíclica e esperada, agora tornou-se quase trágica porque surpreendeu uma demanda que há muito tempo não vinha sendo atingida…

    P. A questão não é que está chovendo menos? A demanda é que é muito maior?

    R. Claro. Todo mundo sabe que a água evapora. O pior reservatório para uma cidade são lagoas a céu aberto. Eu tenho a impressão que só a garagem do Conjunto Nacional na Avenida Paulista, se fosse um reservatório de água, daria para alimentar metade da cidade por quase um mês. É impossível então que não haja uma formação de consciência entre o saber e as possibilidades que o saber oferece.

    “Um dos mais monumentais espetáculos da questão de consciência urbanística que existe entre nós são as favelas”

    P. Então, na visão do senhor, essas manifestações são um movimento natural da cidade?

    R. É o que se espera de uma cidade: que ela seja falante. Agora, quando o desajuste é muito evidente e violento, como no caso do transporte e do abastecimento de água, é de se esperar mesmo um movimento, que são sadios. 

    P. Falando então de transporte. O Plano Diretor de São Paulo, aprovado no ano passado, prevê, dentre outras coisas, o estímulo ao uso do transporte público a partir do momento em que reduz a possibilidade de construção de prédios com garagens que sejam próximos aos eixos de um transporte público que…

    R. …que não há.

    P. Enquanto isso, a Prefeitura tenta implementar mais corredores de ônibus. O senhor vê que, ao mesmo tempo em que se vendem 500 carros por dia na cidade, o poder público tenta estimular o uso do transporte coletivo? Ou ainda falta muita estrutura para atender a essa demanda?

    R. No fundo, o que está em discussão é a estupidez do automóvel. Portanto muita coisa vai se fazer nessa direção de desestimular o transporte individual e estimular o transporte público. Entretanto, também já há consciência que o automóvel virou uma estupidez muito em evidência. O mundo está em guerra por causa do petróleo. E você queima o petróleo para levar uma lataria que pesa 700 quilos e lá dentro tem um cretino de 70 quilos. Alguma coisa está errada.

    P. E por que não avançamos em transporte?

    “o que caracteriza a casa pequena não é a pobreza é a conveniência”

    R. A luta é contra o conformismo de um lado e o reacionarismo do outro. E esse conservadorismo não tem outra alternativa para a vida, do ponto de vista da economia, se não a exploração do homem pelo homem. Temos que nos livrar dessa chave infame de que só é possível trabalhar explorando o próprio homem. E para explorá-lo, a coisa que tem que fazer é evitar os movimentos. Tanto que o homem não pode ter tempo livre. Então a forma de você manter uma população capaz de ser explorada é ocupá-la absolutamente. Se uma pessoa gasta quatro horas por dia, no mínimo, para ir e voltar do trabalho, isso é o ideal. Ela não pode sair, ir ao teatro, porque não tem onde deixar as crianças. Uma forma de se escravizar é ocupar o tempo inteiro inexoravelmente. E como você consegue fazer isso de modo inexorável? Sendo a única condição de sobrevivência do sujeito. Então, se ele não tem o que comer, ele vive nessa condição de levar horas para chegar ao trabalho, de não poder ter lazer etc. Mas ele vive isso de tal maneira que, qualquer fagulha vira uma explosão.

    P. Fala-se muito, há muito tempo em revitalização do centro. Todo governo que começa em São Paulo fala sobre isso, mas ninguém consegue de fato executar. Por que não dá certo?

    R. Não dá certo porque a população capaz, que tem mais dinheiro, tem pavor da cidade, porque a cidade, seja como for feita, mal feita ou bem feita, ela é democrática. Para você chegar ao meu escritório, que é na área central, você deve ter passado por muita gente dormindo na calçada. Nesses bairros exclusivamente habitacionais, não tem disso. As pessoas têm segurança, tem polícia vigiando. Portanto, a cidade, por mais mal feita que ela seja, ela é muito mais democrática, sempre mais para todos do que se imagina. E os que podem mais abandonam aquilo que tornou-se efetivamente uma cidade.

    P. Mas o poder público não deveria tomar conta então? Aproveitar que há esse abandono do espaço pela elite?

    R. Mas é claro que deveria. Por isso que nós estamos na rua reclamando! A consciência sobre isso vai se formando. O absurdo torna-se visível. Por exemplo, nós estamos no quinto andar aqui no meu escritório. Se você olhar pela janela agora, vai ver no que deveria ser um teto-jardim no nível que nós estamos sentados na minha sala, automóveis estacionados [há um estacionamento em frente ao prédio]. É evidente que deve ser um absurdo isso aí. Como essa casa foi transformada em garagem até na cobertura? O que é isso? Por outro lado, a população, desde a menos educada ou menos favorecida, até todos nós, está vendo aí as favelas, as ocupações dos prédios abandonados, como uma possibilidade de as pessoas fazerem suas próprias cidades. Um dos mais monumentais espetáculos da questão de consciência urbanística que existe entre nós são as favelas.

    P. Por quê?

    “A forma de você manter uma população capaz de ser explorada é ocupa-la absolutamente”

    R. Porque é uma prova de que eu quero morar ali, custe o que custar. É uma visão de consciência de que não há outro lugar melhor do que aquele ali.

    P. Por que não há uma política mais enérgica para ocupar os prédios abandonados do centro de São Paulo e tentar assim reduzir o déficit habitacional?

    R. Porque é uma defesa exacerbada de uma verdade que interessa a nós todos, que é a liberdade individual, levada a um extremo de uma visão puramente mercantilista e com isso deixar que a parte predadora de compra e venda do mercado, da especulação, possa gozar plenamente [do espaço]. No fundo, são forças políticas. Como nós vivemos? Com o desejo do estabelecimento de repúblicas democráticas, ou seja, quem governa é eleito pelo povo. E esse processo tem que ser aprimorado a ponto de passar a ser efetivamente verdade. Agora você diz: Mas isso será possível? O que você quer? Lute por isso.

    P. Falando então de alguns desses movimentos. O que luta pelo Parque Augusta. É um terreno enorme, particular, em uma área central e esse grupo ocupa para que a área se transforme em um parque. Qual é a viabilidade disso? A Prefeitura diz que não tem dinheiro para comprar o terreno. O movimento tenta resistir… O desejo de transformar essa área em um parque é viável?

    R. Aí é uma questão mais técnica. Olhando o [edifício] Copan, por exemplo: ali são 1.000 apartamentos, e tem desde apartamentos de 30 metros até 150 metros. Há uma coisa que me agrada muito em relação inclusive à obra de Niemeyer: há ali apartamentos de um dormitório, três dormitórios… Se você é músico e toca no Teatro Municipal, você pode morar ali sozinho e ir a pé ao teatro. Enfim, o que caracteriza a casa pequena não é a pobreza, é a conveniência. O Edifício Copan é um belo exemplo de uma habitação em uma ideia de cidade para todos.

    P. Faltam mais Copans em São Paulo?

    R. Sim. E, portanto, o que fazer ali [no Parque Augusta], se é um jardim ou não, é uma outra questão. O que deveria ser feito é tornar aquele terreno disponível. Eu tenho a impressão de que o projeto ideal seria qualquer coisa gênero Copan. Habitação para todo mundo, com escolas para as crianças, etc. O projeto ideal pode não ser um grande parque, mas também com certeza não é construir prédios e dizer que vai preservar um percentual de área verde, essa besteira…

     

     

    1. Boas respostas

      Porquê não vemos o Paulo Mendes da Rocha mais amiude na imprensa ? Porque essas respostas ai – a verdade nua e crua da sociedade que somos – não interessa ser revelada “por eles”. Preferem fazer essas materiazinhas mequetrefes, colocando uns contra os outros, enganando os desavisados e atiçando os anti-qualquer mudança. A velha luta de classes. 

  3. O que tenho observado é o

    O que tenho observado é o aumento de Bikes em alguns locais e em outros não.No meu ponto de vista faltou critério pra escolher as ciclovias. E isso se nota facilmente.Nada impede de diminuir ciclovias,

         O mesmo acontece com corredores de ônibus.Há corredores pra apenas duas linhas que passam de meia em meia hora.Tbm em ruas estreitas e curtas não há necessidade dos corredores.

           Irei citar 2 casos na Agua Rasa: Rua do Acre ( 2 linhas ) e rua agua rasa ( estreita e com uns 200/250 metros ).Evidente  que há dezenas e dezenas de casos parecidos..

            Em linhas gerais eu aprovo a ideia de ambos ,mas está faltando um pouco de ‘ajustamento”.

            

    1. 80% das pessoas usam

      80% das pessoas usam transporte coletivo e só tem 20% do espaço das ruas para se locomoverem. Quando a conta estiver com 80% das pessoas utilizando 80% do espaço, pode-se, eventualmente, pensar em abrir espaço para veículos particulares.

  4. Crise

    Vi de relance e com o nariz tapado para o mau cheiro enquanto esperava a consulta médca: a revistinha do esgoto fala em crise de agua como de “muitas” metrópolis “entre” as quais spaulo. Logo em seguida fala da “grave crise energética” por falta de “providências” da Dilma. Inverteu tudo, tudo , na maior cara de pau.

    A rvistinha do esgoto faz um jornalismo(?) de esgoto. Inqualificável. Falseia, mente, distorce, esconde. Porque os jornalistas se prestam a este serviço podre?

    1. Também tive a mesma

      Também tive a mesma impressão. SSobretudo depois do “Me surpreende que a Veja São Paulo, que sempre teve posicionamento e qualidade jornalística…”

  5. OOOOUUUUUUUUU!!!
    Parabéns

    OOOOUUUUUUUUU!!!

    Parabéns pela matéria. É muito bom quando lemos um texto de alguem que entende do assunto, em contraposição de panfletos facistas.

     

  6. Cada artigo do PIG, eivado de

    Cada artigo do PIG, eivado de falácias, malícias e meias verdades, demanda esse exaustivo e desgastante processo de desmonte.

    E isso é assim também em todas as áreas em que importa a argumentação e a retórica, como no direito.

    Mas no direito, pelo menos existe a transparência de se saber para quem cada um advoga.

  7. A revista veja, tem dois

    A revista veja, tem dois assuntos recorrente, o primeiro é falar mal do PT e seus governantes, e o segundo é fazer propaganda disfarçada de matéria para a indústria dos remédios para emagrecer.

    E com isso ela e o resto da mídia corporativa, vão formando um exército de zumbis intelectuais incapazes de buscar a verdade por outros meios e tomam o que essa gente diz como verdade pronta e acabada.

    Pobre do país que tem uma imprensa tão podre como a nossa, faz o povo lutar contra seus próprios interesses e em defesa de interesses privados.

  8. Enquanto isso. naquela

    Enquanto isso. naquela fábrica de peças para motos, num subúrbio da paulicéia:  “O chefe mandou dizer que chegará mais tarde, por causa do engarrafamento e que a gente vá tocando o serviço”.  Observação sutil da moçada: “por que não faz como a gente? Usa bicicleta…     

  9. Entendendo a Veja

    A Veja tem raiva das ciclovias pelo seguinte: obtusos como são, acham que quem usa as ciclovias ou é pobre, que não tem dinheiro pra comprar carro, ou então é um esquerdista metido a alternativo, querendo pagar de ecologista.

    Dois tipos que eles odeiam…

    1. Alan, a Veja discorda das

      Alan, a Veja discorda das ciclovias simplesmente por que é obra de um prefeito do PT. Fosse ele do PSDB e estariam cobrindo de glórias. São Paulo não tem água por incompetência e irresponsabilidade do Gov ernador do PSDB, partido que governa o estado há 20 anos. O que Veja e demais imprensa pensa sobre isso: “o problema é falta de chuva”. Essa é a hipocrisia de Veja e é por isso oque condena a ciclovia.

       

  10. Conta de padaria…

    Ninguém precisa de cronômetro e contador para medir o uso que se faz destas ciclovias. Parem em qualquer trecho em qualquer horário do dia e observem voces mesmos. Depois sejam sinceros com voces mesmos para avaliar se a piora no trânsito de fato compensa.

    1. Contagem de ciclistas

      Senhor Marcotog,

       

      Não conheço vossa rotina, por isso não vou me ater ao detalhe de que dispos de “…mais de meia hora…” do seu tempo, afinal ele é seu!

      No entanto os ciclistas que o Senhor NÃO VIU, em sua maioria trabalham e, muitas vezes LOOONGEEE!! Para chegar no horário no trabalho eles constumam sair cedo de casa.

      Experimente “perder mais de meia hora” entre as 5p5 e 6p0 da manhã no mesmo local. Aí poderemos discutir a utilização ou não da ciclovia.

      Eu vou trabalhar de bike TODOS OS DIAS, faça chuva, faça sol. Foi uma questão de saúde e de ideologia (despertada, aliás, pelo autor da matéria William Cruz). Mas só vai me ver esporadicamente nas ciclovias de São Paulo, pois moro e trabalho no ABC, onde NÃO TEM ciclovia. Onde bicicleta é tratada como LAZER.

      Para mim, e para muitos ciclistas pelo Brasil, BICICLETA É TRANSPORTE! Um meio de locomoção! E não venha me falar que é um meio barato, pois exige manutenção, substituição de peças… e HAJA IMPOSTO!! Não temos redução de IPI e outras facilidades. Culltura tacanha que privilegia os automóveis em detrimento da saúde, do convívio e do bem estar.

      PS. Venha pedalar conosco um dia e se apaixone! Há muitos rolés e grupos no Facebook. Abraços.

    1. É um mistério o método que a

      É um mistério o método que a DataFolha utilizou para fazer os cálculos. Além disso, nesse dias tivemos muita chuva, no dia 4, choveu o dia inteiro. E a matéria não foca na estatistica (questionável). A FSP tenta vincular a queda de popularidade ao menor uso da ciclovia e com as manifestações de 2013. Também menciona que os problemas podem estar baixando a popualridade do Haddad e os principais quesitos seriam Segurança Pública e Colapso Hídrico. Ou seja, fica muito claro qual era o objetivo da reportagem.

    2. É um mistério o método que a

      É um mistério o método que a DataFolha utilizou para fazer os cálculos. Além disso, nesse dias tivemos muita chuva, no dia 4, choveu o dia inteiro. E a matéria não foca na estatistica (questionável). A FSP tenta vincular a queda de popularidade ao menor uso da ciclovia e com as manifestações de 2013. Também menciona que os problemas podem estar baixando a popualridade do Haddad e os principais quesitos seriam Segurança Pública e Colapso Hídrico. Ou seja, fica muito claro qual era o objetivo da reportagem.

  11. respeito a faixa de pedestres

    É apenas um pedido aos amigos ciclistas, você poderiam respeitar (alguns) a faixa de pedestres como os carros, eu por ex. já fui a o atravessar a faixa, surpreendido por  bike que vem lá de traz dos carros parados e tira uma fina dos pedestres e vai embora, se ele tivesse uma chapa identificadora como os carros com certeza não faria isso, quando a punição quando atinge o bolso das pessoas elas resolvem ser corretas, obrigado

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