Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Dez anos do 7 a 1 da Alemanha: uma goleada geopolítica, por Wilson Ferreira

O “Mineiraço” simplesmente aconteceu como um evento lógico e conveniente dentro da escalada de eventos que se iniciou nas Jornadas de Junho.

Dez anos do 7 a 1 da Alemanha: uma goleada geopolítica

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Nesse dia 08 de julho chegamos aos dez anos do chamado “Massacre de Belo Horizonte” ou simplesmente “Mineiraço”: a humilhante goleada de 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil na semifinal da Copa do Mundo de futebol de 2014. Uma anomalia em um esporte marcado por baixas contagens, principalmente em semifinais com equipes de forças equivalentes. Tão anômalo que mereceu uma análise exclusiva sobre a performance do jogador David Luiz, feita pelo New York Times. O fato é que num espaço de 48 horas após a goleada, a mídia internacional especializada foi dominada pela ideia de que o resultado da semifinal foi muito mais do que um evento esportivo: foi uma goleada geopolítica. Por que a mídia internacional politizou tão rapidamente um evento esportivo? O “Mineiraço” simplesmente aconteceu como um evento lógico e conveniente dentro da escalada de eventos que se iniciou nas Jornadas de Junho. O pontapé inicial do jogo da guerra híbrida que transformaria o 7 a 1 numa goleada geopolítica. 

Tudo começou na abertura da Copa de 2014, no “Itaquerão”, em São Paulo. Brasil versus Croácia. Os jogadores brasileiros entraram em campo enfileirados, cada um com o braço estendido e a mão apoiada no ombro do jogador da frente. Todos com fisionomias nada leves ou alegres. Rostos estranhamente tensos. E o enquadramento da câmera de TV da Globo em big close-up só acentuava essa estranha dramaticidade para um jogo de abertura de Copa do Mundo.

Jogadores da seleção cantaram o hino quase gritando. E alguns como Júlio César, David Luiz e Thiago Silva chegaram a chorar enquanto entoavam os versos do hino. E de setores da torcida (principalmente daqueles com os ingressos mais caro) ofensas à presidenta Dilma: “Ei, Dilma! Vai tomar no c*!”.

E essa performance vocal só se acentuaria nos jogos subsequentes.

Certamente esse cenário de tensão e dramaticidade era um eco das chamadas Jornadas de Junho do ano anterior, as manifestações de rua do “Não Vai Ter Copa” e a escalada do jornalismo de guerra que até aquele momento vivia a dualidade entre faturar com o evento esportivo e ao mesmo tempo apoiar os manifestos contra a Copa e o governo petista.

Esse humilde blogueiro pensou diante dessas imagens na TV: “isso não vai acabar bem…”. E não acabou mesmo: terminou no “mineiraço” do 7 a 1 da Alemanha no Brasil e a despedida melancólica ao ser despachada pela Holanda por 3 a 0. 

Em postagem anterior qualificávamos o “Massacre de Belo Horizonte” como uma “goleada geopolítica”, como está contido na críptica afirmação de Tim Vickary, um jornalista inglês free-lancer e correspondente da BBC Sports, logo depois da catástrofe futebolística brasileira: “uma oportunidade para que o Brasil possa recuperar sua identidade histórica e reconstruí-la num contexto moderno, global” – “Brazil must learn lessons from Germany humiliation”, BBC News, 2014 – clique aqui.  

Estranha análise para um jornalista esportivo, como se o resultado da partida fosse revestido de um simbolismo que transcenderia a mera arena futebolística.

A fala de Vickary parecia mais um wishfull thinking de que a goleada serviria para o país mudar a sua orientação geopolítica, até aquele momento francamente anti-EUA: junto com a Venezuela e Argentina o País matara o projeto da ALCA – projeto globalista de fazer crescer uma versão americana da União Europeia.

Além do insulto do Brasil se alinhar à Vladimir Putin no bloco comercial dos BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Também condenar o tratamento dado aos palestinos por Israel e a recusa em impor sanções comerciais ao Irã.

Ressaca política

Aliás, 24 horas depois da humilhação brasileira, pipocou na mídia internacional a tese de como um evento esportivo ganhou um imediato significado político. A BBC focou em Dilma Rousseff em um ano eleitoral – clique aqui.

O think tank “Foreign Policy” falava em “Ressaca política da derrota na Copa do Mundo do Brasil”:

Os políticos do Brasil já estão enfrentando as consequências da derrota devastadora da seleção nacional nas mãos da Alemanha em 8 de julho. O fato de alguns fãs brasileiros terem decidido reagir com violência, talvez, seja uma pequena surpresa. No dia seguinte à histórica derrota do Brasil por 7-1 para os alemães, os manifestantes queimaram mais de 20 ônibus em São Paulo, o centro econômico do país. Em Belo Horizonte, a cidade que sediou a partida, uma reunião de milhares de pessoas ficou desagradável quando os manifestantes incendiaram uma bandeira brasileira e outros jogaram pedras na polícia – clique aqui.

O grupo de mídia norte-americana Vox emplacava uma manchete com suposição apocalíptica: “A perda épica do Brasil na Copa do Mundo poderia custar o emprego de sua presidente?”:

Raramente um time foi tão espancado quanto o Brasil estava na semifinal da Copa do Mundo de terça-feira contra a Alemanha. No entanto, a pessoa que tem que se sentir pior sobre a perda não estava em campo: a presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Porque, por mais louco que pareça, há uma chance real de que os eleitores brasileiros punam Rousseff pela derrota épica do Brasil nas eleições de outubro do país. – clique aqui.

Outro think tank, o “Open Democracy” falava em “conclusões políticas da Copa do Mundo” fazendo analogias da seleção nacional e o governo de Dilma Rousseff:

Os ministérios brasileiros podem ser frutiferamente comparados aos jogadores brasileiros (apesar do fato de serem quase quatro vezes mais numerosos do que um time de futebol), já que cada um deles joga seu próprio jogo e raramente trabalha com outro – eles são quase rivais, dependendo do patrocinador do partido político. Acrescente a isso que o treinador principal do governo também não está disposto ou incapaz de identificar os problemas da equipe, ou de desenvolver táticas sólidas, e tem se esquivado da necessidade de implementar planos e reformas abrangentes – clique aqui.

Era necessária uma derrota humilhante

Pela rapidez como os teclados funcionaram horas depois do “mineiraço”, parecia até que a mídia internacional contava com um colapso catastrófico da seleção brasileira. 

O que salta aos olhos em tudo isso é a certeza de que não bastaria apenas uma simples desclassificação em um jogo duro em uma semifinal. Afinal, derrotas acontecem em qualquer jogo. Não! Foi necessária uma derrota humilhante, um massacre, para: 

(a) justificar o aperto do gatilho das análises midiáticas que criaram uma simbologia política em um evento esportivo;

(b) atingir em cheio a autoestima de uma opinião pública que já estava diariamente sendo açodada pelo jornalismo de guerra da grande mídia. Jornalismo que cada vez mais dava visibilidade ao discurso de ódio do extremismo de direita – veja, por exemplo, a forma como foi naturalizado o “vai tomar no c*” contra Dilma Rousseff na abertura da Copa: “poucos segundos”, “vaias e xingamentos abafados pela música do estádio”, “qualquer político está sujeito a isso em um evento público” e assim por diante.

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2 Comentários

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  1. E acrescento um adendo sobre nossos comentaristas/jornalistas/entrevistadores. Na entrevista à imprensa logo após a partida, o Felipão me solta: “eu sou o responsável por tudo que aconteceu aqui hoje”(ou parecido). Não teve um que comentasse: agora diga algo que não sabemos.

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