Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Mercosul: Milei pode propor tratado de livre comércio com os EUA e até mesmo sair do bloco

Argentina poderia forçar a discussão para iniciar tratativa de modo individual com os Estados Unidos, disse politólogo argentino.

Mercosul: Milei pode propor tratado de livre comércio com os Estados Unidos e até mesmo sair do bloco

por Maíra Vasconcelos, especial para Jornal GGN

Com uma acentuada postura confrontativa e em prol de repetir a cartilha das extremas-direitas globais, o governo do extremista Javier Milei promete um novo capítulo de enfrentamentos em matéria de política exterior. Agora, como próximo país a ocupar a presidência pro tempore do Mercosul, recebida das mãos do governo uruguaio, fala-se sobre a possibilidade de que a Argentina abandone o bloco regional e proponha individualmente um tratado de livre comércio com os Estados Unidos (EUA). Também, o governo Milei poderia propor o acordo de liberalização no âmbito do Mercosul, ainda que ciente da possível recusa do governo brasileiro. Mas, desse modo, forçaria a discussão entre os países para poder fechar o acordo de modo individual. 

“Não acho que seja algo que se possa materializar, porque o Brasil não vai aceitar. O que o governo argentino pode fazer é propor como uma forma de forçar os demais países a dizer que não. E, em todo caso, a Argentina faria de maneira individual. Se é que o país quer assinar esse acordo”. As considerações são do politólogo argentino Alejandro Frenkel, doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Buenos Aires (UBA).

“As implicâncias seriam com o governo de Donald Trump, que tem uma política de extorsionar os países com os quais tem acordos internacionais. Além do mais, seria um posicionamento muito marcado do Mercosul a favor dos EUA, considerando a competição entre China e EUA. Não vejo como algo viável”, analisou Frenkel.

Além de marcar uma linha política em sua atuação no Mercosul, a Argentina seguiria com tratativas para outras negociações internacionais, que já estariam em curso. “Acho que a Argentina vai avançar na ideia de seguir com negociações internacionais, sobretudo com a União Europeia. Acredito que também vai impulsionar outros acordos de livre comércio. Há acordos sendo negociados com a Coreia do Sul, outro com Singapura”, afirmou Frenkel. 

Nas relações com os países da região, como Brasil, Chile e Colômbia, se vê de forma mais acentuada o modo como o governo dos “libertários” submete as decisões de política internacional às suas políticas de extrema-direita. Quer dizer, o governo Milei atua de acordo com a afinidade político-ideológica que possa vir a ter ou não com cada governo. Isso determina uma postura e uma visão política de curto prazo e submetidas a interesses partidários do governo de turno, analisou Frenkel.  

O cientista político comentou a ausência da Argentina durante o evento acontecido no Vaticano, há duas semanas, em homenagem aos 40 anos do tratado de paz e amizade assinado, em 1984, entre Argentina e Chile, dando início à resolução dos conflitos entre os dois países, que quase entraram em guerra, em 1978. O governo Milei decidiu não participar, pelas divergências com o atual governo de Gabriel Boric.

“Isso foi criticado por vários ex-chanceleres da Argentina, de diferentes partidos. Pelas diferenças com um governo atual não assistir a algo que transcende governos, que tem a ver com um rito importante na relação entre Argentina e Chile”, pontuou Alejandro Frenkel. 

O governo Milei tem proposto rupturas inéditas em assuntos tradicionais da política exterior argentina. Por exemplo, nas Nações Unidas, o presidente não condenou o bloqueio à Cuba. Postura histórica que vinha sendo mantida pelo país. Mas, finalmente, a votação argentina contra o embargo significou a expulsão de Diana Mondino, ex-chanceler. Milei chegou a chamar de “traidores da pátria”, os diplomatas argentinos que votaram contra o bloqueio.

Tem sido uma atitude constante, que governos de extrema-direita tentem intervir ideologicamente nas ações do corpo diplomático do Estado. Recentemente, Milei emitiu um comunicado dizendo que seriam “demitidos”, ou despromovidos, aqueles diplomatas que não se alinham às ideias de condução da política externa do governo. Também aqueles diplomatas que questionam seu alinhamento irrestrito à Israel e Estados Unidos, Milei os agrediu, acusando-os de “viverem uma vida parasitária”, e de serem “um bando de imbecis que pensam que podem gerir a vida de todo o resto”.

G20: “um banho de realidade para o governo”

Em fóruns internacionais, como o G20, o governo teve que frear suas posturas, devido a limitações tanto do governo como do próprio país. Em atitude mais moderada para os padrões da cartilha de atuação das extremas-direitas globais, e apesar das ressalvas à Agenda 2030, a Argentina assinou a declaração final do G20.

O fórum internacional “foi um banho de realidade para o governo”, que ponderou sua comum postura de confrontação, ao perceber que corria o risco até mesmo de ser expulso do grupo dos 20 países, comentou o cientista político argentino Alejandro Frenkel. “Argentina não tem capacidade, nem peso internacional para assumir uma posição tão dissidente em um fórum internacional”, disse Frenkel.

Por outro lado, internamente não há um apoio à postura de confrontação e rompimento do governo Milei em matéria de política exterior. Suas ações são questionadas não apenas pela oposição, o kirchnerismo ou o peronismo, segundo Frenkel, que compara também suas posturas com a condução da política exterior durante os anos de governo do ex-presidente de ultra-direita Jair Bolsonaro (2019-2022).

“Há uma visão dentro da comunidade de relações internacionais de que Milei assume uma posição rupturista, desarmando alguns pontos que são constantes na política exterior argentina. Assim como aconteceu no Brasil com o Itamaraty, que em seu momento também suscita que Bolsonaro, de alguma maneira, estava desarmando, eliminando, quebrando muitas das tradições ou alguns alinhamentos tradicionais da política exterior brasileira. Na Argentina está acontecendo algo parecido”, comparou. 

Também aqueles setores partidários mais alinhados com a política de Javier Milei têm condenado as posturas do governo em relações internacionais. “Inclusive alguns setores mais ligados ao macrismo (ligados ao ex-presidente Mauricio Macri), ou ao radicalismo (corrente política criada pelo partido União Cívica Radical – UCR) que apoiam o governo em muitas coisas, mas dizem “aqui isso está indo longe demais”. Então, acho que há uma mirada de que em política exterior o governo Milei está demasiado extremo”, analisou Frenkel. 

Maíra Vasconcelos é jornalista e escritora, de Belo Horizonte, e mora em Buenos Aires. Escreve sobre política e economia, principalmente sobre a Argentina, no Jornal GGN, desde 2014. Cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina (Paraguai, Chile, Venezuela, Uruguai). Escreve crônicas para o GGN, desde 2014. Tem publicado um livro de poemas, “Um quarto que fala” (Urutau, 2018) e também a plaquete, “O livro dos outros – poemas dedicados à leitura” (Oficios Terrestres, 2021).

3 Comentários

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  1. Os acordos vão sempre ficar em risco com os líderes atuais que acham que a história começa com eles.

    O Mercosul parece fadado a morrer.

    Restaria ao Brasil os BRICS e renunciar ao mercado americano e europeu ?

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