
Universidade pública em alerta, vigília e protesto em toda a Argentina
por Maíra Vasconcelos
Especial para Jornal GGN
As aulas a céu aberto têm sido uma constante na porta das faculdades; muitas estão ocupadas por tempo indeterminado, segundo decisões de assembleias realizadas semanalmente. No último 22 de outubro, aconteceram mais de 100 aulas públicas na Praça de Maio.
O sistema de ensino universitário público e gratuito e de investigação científica tem sido um dos principais alvos de ataques verbais e medidas de ajuste financeiro do governo extremista de Javier Milei. Como resposta, ao menos desde início de outubro, diversas faculdades da Universidade de Buenos Aires (UBA) e de todo o país estão ocupadas, em estado de vigília, alerta e com assembleias permanentes. As carteiras escolares foram colocadas nas calçadas, os alunos fazem da rua o espaço de aula, ocupam os corredores, dormem nas salas, se responsabilizam pela segurança e limpeza dos edifícios. Centros estudantis, sindicatos de docentes e não-docentes, mobilizam-se em toda a Argentina contra as medidas de desfinanciamento da educação pública, promovidas pelo atual governo.
“Gostaria que o governo que hoje está na condução do nosso país nos escute, veja e entenda que o único que queremos é o necessário para continuar funcionando. Algo digno. A educação pública não é mais um gasto, uma conta de água ou luz, é um investimento futuro”. Priscila Vitale, 26, presidenta do centro de estudantes da Faculdade de Psicologia da UBA, estava na porta da faculdade, na Avenida Independência, conversando com colegas e organizando atividades em meio à ocupação do edifício. Está prevista uma marcha federal, em novembro, como a que marcou o 23 de abril deste ano, o ato mais contundente contra o governo Milei.
As aulas a céu aberto na porta das universidades, como modo de protesto, passaram a ser uma constante. Isso, desde a aprovação na Câmara dos Deputados do veto presidencial à Lei de Financiamento das Universidades Públicas, no último 9 de outubro. Aprovado graças a aliança entre o partido de governo, “A Liberdade Avança” (LLA), e o partido do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), o “Proposta Republicana” (PRO). Além do mais, o governo pretende aprovar o orçamento de 2025, que está em discussão, sem o correspondente aumento ao setor da educação pública.
A Faculdade de Filosofia e Letras (FILO-UBA), localizada na rua Puan, no bairro de Caballito, em Buenos Aires, está ocupada e uma estudante, responsável pela portaria, controla a entrada e a saída de pessoas do edifício. O interior e a fachada da faculdade estão cobertos por faixas, cartazes, “só entra se for ao banheiro, ao bar ou tirar xerox”, além da divulgação dos dados bancários para doação aos estudantes em vigília. A presidenta do centro de estudantes da FILO, Isabel Gonzalez Puente, 23, contou sobre as três exigências ao governo nacional.
“Que o orçamento de 2025, que será aprovado este ano, inclua um aumento para as universidades públicas. Que seja convocada uma mesa de debate com docentes e não-docentes para aumento salarial. E que a ministra Pettovello (ministério de Capital Humano) e o secretário da Educação recebam os centros de estudantes e os grêmios e se responsabilizem por esse conflito, que já dura dez meses”. Isabel Puente é estudante de Ciências da Educação e militante no espaço “La Mella” (Pátria Grande).
Ao assumir o governo, em 10 de dezembro de 2023, em uma de suas primeiras medidas, o governo eliminou o ministério da Educação, rebaixado assim à secretaria, estando vinculada ao chamado ministério de Capital Humano, que agrupa também Cultura, Trabalho, Criança e do Adolescência. Outra medida contra o sistema público educativo foi quando o governo, em julho deste ano, oficializou a eliminação do chamado Fundo Nacional de Incentivo ao Docente (FONID, sigla em espanhol). O Fundo determinava um item orçamentário para complementar o pagamento dos salários dos professores (responsabilidade das províncias).
A estudante de Licenciatura em Artes, da Faculdade de Filosofia e Letras da UBA, Belén Gutierrez, 24, lembra que a faculdade esteve ocupada por 28 dias, durante o governo de Mauricio Macri. Mas Gutierrez, que também participa da agrupação estudantil “Tesis 11”, do partido MST (Frente de Esquerda), considera que o governo Milei tem avançado como nenhum outro governo sobre o sistema público universitário.
“Não vivemos um ataque tão centralizado e pensado para a educação pública como está fazendo esse governo, não é somente de orçamento, mas também é ideológico. Instalaram um discurso de que a educação pública não serve para nada, e que é às custas da fome das pessoas que nós podemos estudar na universidade pública”, disse Gutierrez, que também estava nas dependências da faculdade de Letras organizando as atividades da ocupação.
Nesta semana, a Praça de Maio foi ocupada por mais de 100 aulas públicas, entre às 10 da manhã e até às 18 horas. Também as imediações do Congresso foram palco para novos protestos e aulas a céu aberto.
Em um evento oficial, no último 12 de outubro, Milei aproveitou para reafirmar o discurso anti-universidade pública. “A Universidade Pública Nacional, hoje em dia, não serve para ninguém além dos filhos dos ricos e da classe média alta”. De acordo com os últimos dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censo da República Argentina (INDEC), 42,3% dos estudantes universitários provêm dos quatro estratos mais baixos da sociedade. Desses estudantes, a maioria (90,91%) frequenta universidades públicas, segundo dados do Chequeado.com, site especializado em checar dados, notícias e informações.
Maíra Vasconcelos é jornalista e escritora, de Belo Horizonte, e mora em Buenos Aires. Escreve sobre política e economia, principalmente sobre a Argentina, no Jornal GGN, desde 2014. Cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina (Paraguai, Chile, Venezuela, Uruguai). Escreve crônicas para o GGN, desde 2014. Tem publicado um livro de poemas, “Um quarto que fala” (Urutau, 2018) e também a plaquete, “O livro dos outros – poemas dedicados à leitura” (Oficios Terrestres, 2021).

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