Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Defesa midiática das “dancinhas” reatualiza a velha retórica da ditadura militar sobre a Seleção, por Wilson Ferreira

Culpada é a grande mídia e indústria publicitária, sempre reatualizando a tese daquele velho editorialista na ditadura militar.

Defesa midiática das “dancinhas” reatualiza a velha retórica da ditadura militar sobre a Seleção

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Toda a polêmica em torno das “dancinhas” dos jogadores da Seleção fez esse humilde blogueiro lembrar de uma outra polêmica: a desse blogueiro com o artigo “Justiça Social e Felicidade” do editorialista do “Estadão” Gilberto de Mello Kujawski, há 40 anos. Para ele, felicidade e justiça social nada teriam a ver, já que o brasileiro supostamente sempre foi feliz com o bolso vazio. A cada Copa, esse discurso da ditadura militar é reatualizado: a Seleção como um espelho da alma do brasileiro. Portanto, a criatividade coreográfica dos brasileiros refletiria essa alegria indômita, representada em vídeos publicitários mostrando jogadores amadores em favelas também dançando e fazendo acrobacias com a bola. Porém, esse discurso está entrando em choque com a “neymarização” da Seleção: esportistas que agora almejam ser jogador-celebridade, voltando seus atos à produção de conteúdo de ostentação para as redes: das “dancinhas” estilo tik tok ao consumo de bifes folheados a ouro. Não jogam mais para as arquibancadas, mas para as redes sociais. Mas eles não são os culpados. Culpada é a grande mídia e indústria publicitária, sempre reatualizando a tese daquele velho editorialista na ditadura militar.

Lá pelos idos de 1981, este humilde blogueiro criou uma polêmica com o editorialista do “Estadão”, Gilberto de Mello Kujawski, que então publicara no “Jornal da Tarde” (extinto veículo que pertencia ao mesmo grupo jornalístico) um artigo intitulado “Justiça Social e Felicidade”, em que o articulista se mostrava preocupado com o Rio de Janeiro ao constatar que o Rio do passado “alegre, descontraído, lúdico, a cidade sereia banhada pela graça das seduções tropicais” não seria mais o mesmo graças à “violência urbana, deterioração cultural e social que aí habita”.

Nos meios dezenove anos e no segundo ano da faculdade de Jornalismo, fiquei inconformado com as críticas que Kujaswski fez então contra as “tentativas” de explicação desse fenômeno como de caráter econômico como falta de dinheiro, pauperização da classe média e dos trabalhadores que, segundo ele, eram “mecânicas e automáticas”. Para ele, não existiria conexão entre Justiça social e felicidade: o carioca sabia ser feliz com o bolso vazio no passado “porque esse problema sempre foi crônico no país”. Para Kujawski, “a classe mais ruidosamente festiva da capital carioca era, precisamente, a mais desassistida, a população do morro. Era dali que o júbilo carnavalesco descia no pé do sambista”. Justiça social não traria necessariamente felicidade.

Inconformado, este humilde blogueiro escreveu uma resposta para a sessão de cartas dos leitores chamada “São Paulo Pergunta”. Uma resposta inspirada nos argumentos materialistas históricos de Andrew Ure em seu livro “The Philosophy of Manufactures (1835) que reivindicava a felicidade como intrínseca à justiça social numa época em que milhares de operários ingleses habitavam fétidos porões contaminados por cólera e se sujeitavam a jornadas de trabalho extenuantes de 15 horas.

O editorialista do Estadão não pareceu ter gostado muito. A resposta veio numa edição especial de sábado, ocupando meia página. Com maus bofes, além de, previsivelmente, tentar desautorizar o interlocutor, terminou com uma recomendação prá lá de ambígua: “Já que o sr. Wilson escreve de Santos, aconselho que vá à Ponta da Praia refrescar um pouco à cabeça…”. Sabendo-se que, em meio à ditadura militar em 1981, “Ponta da Praia” era uma gíria para nomear o lugar para execução de prisioneiros políticos.

A reatualização de um velho discurso

Toda a polêmica do momento envolvendo as “dancinhas” dos jogadores da Seleção, na comemoração dos gols na Copa do Catar, acabaram por me fazer lembrar dessa curiosa polêmica com um articulista do “Estadão”, há pouco mais de 40 anos. Mas, principalmente, a constatação de como, décadas depois, esse argumento de dez em cada dez articulistas de veículos conservadores da época da ditadura militar volta à tona nesse momento – não de uma forma tão explícita, quanto o do artigo do sr. Kujawski. Mas, agora, sob a linguagem progressista e politicamente correta do identitarismo do neoliberalismo progressista, que atualmente pauta a grande mídia. Vinda diretamente dos “novos democratas” da Era Biden.

Antes mesmo da Copa, as dancinhas do jogador brasileiro Vinicius Jr., ao comemorar seus gols no Real Madrid, já eram alvo de críticas do presidente da Associação Espanhola de Empresários de Jogadores, Pedro Bravo, em uma mesa redonda televisiva: “devia deixar de fazer macaquices”, afirmou. E agora, em plena Copa, foi a vez do ex-jogador da seleção da Irlanda e ídolo do Manchester United, Roy Keane, tecer críticas das comemorações brasileiras: “desrespeitosas”.

“Eu sei que tem o ponto da cultura, mas acho realmente desrespeitoso com o adversário. São quatro (gols) e eles fazem toda vez. A primeira dancinha, ou seja lá o que façam, tudo bem. E então o técnico se envolve. Não fico feliz com isso. Não acho isso nada bom”, detalhou o ex-jogador.

A expressão de concessão (“eu sei que tem o ponto de cultura”) parece ser o álibi usado nessa polêmica em defesa da criatividade coreográfica dos jogadores da seleção – das dancinhas estilo tik tok à “dança do pombo”, prestigiada até pelo técnico Tite. Novamente, o argumento de dez em cada dez articulistas esportivos da grande mídia é que a coreografia a cada gol da seleção seria a expressão das raízes culturais africanas brasileiras – uma alegria lúdica e descompromissada que, por fim, estaria na própria base cultural do esporte mais popular no Brasil.

Essa suposta alegria indômita dos jogadores brasileiros (incompreendida pelo racismo de setores do meio futebolístico europeu) parece ressuscitar os velhos argumentos do sr. Kujawski sobre a intransitividade entre justiça social e felicidade: haveria um caráter atemporal e imaterial do brasileiro pelo lúdico, a alegria, a festa e, por fim, a felicidade.

O sincronismo em toda essa polêmica reacendida por Roy Keane (quando jogador não era exatamente um partidário da alegria no futebol, porque sempre mirava, no adversário, a jugular para cima) veio com as imagens nas redes sociais do ex-jogador Ronaldo Fenômeno ao lado de Vinicius Jr., Éder Militão, Bremer, Gabriel Jesus em uma churrascaria em Doha. Churrascaria do excêntrico empresário pop turco Salt Bae. “Qualidade nunca é cara”, legendou o chef turco a foto da conta dos jogadores, postada nas redes, no valor de quase um milhão de reais. A principal iguaria, o bife coberto por ouro 24 quilates ao custo de cerca de R$ 9 mil. 

Claro que nesse mesmo restaurante já estiveram jogadores da seleção da Espanha e a estrela polonesa Robert Lewandowski. Porém, foi sincrônico o consumo ostentatório (não há outra definição para essa excentricidade gastronômica) de estrelas da Seleção em meio a polêmicas das coreografias brasileiras.

Continue lendo no Cinegnose.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

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  1. Na verdade tudo depende do resultado….o Brasil não sabe disputar um torneio desses, são três jogos classificatórios e quatro eliminatórias, ou seja, as chances de ser eliminado são maiores, então o foco tem que ser total na competição, mas a seleção parece que vai passear, leva o gato, o cachorro, a vovó, os filhinhos, os primos, os parcas, as amantes, a esposa……todos tem que ficar em.casa! Foram vinte dias até ontem, alguém vai morrer se ficar longe por esse tempo concentrado??? Levam todo esse séquito quando disputam campeonatos por seus clubes??? Não…por que na seleção tem que ser diferente…

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