Outro olhar sobre o crime de Brumadinho: autópsia dos riscos potencializados pela Vale contra o meio ambiente e vidas humanas

Busca desmedida por lucro pela alta gestão da Vale pode ter potencializado os riscos contra o meio ambiente e vidas humanas.

Jornal GGN – Na quinta-feira (28) duas notícias da Vale S. A. foram destaque na mídia: a presença do presidente afastado Fabio Schvartsman na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Senado e a divulgação dos lucros recordes da empresa na ordem de US$ 6,86 bilhões, o que multiplicado pelo câmbio de R$/US$ 3,91, dá o valor de R$ 26,8 bilhões! Lucro este obtido na gestão Schvartzman.

No Senado, ao ser indagado sobre o “acidente” de Brumadinho (no vídeo da oitiva no youtube, vale a pena assistir o trecho por volta de 1h e 40 min em diante), o ex-presidente da mineradora cita que só há duas opções para explicar o “acidente”: evento imprevisto não detectado ou negligência da equipe técnica que não levou aos altos escalões.

Diferente da ótica binária do sr. Shvartzman, esta matéria traz uma terceira hipótese para ser objeto de análise da CPI, Ministério Público e Polícia Federal: a busca desmedida do lucro pela alta gestão da Vale potencializou os riscos contra o meio ambiente e a vida humana.

A narrativa não é pautada por “convicções” e sim por informações públicas da lógica de atuação da Vale disponíveis em publicações oficiais da própria Vale, referentes aos anos de 2016 e 2017.

A investigação se divide em três blocos: (1) dividendos e bônus extraordinários, (2) recorde de produção e redução drástica de custos operacionais, (3) lógica de atuação da Renova e Refis permitindo dividendos e bônus no curto prazo para alta gestão deixando para o futuro eventuais custos de equacionamento das dívidas e indenizações (os dividendos vem de trem-bala e as indenizações para vítimas e tributos à carroça).

Leia também: Relatório encaminhado para acionsitas revela que Vale sabia de riscos de rompimento de barragens.

(1) Dividendos e bônus extraordinários. Segue esquema didático:

– A remuneração aos acionistas passou de US$ 0,3 bi em 2016, para US$ 1,5 bi em 2018, para 3,5 biem 2018. Se compararmos 2016 com 2018, o crescimento foi de 1066 %!

– A falta de proporcionalidade entre o crescimento do lucro líquido, lucro operacional e pagamento de dividendos mostra claramente a estratégia de potencializar o valor das ações da Vale!

– Dividendos agressivos, aumentam o valor das ações…

– Aumento do valor das ações, amplia a remuneração dos diretores (apenas 28% da remuneração do diretor é fixa, o resto é variável);

– Neste slide, tem uma informação que deixa claro que a gestão da Vale relegou a segurança para segundo plano: Saúde e Segurança com peso mínimo de 10% no Painel de Metas de Diretores e geração de caixa com peso de 60% ( LUCRO “VALE” SEIS VEZES MAIS DO QUE SEGURANÇA !!!) Outra informação importante: após três anos, a Vale iguala a quantidade de ações compradas pelos administradores o que potencializa o comportamento maximizador do executivo de lucrar o máximo em três anos (daí entendemos a prática de se buscar o REFIS e postergar o pagamento de indenizações);

– Os bônus aos administradores é um fenômeno que tem gerado graves crises no capitalismo, como foi observado na crise imobiliária norte-americana.

– Toda esta lógica que potencializa risco para ampliar o retorno tem a sua recompensa: executivos em 2017 ganharam US$ 50,59 milhões de dólares!

(2) recorde de produção e redução drástica de custos operacionais. Segue esquema didático:

– Pegamos os dados de produção de minério e pelotas e comparamos com a geração de resíduos (rejeito e estéril). Em 2017, a relação entre eles é que para cada 1kg de minério e pelotas se produz 784 gramas de resíduo. Quase 1 para 1 !!! Ou seja a atividade é extremamente danosa ao meio ambiente e ajuda a entender a necessidade deste número elevado de barragens.

São 327 milhões de toneladas/ano de rejeitos !!!

Comparativo Produção e Resíduos Minério de Ferro e Pelotas (milhões de ton)

– A apresentação da Vale em Londres (London Day) deixa clara a meta de aumentar as margens de lucro com o minério de ferro, o que está associada a preços e racionalização drástica de custos (sobretudo em áreas com menor receita marginal, ou seja, minas mais próximas a exaustão)

– A redução agressiva das despesas operacionais no segmento minério de ferro pode gerar superexploração da força de trabalho, maior risco de acidentes, subdimensionamento da estrutura, adiamento da reposição, dentre outros (vale a pena ler relatório do MAB). Em 2017, a queda foi de quase 30% nas despesas:

– A Vale concentra investimentos no Pará, relegando MG para um plano secundário, haja vista a proximidade da exaustão de algumas minas. Em Minas, a Vale “comeu a fruta até o caroço”. No Relatório de Sustentabilidade da empresa, tem a informação que a Vale tem 8,53 mil km2 de áreas protegidas. Deste total, apenas 0,13 mil km2, ou míseros 1,5% do total está em Minas Gerais !!! Daí é fácil entender os riscos sistemáticos de barragem em Minas !!!

– Existem indícios de subdimensionamento da estrutura de segurança de barragem em Minas. O mapa mostra a seguinte distribuição de barragens da Vale no Brasil:

A Vale tem 136 barragens de rejeitos, sendo 111 barragens de rejeitos em MG (82% do total). Importante que o Ministério Público, CPI e PF pesquise a resposta para as seguintes perguntas:

Como era dividido o trabalho de segurança de barragem da Vale no Brasil? Minas Gerais tinha uma estrutura robusta ou abaixo das suas necessidades?
Quanto Schvartzman assina no 20 F que um dos riscos de escassez é mão de obra qualificada (pagina 20 do documento enviado a NY), ele estava se referindo a esta estrutura de segurança de barragem?

– O modelo de gestão de risco da Vale deixa claro que os riscos sobem na estrutura. No 20 F se descreve riscos de barragem e se faz um exame pormenorizado do acidente de Mariana. O 20F é assinado pelo Presidente e Diretor Financeiro. Como é possível alegar desconhecimento de riscos reportados por ele mesmo para investidores de NY?

Modelo de Gestão de Risco da Vale

A própria Vale, no Relatório de Sustentabilidade, quando fala de barragens, expõe a existência do Fórum de Especialistas em Segurança de Barragem. Como alegar desconhecimento?

(3) Lógica de atuação da Renova e Refis permite dividendos e bônus no curto prazo para alta gestão e deixa para o futuro eventuais custos de equacionamento da indenização/dívida

– Pegando os aportes da Vale na Fundação Renova no Relatório de Sustentabilidade (pag 28), e cruzando com o total pago aos acionistas, disponível na DRE do 20 F (pag 11). Vejam que, em 2017, foi pago aos acionistas sete vezes mais do que os aportes na Renova.

Aporte da Vale na Renova e Total Pago aos Acionistas (US$ bi)

Moral da história: Jogo Rápido para Investidores, Jogo Lento com vítimas da tragédia de Mariana.

– A Vale teve ganhos generosos com um REFIS de 2013 que facilitou a sua distribuição de dividendos desde o início da operação. Ou seja, dividendos no curto prazo, parcelamento da Dívida Tributária até 2027! Veja tabela (fonte: DRE Vale 2013, pag 49)

Em nov/13 a Vale aderiu ao programa brasileiro de parcelamento (“REFIS”), envolvendo substancialmente todas as reivindicações relacionadas à cobrança de imposto de renda e contribuição social sobre o ganho de capital próprio de controladas e coligadas no exterior, cuja expectativa de perda estavam classificadas como possíveis. o valor de face dos pagamentos atingiu o montante R$ 22,2 bilhões. Considerando os pagamentos antecipados e da primeira parcela, foram desembolsados R$ 6,0 bilhões 2013 e os restantes dos R$ 16,3 bilhões programados em 178 parcelas mensais.

Conclusões
• Está claro que a Vale priorizou a remuneração aos acionistas em relação à segurança e riscos de suas operações;
• Está claro que o foco no curto prazo em relação a distribuição de dividendos, redução de despesas, bônus extraordinários aos diretores, influenciava no dia a dia da companhia;
• Fica nítido no 20 F que a companhia tinha ciência dos riscos de barragens e riscos de uma estrutura de pessoal qualificado subdimensionada;
• O Painel de Metas dá peso mínimo para segurança do trabalho, mesmo se tratando de um segmento com riscos para o meio ambiente e a sociedade (estratégia não é definida por subalternos e sim pelos órgãos decisórios da companhia);
• Na Pag 131 do Relatório de Sustentabilidade, a Vale deixa claro a sua premissa básica de evitar os processos de remoção;
• Lógica de atuação da Vale (agressividade na geração de caixa) contrasta com as premissas do Direito Ambiental de priorizar a prevenção;
• A letargia de solução no caso Mariana faz com que a Vale tenha lucros extraordinários desde o acidente, enquanto a efetividade das ações da Renova caminham a passos lentos;
• A área protegida em Minas Gerais é apenas 1,5% da área total da Vale, mesmo o Estado sendo representativo na sua produção de minério e pelotas (exploração máxima em Minas, busca de licenças de remineração e riscos elevadíssimos);
• A concentração de barragens de rejeitos em MG leva a crer que a estrutura local estava com carga excessiva de trabalho e um quantitativo de profissionais abaixo do necessário;
• A politização em relação a legislação mineral e financiamento de campanha das mineradoras tem que ser investigada pelo Ministério Público e Polícia Federal;
• O Planejamento Estratégico da Vale fomentava um maior apetite aos riscos, haja vista a concatenação entre dividendos recordes, despesas operacionais mínimas, riscos de escassez de mão de obra qualificada, investimentos mínimos, priorização do pagamento de dívidas e busca de melhorias de margens de forma agressiva;
• Os acionistas da Vale que ganharam bilhões com a empresa nos últimos anos tem que ser impactados no valor de suas ações pelas mazelas que venham a ser produzidas pela mesma Diretoria que gerou resultados financeiros extraordinários para os próprios;
• Os relatórios corporativos deixam claro a ciência dos Diretores sobre os riscos de barragens. A hora e o dia de rompimento é impossível que se tenha conhecimento prévio, mas podemos afirmar um grande apetite ao risco dos diretores.
A sociedade não pode ficar discutindo apenas “email” de um funcionário para outro, “telefonema daqui para acolá”… É necessário entender a lógica de remuneração dos diretores da Vale e os riscos potencializados por esta busca agressiva do lucro a qualquer custo.
Além de se investigar a Diretoria Executiva da Vale é importante investigar a Tuv Sud pelos seguintes motivos:
• Trata-se de uma empresa de 2,4 bilhões de euro de receita anual (multiplicando por um câmbio de 4,4 reais/euro a receita é mais de R$ 10 ,5 bilhões de reais !!!
• Não é uma empresa de fundo de quintal para alegar pressão para a emissão de laudos de estabilidade;
• Um custo hipotético de uma auditoria para laudo de estabilidade na casa de R$ 2 milhões, não representa nem 0,02% da receita da Tuv Sud Global;
• A empresa tem mais de 574 mil certificações/ano
• Veja um pouco de informações da TUV SUD (fonte: TUV SUD Global)

1 (Fonte: a partir da apresentação disponível no site da Vale FT Commodities Americas Summit, 16 de Outubro 2018, slide 16 , Fabio Schvartsman, CEO, Vale)

**Esse artigo foi escrito por um leitor do Jornal GGN que pediu para não ser identificado.
Ele é também autor do artigo “Relatório encaminhado para acionistas revela que Vale sabia de riscos de rompimento de barragens

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