
Banco Central meio fora de eixo
por André Motta Araujo
Parecem meio fora do tom, típicos de quem precisa mostrar serviço no começo do emprego, os opróbrios de Lula contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto – economista com pinta de galã, mas sem a aura de sapiência do lendário avô.
Quando ouço um alto dirigente, e agora Lula, descer a lenha na atual taxa de juros estabelecida pelo Comitê de Política Monetária do BC, estacionada há três meses na casa dos 13,75%, costumo tirar da gaveta meus extratos bancários – com saldos eventualmente negativos. Se estiver num período de tendência ao sadomasoquismo – mais no sufixo que no prefixo – calculo as taxas de juros impostas pelo banco credor ao final do mês. Nunca menores do que 15% ao mês. Reforço: a do COPOM do BC é 13,75% AO ANO. O dos agiotas oficiais, 15% AO MÊS. E lembro que há financeiras bilionárias cobrando 25% AO MÊS pelos trocados que empresta. E Viva o Palmeiras – se é que me entendem.
Ok, a acusação de Lula é pertinente, partindo do presidente da República, a quem faculta uma crítica desse teor. O que está em jogo, no caso, não são cédulas e moedas, juros e inflação. O problema, ou o foco das discórdias, está nos respectivos papéis – no caso, atribuições, não cédulas, de BC, COPOM, poder público e etc. Nesta era de nossa Economia, ainda vivemos eventualmente na idade pré-papel. Começo pela História – a eterna progenitora dos grandes conceitos.
A história do BC americano é completamente diferente dos demais BCs. Criado em 1913 pelo presidente Wilson, o FED teve inscritos nos seus estatutos o poder total do primeiro mandatário norte-americano e duas tarefas dos governantes da vez: pleno emprego e estabilidade da moeda. Em 1931, o presidente Roosevelt demitiu o então presidente do FED, Eugene Meyer (cuja filha, Lally Graham, seria por mim convidada a entrevistar Lula e Dilma em suas respectivas eleições). Outro comandante do FED, Thomas McArby, foi demitido pelo presidente Eisenhower por telefone. O que está por trás dessas histórias é que o FED é um instrumento do poder e não de política monetária autônoma e independente.
As escolas de política econômica, como o neoliberalismo, não têm muita importância nos EUA – e, entre essas, a escola de Milton Friedman está morta e enterrada faz mais de 40 anos. Não se sabe por que ainda tem tanto destaque no Brasil, especialmente após a morte de seu criador. São modelitos com o sentido de estarem na moda, mas nem deveriam ser ainda citados. Política econômica é política de Estado – e não de uma parte dele. A noção de uma “Faria Lima” impositiva é ridícula, porque a versão americana e britânica é uma escola defunta a partir das mortes de Friedman e de Tacher.
Visões de Estado jamais deveriam ter como pano de fundo uma escola de Economia, porque Estado é uma coisa muito maior. Dólar e real foram criados pelo Estado, mas o dólar é o único a ter aceitação mundial – uma ferramenta geopolítica decorrente e dependente do Estado mais poderoso do globo. No board de decisões econômicas dos Estados Unidos, buscam-se opiniões conflitantes, de preferência adversários. E, paralelamente, nosso BC ainda está operando como se fosse um país das mesma dimensões geopolíticas que os EUA e formado por iguais em ideologia, que precisam impor aos 210 milhões de brasileiros taxas e índices.
Não conheço a fundo Roberto Campos Neto. Não posso garantir ou desmentir que tenha herdado a competência e o brilho intelectual do avô. Todo mês almoçávamos em Brasília ou no Rio – onde, em seu apartamento duplex, ele mantinha uma pinacoteca com uns 200 quadros 5 estrelas – uma galeria muito mais vasta e poderosa do que nossa economia. RC tinha a exata noção dos limites de entidades como o BC – pelo predomínio do Estado nesse contexto verdadeiramente nacional. Em nossos almoços, ele invariavelmente deixava transparecer sua paixão pelo cinema – especialmente por Hollywood na época da Segunda Guerra e, particularmente, pelos oito donos dos principais estúdios na época, todos baixinhos e judeus. Uma época em que o poder do Banco Central não era uma espécie de cinema independente, mas derivava dos produtores da moeda – o Estado.
Para uma visão mais abrangente desse complexo cenário, tente, se puder, encontrar meu livro MOEDA E PROSPERIDADE (Ed. Topbooks), 900 páginas. Lula não vai ler – mas sua queixa contra a taxa do COPOM soou pertinente, embora não suficientemente poderosa.
Andre Motta Araujo – Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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AMA, excelente artigo!
Tava sumido, mas tá vivo. E quem está vivo sempre aparece
Desde que banqueiros, na prática assumiram o governo da Inglaterra (por extensão do Reino Unido) que essa mania de governar, só para si, através dos bancos centrais não cessou; em contrário. Quase todas as guerras depois da Guerra do Ópio (fundação do HSBC) teve a banca por trás, de olho no dinheiro fácil, até mesmo a Guerra da Crimeia e as manias protecionistas de independência dos russos em relação ao seu Banco Central.
Bom e necessário retorno, André.
Do governo Lula, com um bom começo, vejo a espera de 523 anos para ver o “bolo crescer” e a repartição ao povaréu.
Vamos esperar os 2 anos que faltam ao “cidadão” para que uma autarquia se integre ao restante do Executivo. Excrecência do “temeroso”.
Com o poder de Presidente aguarda pacientemente que a mídia lhe dê espaço.
Como já foi dito:
– quem sabe faz a hora não espera acontecer.
Parabéns Nassif, por trazer de volta esse grande Missivista!
Por favor André, não nos deixe sem seus ótimos pitacos!
Mário Mendonça
Agradecendo também a Lourdes, via MSG, por tanta cobrança pela volta do AMA!
Um jornal como o GGN não pode ficar sem esse articulista.
Que Otimo voltar a ter a coluna do Andre Araujo!!!
Que prazer voltar a ler as análises aprofundadas do André Araújo!!
A PIOR INFLAÇÃO PARA O ASSALARIADO, É PERDA DO EMPREGO.
NA MINHA OPINIÃO, O BCB TEM COMO META PRINCIPAL,IMPOSTA PELO FAMIGERADO MERCADO, É O LUCRO FÁCIL. EMBORA EXISTA, O COMBATE À INFLAÇÃO SERVE COMO DESCULPA E PARA NÃO FRUSTAR A PERSPECTIVA DE LUCRO.
Pensei que não ia voltar mais. Felizmente, estava enganado. Parabéns, Nassif, por essa reconquista.
Pensei que não ia voltar mais. Felizmente, estava enganado. Parabéns, Nassif, por essa reconquista.
Abraço, André!
Infelizmente a política monetária parece ser o calcanhar de Aquiles do novo governo.
No entanto a midia mainstream faz coro pra salvar o presidente do BC e o “coitado” do mercado.
A mesma palhaçada de sempre…