Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

Guerra semiótica eleição 2022: microtargeting, marketing invisível e armadilhas para esquerda, por Wilson Ferreira

O ex-juiz visa a “maioria silenciosa” por meio do corpo a corpo digital e presencial já em atividade, que vai muito além do primarismo dos “disparos de massa” investigados tanto pelo STF quanto pelo STE.

Guerra semiótica eleição 2022: microtargeting, marketing invisível e armadilhas para esquerda

por Wilson Ferreira

O bem-sucedido encontro de Lula com lideranças europeias forçou a grande mídia a antecipar a campanha eleitoral 2022. Não sem antes encontrar um plot no qual pudesse encaixar o “tour” do ex-presidente, depois do orquestrado silêncio midiático. Um plot composto por uma narrativa, uma futura bomba semiótica guardada no bolso do colete, e uma armadilha que poderá custar caro para a esquerda – primeiro, forçar o “isomorfismo semiótico” Bolsonaro/Lula (os dois seriam os dois lados de uma mesma moeda) para transformar o ex-juiz Moro no candidato antissistema que enfrenta ex-condenados e ex-indiciados da Lava Jato (a dobradinha Lula/Alckmin cairia como uma luva para Moro…). Segundo, a armadilha: fazer a esquerda acreditar que Moro vai dividir votos da direita. Errado! O ex-juiz visa a “maioria silenciosa” por meio do corpo a corpo digital e presencial (microtargeting e marketing invisível) já em atividade, que vai muito além do primarismo dos “disparos de massa” investigados tanto pelo STF quanto pelo STE.

A campanha eleitoral 2022 foi antecipada para um pouco antes do final desse ano. E a “queima” da largada foi a viagem pela Europa do ex-presidente Lula, com uma agenda de chefe de Estado e encontros com as principais lideranças do continente: o futuro chanceler alemão, Olaf Scholz; o presidente francês Emmanuel Macron, com honras de chefe de Estado; discursos marcantes no Parlamento europeu, em Bruxelas, e no Instituto de Estudos Políticos de Paris, além de encontros com sindicalistas europeus.

Aplausos de pé, ovações, além de o futuro chanceler alemão declarar-se “muito satisfeito com o encontro” com Lula e ressaltando: “espero continuar o diálogo”.

A bem-sucedida entrada de Lula no vácuo político deixado pelo atual presidente, (Bolsonaro está mais interessado em estreitar laços com monarquias absolutistas como Emirados Árabes, Baharein e Catar) foi recebida inicialmente com um silêncio orquestrado da grande mídia brasileira.

Até então, o xadrez político mantinha-se em banho-maria com a lenta aproximação de Moro ao cenário político e Bolsonaro ainda reticente sobre a filiação partidária.

Manteve-se em silêncio o quanto pode, até que tudo tornou-se muito barulhento: enquanto a grande mídia internacional repercutia os encontros de Lula na Europa, editores, chefes de jornalismo e colunistas aqui no Brasil tentavam achar algum plot, alguma estratégia semiótica na qual pudesse encaixar o sucesso do ex-presidente, neutralizando-o.

Aqui e ali surgiram termos como “tour” ou “giro pela Europa”, tentando banalizar as notícias over seas– como a viagem do ex-presidente fosse um episódio sem compromisso, corriqueiro.

Porém, não foi suficiente: fotos e vídeos de seus encontros circulavam pelas redes sociais, enquanto jornalistas europeus insistiam em entrevistá-lo na mídia impressa e eletrônica.

Então, a solução foi encaixá-lo no plot das notícias diversas do início da disputa eleitoral. Em outras palavras, a grande mídia não teve outra alternativa senão dar o start antecipado da campanha eleitoral: Lula seria um “calculista político” e já estaria em campanha nesse “tour” europeu. Assim como Bolsonaro, que promoveu mini motociatas nos Emirados e disse que a Amazônia não queima porque é “úmida”.

Em outras palavras, os dois estariam apenas “de olho na eleição”. 

Ato contínuo, a grande mídia passou a dar tempo (e muito mais tempo) à cobertura da filiação do ex-juiz Sérgio Moro no Podemos e a guerra intestina ao vivo do PSDB – em longas coberturas sobre o porquê do aplicativo de votação das prévias não funcionar. Tudo para terminar com a vitória de João Doria Jr., fazendo questão de acenar com um possível “Moro-Doria” para “fortalecer a terceira via”.

O único momento em que Lula foi promovido às manchetes foi quando, na entrevista ao El País, teria revelado uma “noção elástica de democracia”: visita países democráticos, mas defende ditaduras de esquerda como de Daniel Ortega, na Nicarágua. A velha estratégia semiótica de retirar frases de contexto para confundir a defesa de soberania política de um país com defesa de um governo em particular.

Isomorfismo

Por isso, Lula ganhou o rótulo de “negacionista” de ditaduras de esquerda, da mesma forma que Bolsonaro é um “negacionista” ambiental e sanitário – Lula e Bolsonaro seriam os “extremos”, os dois lados de uma mesma moeda. 

Estratégia de isomorfismo semiótico para construir o imaginário da “terceira via”, com muito espaço midiático: enquanto a Moro são dedicadas hipérboles como “Moro se encontra com pesos pesados do mercado financeiro” (Daniela Lima, no CNN 360), seu parceiro Dellagnol concede uma entrevista à CNN, com muita rasgação de seda, apenas para fazer o recall da Lava Jato, combustível imaginário (judicialização, justiçamento e meganhagem) da candidatura Moro. 

Sabendo-se que ainda a parceria grande mídia/Moro guarda, no bolso do colete, mais uma bomba semiótica, para ser lançada no futuro: se eventualmente vingar a chapa Lula/Alckmin, Moro terá nas mãos uma bomba semiótica isomórfica para detonar – o candidato antissistema que enfrenta um sistema político que permitiu um ex-condenado e um ex-indiciado da Lava Jato se candidatarem a presidente e vice…

Faz parte da construção semiótica da terceira via, através do isomorfismo Lula/Bolsonaro, atrair o indefectível wishiful thinking da esquerda ao sugerir que Moro supostamente quer conquistar votos de bolsonaristas e, portanto, dividir os votos da direita. 

Por exemplo, as comparações feitas pelo jornalismo corporativo entre a filiação de Moro ao Podemos e a de Sérgio Moro no PL passou, inclusive pela iconografia do cenário dos eventos: ambos figuram a bandeira nacional em telões e painéis, como se Moro quisesse retomar o símbolo nacional da extrema-direita.

Se a esquerda cair nessa miragem acenada pelos analistas sabujos da grande mídia, estará perdida. Por quê? Porque Moro não pretende seduzir os convertidos bolsonaristas: nem com todo o seu appeal lavajatista conseguirá seduzir os fanáticos das “guerras culturais” – é visível como Bolsonaro continua no mesmo diapasão, com alusões à vitória do “verde-amarelo” sobre o “vermelho” nos corações dos brasileiros, no discurso de filiação ao Podemos. 

Maioria silenciosa e microtargeting

Moro na verdade está mirando a chamada “maioria silenciosa” – conceito de Jean Baudrillard para designar a maioria dos receptores dos meios de comunicação, um novo estágio histórico da evolução das massas, agora não mais “passivas” (como nas clássicas teorias da comunicação) mas paradoxalmente ativas na sua indiferença e vazio de sentido: absorve energia, informações, mas não refrata e nem reflete – sobre esse conceito clique aqui.

Uma espécie de buraco negro de sentido capaz de, por exemplo, os mesmos eleitores que um dia votaram em Lula, depois votarem em João Doria para a prefeitura de São Paulo – clique aqui.

Numa aproximação, poderíamos chamar de “voto não ideológico”, mas ainda não seria exato. A maioria silenciosa é orientada por uma espécie de “sexto sentido” que capta climas de opinião, movimentos de “espirais de silêncio” e outros fenômenos de contínuo atmosférico midiático. Como esse humilde blogueiro já descreveu no texto “Bombas Semióticas: o acontecimento comunicacional na guerra híbrida”, na revista científica “Transaberes” – clique aqui.

E essa estratégia de conquista das maiorias silenciosas e não do voto dos bolsonaristas já começou no corpo a corpo seja virtual ou físico com táticas digitais como de microtargeting e presenciais com o chamado “marketing invisível”.

Quem nos informa é a professora do Departamento de Comunicação da UFMG, Ângela Carrato, sobre a antecipação da eleição 2022 com a colocação em prática de técnicas de corpo a corpo tanto digital como presencial – clique aqui. Técnicas que vão muito além daqueles investigadas pelo inquérito das fake news do ministro Alexandre Moraes – aliás, um inquérito que apenas investiga “disparos em massa de notícias falsas”, quando a atual mineração algorítmica de big data está além desse estereótipo dos primeiros tempos do e-commerce.

Carrato fala sobre a “nova” estratégia de corpo a corpo – para este Cinegnose, não é nova, mas é a essência da mineração de big data, desde a seminal experiência do Brexit: o “microtargeting”, bem diferente aos ameaçadores “disparos em massa” imaginados por Alexandre Moraes e o STE.

Continue lendo no Cinegnose.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador