A economia de um padeiro real e a “confiança” na quadrilha de Temer, por J. Carlos de Assis

Por J. Carlos de Assis

                Se por alguma razão os clientes reduzirem a quantidade comprada de pão, só um padeiro louco vai ampliar os investimentos na padaria para produzir mais pão. Também não aumentará o número de empregados. Digamos que a quadrilha de Temer faça discursos bonitos no sentido de obter a confiança dos padeiros a fim de que produzam mais pão e empreguem mais gente. Naturalmente a comunidade dos padeiros, atingida simultaneamente pela queda do consumo, de forma alguma poderá evitar a contração de produção e emprego.

                A queda eventual do consumo  é um fenômeno cíclico do capitalismo. Há muitas explicações para isso, desde as materiais – um descompasso entre produção de máquinas e produção de bens de consumo – às financeiras: ultimamente as mais comuns, dada a financeirização geral da economia mundial. Em qualquer hipótese, a queda do consumo é um processo inexorável. E contra ele só há um remédio: o gasto público chamado autônomo. Sim, autônomo. Significa que não é financiado por receita de impostos, mas por déficit público.

                Voltemos à padaria. Imagine que se pretenda aumentar o consumo de pão com financiamento provindo de aumento de impostos. Não é uma boa idéia. O dinheiro retirado da sociedade via impostos reduz o consumo global na mesma proporção em que se aumenta o consumo de pão. Uma coisa compensa a outra. Em outras palavras, na medida em que a produção de pão aumenta a produção de outros bens diminui. E o emprego gerado na padaria será anulado pela perda de emprego nos outros setores.

                Pode-se forçar o aumento da produção de pão oferecendo aos padeiros uma taxa de juros muito baixa para financiar seus investimentos. Na verdade, na área do euro a taxa de juros ficou desde 2008 na faixa do zero por cento. Entretanto, a economia não se reanimou. Claro, o que motiva o padeiro a aumentar o investimento e o emprego é a perspectiva do aumento do consumo, não o custo do financiamento da produção, já que ninguém é tão idiota ao ponto de produzir exclusivamente para as prateleiras.

                Então, o que fazer? É simples, e sabe-se disso há mais de setenta anos. Chama-se de política keynesiana, aperfeiçoada pelo genial economista russo Abba Lerner, em sua “Finanças Funcionais”. Na relação financeira com a sociedade, o déficit público é essencial para retirar uma economia da recessão, pois o governo,  com seus gastos deficitários em bens e serviços, dá à sociedade mais do que retira dela. O superávit (inclusive primário) tem o efeito oposto, pois o governo retira da sociedade mais do que lhe fornece em troca.

                O exercício é um pouco mais complexo do que isso, mas o importante a considerar, sempre voltando ao padeiro, é que o gasto público deficitário para comprar pão favorece diretamente a produção e o emprego. E na medida em que produção e emprego crescem, expande-se toda a economia num círculo virtuoso. Com a economia crescendo, a receita pública acompanha e, progressivamente, a necessidade de déficit vai sendo reduzida sem risco de inflação. Em último caso, a própria dívida pública tenderá a cair.

                Como entender o processo econômico na base de uma analogia com a padaria? Se prestarem atenção ao que Henrique Meirelles diz, o centro de sua proposta é zerar o déficit público. A emenda constitucional do congelamento por 20 anos dos gastos públicos, aprovada de forma estúpida pelo Congresso, visa justamente equilibrar o orçamento federal, e induzir os Estados a fazerem a mesma coisa (renegociação da dívida). Supostamente, o orçamento equilibrado levaria os empresários a recobrar a confiança no governo e a começar a investir.

                Como seria possível essa operação sem uma ação decidida sobre o consumo? De fato, a influência do orçamento público sobre a economia privada seria neutra. Nós continuaríamos mergulhados em depressão, como estamos nesses últimos três anos. O fato é que como economista Meirelles não tem a clareza de um padeiro. Sua obsessão em ampliar o déficit financeiro público – não o déficit virtuoso feito na compra de bens e serviços reais – não tem nada a ver com retomada da economia. Tem a ver como um atalho para a privatização.

 

                 

Redação

1 Comentário

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  1. boa explicação para leigos

    A argumentação de JC Assis está muito bem redigida e facilita a compreensão da situação da economia brasileira.

    Também acredito que as postulações de políticas neoliberais são mera propagação de crença em resultados que não existem na histórica econômica. Se ainda usasse sua inteligência, Delfim poderia dizer que as propostas da equipe de Meirelles esperam por um milagre, já que milagre é efeito sem causa. O que poderá causar a retomada da economia sem dúvida será a expansão dos gastos públicos.

    Porém acho que a proposta é desonesta sim, mas porque não leva em conta as necessidades do povo que conta mais. Mas não ignora a lógica econômica descrita. A diferença está no “timming”, ou no momento em que se faz cada coisa. O governo está nos impondo, sem que tenhamos participado desta decisão, que o gasto público só será expandido quando o deficit reverter, de forma que mais gastos seja compatível com menos dívida. Acena com 20 anos para o início de tal dinâmica.

    O que o povo precisa dizer é que tem que participar de tal decisão. Talvez até a aceite se for bem fundamentada. O que não pode, concordando com o autor, é impelir com uso de marketing globista/golpista.

    Por outro lado, cabe à esquerda e aos progressistas de fato apresentar um plano honesto e claro, dizendo pro povo quanto deficit teremos que tolerar a cada ano, qual volume de dívida aceitaremos e, com base na expitência histórica e em conhecimento científico honesto, sinalizar como se comportará a dívida pública no futuro e como será nossa realidade econômica em termos de emprego, atendimento das necessidades sociais, inflação e PIB. Algo que os economistas financistas vivem fazendo para vender para os planejadores das empresas, porém feito com honestidade intelectual e profissional, que lhes falta em absoluto.

    Em suma, é preciso apresentar uma proposta de contrato de longo prazo, 10 a 20 anos, em lugar de acenar com milagres propostos por incrédulos.

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