Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A bomba autorrealizável da PEC; Brasil renitente de Olivetto; infotenimento demite Casagrande, por Wilson Ferreira

A ansiosa e impaciente cobertura da mídia corporativa pela aprovação da “PEC Kamikase” é a reedição de uma psyOp que deu certo no golpe de 2016

do Cinegnose

por Wilson Ferreira

Com o fim da “esperança branca” da Terceira Via, restou para a grande mídia Bolsonaro mesmo! Porém, não está fácil. Depois de passar esses últimos anos acusando o chefe do executivo de ser negacionista, extremista, golpista e mostrar “colonistas” chorando ao vivo pela morte de pessoas sem UTIs durante a pandemia, como apoiar Bolsonaro? Como evitar expor a jogada de “morde-assopra” da mídia nos últimos tempos? A ansiosa e impaciente cobertura da mídia corporativa pela aprovação da “PEC Kamikase” é a reedição de uma psyOp que deu certo no golpe de 2016:  a bomba semiótica autorrealizável, executada em três fases que a grande mídia tentará pôr em ação até as eleições – aparência, percepção e crença. Enquanto isso, o Brasil renitente do velho milagre econômico da ditadura militar (que se aliou com o Brasil Profundo), e que pariu a publicidade brasileira, dá as caras: um artigo inacreditável de Washington Olivetto em “O Globo”. E, por fim, a demissão de Casagrande da Globo, pelos 75% de aumento das verbas publicitárias de Bolsonaro na Globo e o domínio do infotenimento no jornalismo.

CNN cobrindo ao vivo a votação da chamada PEC Kamikaze (aquela que cria estado de emergência e dribla a legislação prevendo liberação de benefícios sociais em pleno ano eleitoral) com uma repórter nas galerias da Câmara dos Deputados; ao mesmo tempo em que a Globo News tinha, também ao vivo, além de um repórter, a “colonista” Ana Flor fazendo comentários.

Se a velha memória desse humilde blogueiro não trair a última vez que vi tamanha mobilização ao vivo para acompanhar votações no Congresso foi na sessão que selou o destino da presidenta Dilma Rousseff com o impeachment, em abril de 2016.

Mas, para surpresa de todos, o presidente da Câmara, Arthur Lira, vendo o quórum baixo da sessão, por garantia adiou a votação para a próxima terça-feira. Mesmo depois da sessão relâmpago de um minuto às 6h30 da manhã, em comissão da Câmara, para a aprovação do texto à toque de caixa para agilizar aprovação que esperava-se no mesmo dia.

Mas não veio. Na CNN, o apresentador do Prime Time, Márcio Gomes, gaguejou… “Que aconteceu Ricardo! Que reviravolta é essa aí!”, perguntou incrédulo César Tralli na “Edição das 18” da Globo News. Câmera ao vivo fechada no presidente da Câmara Arthur Lira, ao telefone celular, sozinho na mesa diretora, enquanto Tralli, em tom de velório, descrevia: “Olha a cara do Arthur Lira de preocupação… a expectativa era tremenda, era enorme, a aprovação era praticamente certa por vários analistas… tudo o que o governo não queria…”.

Poderíamos perguntar: expectativa tremenda de quem, cara pálida? Desde o impeachment de 2016 e dos leilões de privatizações, não consigo lembrar de tamanha torcida da grande mídia, mascarada por um discurso aparentemente crítico, acusando a PEC de “eleitoreira” ou “populismo eleitoral”.

Nas horas subsequentes à decepção, o discurso foi: (a) culpar a oposição de ter adiado propositalmente a votação (sabemos que, historicamente, quando a base do governo se dispersa numa votação decisiva, é jogada chantagista para arrancar do governo ainda mais “benefícios”); (b) alinhamento do discurso de todos os “colonistas” no seguinte sentido: “PEC Kamikaze deve ser aprovada na semana que vem, não há como oposição segurar!”.

Coincidentemente, “colonistas” como Andreia Sadi começaram a acionar a “correia de transmissão” das notas plantadas de bastidores (o estado da arte do “agrojornalismo”): “bastidores de Lula trabalha com segundo turno contra Bolsonaro”, crava a “colonista” na Globo News. Ao mesmo tempo, o último levantamento da Genial/Quaest e do PoderData mostrando crescimento de Bolsonaro em diversos segmentos já seria uma resposta à perspectiva da aprovação de vales caminhoneiro, gás etc. – clique aqui.

Com o fim da “esperança branca” da Terceira Via (a esperança de um neoliberalismo “limpinho”, sem a truculência de extrema-direita que o Big Money e grande mídia tiveram que tolerar fechando o nariz), restou, no frigir dos ovos, Bolsonaro mesmo! 

O problema de estratégia comunicacional passa a ser esse: como, mais uma vez, apoiar Bolsonaro diante de mais uma “escolha difícil”, mesmo depois da grande mídia acusá-lo de negacionista, golpista, extremista, mostrando “colonistas” como Natuza Nery chorando ao vivo diante da insensibilidade de um presidente totalmente alheio às pessoas que morriam sem vagas nas UTIs durante a pandemia.

Por outro lado, nem passa pela cabeça sequer uma cobertura imparcial da campanha de Lula – Florestan Fernandes Jr apontou que a TV Record de São Paulo iniciou a exibição de reportagens para colar no PT o rótulo de “partido associado ao PCC”. As “reportagens”, diz Florestan, são coordenadas pelo núcleo de jornalismo investigativo da emissora, dirigido por André Caramante – clique aqui.

A solução dessa sinuca de bico, mesmo com toda má consciência da grande mídia, é lançar a bomba semiótica autorrealizável – dentro do arsenal de bombas semióticas, sabemos que a profecia autorrealizável foi o ato final da derrubada do governo Dilma, com pautas bombas de Eduardo Cunha no Congresso e apresentadores de telejornais histéricos diante de gráficos descontextualizados alertando que o abismo econômico que estaria próximo. Criando um truísmo que se autorrealizou em crise econômica real.

Profecia autorrealizável: prognóstico que, ao se tornar uma crença, provoca sua própria concretização. Para essa bomba semiótica ser executada, são necessários três ingredientes explosivos: aparência, percepção e crença.

(a) Aparência: a decretação do “estado emergencial” foi uma jogada para driblar a legislação eleitoral que impediria a decretação de um “pacote de bondades” a meses das eleições. Estranhamente, a grande mídia nada fala disso. Preferindo fazer uma crítica anódina sobre “populismo eleitoral”.

Ora, porque haveria um tal “estado de emergência” se o noticiário das últimas semanas do jornalismo neoeconômico (“neo”, porque abandonou a economia política para se concentrar na cobertura dos mercados financeiros) bate bumbo com números que apontam aumento do PIB, crescimento da indústria automobilística e queda no desemprego?

Compreende-se o silêncio: a PEC entraria em contradição com a própria estratégia midiática de blindar Paulo Guedes e salvar as aparências das políticas neoliberais selvagens – em última instância, garantir a agenda de privatizações aguardada pela banca das finanças.

Essa aparência silenciosa deve ser mantida a todo custo para que a bomba semiótica dê certo.

(b) Percepção: esse é o detonador da bomba semiótica: através da repetição diária do noticiário, é necessário criar a percepção de que voucher para caminhoneiros, vale gás e aumento em duzentos reais do Auxílio Brasil, de fato, vai beneficiar Bolsonaro… porque é “populismo eleitoral”.

Antes de qualquer pesquisa ou sondagem que comprove isso em números, através de um discurso ambíguo (porque aparenta ser uma crítica), grande mídia está moldando diariamente a percepção de que benefícios sociais a poucos meses das eleições “pode” beneficiar Bolsonaro – o uso desse verbo de maneira ambígua (entre imperativo afirmativo e presente do indicativo) é sintomático.

(c) Crença: O wishfull thinking da grande mídia é que essa percepção se torne uma crença, detectável nas próximas pesquisas eleitorais, fechando o ciclo da profecia autorrealizável: os números apenas confirmariam a percepção anteriormente estimulada: grande mídia conseguiria transformar uma mera percepção em truísmo – verdade incontestável e evidente por si mesma.

Para que tudo isso funcione, TEM que ser aprovada a “PEC da Eleição” ou “PEC Kamikaze”. Daí a ansiedade da grande mídia, colocando repórteres e colonistas ao vivo na Câmara como fosse uma transmissão esportiva e repetindo insistentemente que a PEC “será aprovada terça-feira”. A ansiedade é tanta que já nessa sexta-feira “colonistas” tentam adivinhar em qual período do dia da próxima terça seria aprovada a PEC… se o quórum será alcançado pela manhã ou só no período da noite…

Parece até leilão de privatização…

Washington Olivetto e o Brasil renitente

Não é por menos que o festejado publicitário Washington Olivetto, de repente, dá as caras em um artigo no jornal O Globo. Afinal, ele, assim como a publicidade brasileira, foi produto do chamado “milagre brasileiro” na ditadura militar. 

O artigo de Olivetto “O Rio de Janeiro Continua Lindo”, descrevendo o passeio do filho e mais amigos (australianos e franceses) num passeio comemorativo no Rio de Janeiro pela aprovação em uma escola de cinema na Califórnia, é uma peça desse “Brasil renitente” – que durante a guerra híbrida brasileira (2013-16) se aliou ao Brasil Profundo para engrossar o caldo do golpe. 

Brasil renitente, aquele da elite brasileira saudosa dos tempos da “Casa Grande e Senzala”, de um país socialmente ordenado e hierarquizado com seus elevadores sociais, empregadas uniformizadas morando em seus quartinhos e elevadores de serviço para que serviçais não sujem os carpetes dos halls sociais.

Continue lendo….

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1 Comentário

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  1. E já começa a aparecer os resultados do reatamento Bolsonaro com os irmãos Marinho da Globo (eu ainda acho que Guedes foi uma exigência deles, mas…): quase um bloco inteiro do JH, da Globo, de hoje sobre a “Marcha para Jesus”, claramente patrocinado pelo Estado brasileiro sob (des)governo Bolsonaro, que apareceu em carreata (governar que é bom, necas!) de novo, com direito a cobertura ao vivo e reportagem falando em centenas de milhares (houve um momento que a repórter disse milhão) de participantes, onde, pela própria cobertura se enxergava entre cinco e no máximo sete mil pessoas.
    Vão gostar de mentir assim na baixa da égua!

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