Assange, Snowden, Ellsberg (II), por Walnice Nogueira Galvão

Assange, Snowden, Ellsberg (II), por Walnice Nogueira Galvão

Assim como Assange e Snowden estão ligados aos vazamentos que mostram como os órgãos de segurança norteamericanos espionam os cidadãos, Ellsberg tornou-se conhecido como aquele que revelou os papéis secretos do Pentágono, pondo fim à Guerra do Vietnã. Os três são representantes de uma corrente subterrânea libertária que flui quase invisível sob a carapaça de uma dúbia democracia. A linhagem da desobediência civil é extraordinária e merece respeito, vindo desde a Underground railway que contrabandeava escravos para a liberdade. Arrisca-se tudo, inclusive a acusação de traição à pátria, em nome de lealdades mais altas.

Neste capítulo, sempre é bom lembrar que houve um surto de auto-imolações por incineração, praticada por monges budistas em sinal de protesto, no Vietnã conflagrado. Em solidariedade, Norman Morrison, jovem pacifista norte-americano, copiou o gesto, imolando-se nos degraus do Pentágono. Para homenageá-lo, os vietnamitas criaram um selo com sua efígie e deram seu nome a uma rua em Hanoi. Até hoje ele é lá venerado, e as crianças de escola compõem poemas louvando seu martírio. Após o armistício, o Vietnã recebeu oficialmente a viúva e os três filhos como hóspedes do estado, cobrindo-os de honrarias.

A exemplo dos monges budistas, vários religiosos norteamericanos – padres católicos e pastores protestantes – estiveram na linha de frente da resistência. Dois deles se destacaram, dois padres irmãos, os Berrigan. Não temiam nada e enfrentavam qualquer risco, mantendo recordes de prisões: foram incluídos na lista dos dez mais perigosos do país procurados pelo FBI. Depois que a guerra acabou, protestariam contra as armas nucleares e continuariam a ir para a prisão.

Se os Berrigan eram oriundos de imigrantes irlandeses operários, outro que se destacou fazia parte da elite wasp novaiorquina, o pastor protestante presbiteriano William Sloane Coffin Jr., mais conhecido como Bill Coffin. Durante muitos anos capelão da Universidade de Yale, liderou passeatas e outros protestos antibélicos dos estudantes. Mais tarde, estaria no seio do grupo ecumênico de sacerdotes que fariam vigílias na fronteira da Nicarágua, contra a ingerência armada norteamericana naquele país.

Aqui também, durante a última ditadura, ninguém pode passar por alto a atuação desassombrada de D. Paulo Evaristo Arns, cardeal-arcebispo de São Paulo e incansável opositor do arbítrio fardado. Juntamente com outro pastor protestante presbiteriano por nome Jaime Wright e com o rabino Henry Sobel, teve desempenho destacado. Recusaram-se os três, por exemplo, a legitimar a versão do suicídio de Wladimir Herzog, morto sob tortura nas dependências do II Exército. Denunciando o assassinato  do alto do púlpito da Catedral da Sé, D. Paulo lançou o anátema da Igreja sobre os perpetradores durante a missa especialmente celebrada.

Os três religiosos formaram um triunvirato ecumênico que foi fundamental nesses tempos tenebrosos. Passaram anos recolhendo clandestinamente documentação e entrevistando pessoas que tinham sido torturadas, e acabaram por publicar Brasil: Nunca mais, formidável dossiê que registrou para sempre os crimes da ditadura.  Quando eram mais necessários, os três ativistas dos direitos humanos não fugiram ao desafio que a História lhes lançou.

No ano passado, foram outros militantes norteamericanos que saíram do anonimato. Grupos pacifistas religiosos vieram a público para assumir a autoria de uma invasão do escritório do FBI em Filadélfia, em 1971, quando roubaram uma quantidade enorme de arquivos. Gente da mais alta respeitabilidade, acima de qualquer suspeita. Entre outros feitos, davam suporte aos irmãos Berrigan. Os papeis que roubaram mostram como J. Edgar Hoover – de que ninguém conhecia ainda a alma de criminoso – perseguia qualquer opositor, mas especialmente se fossem negros, de que tinha ódio. A publicação de um livro, seguida de entrevistas no New York Times,somou novos nomes a esse elenco de herois da liberdade

Walnice Nogueira Galvão é professora emérita da FFLCH-USP.

Walnice Nogueira Galvão

8 Comentários

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  1. De alguma forma os “blogs

    De alguma forma os “blogs sujos”, que são limpos, cumprem no Brasil o mesmo papel que esses honrados cidadãos cumprem numa esfera global. Se não fosse os blogs sujos muita mentira teria sido disseminada pela imprensa brasileira sem qualquer contextação.

  2. O poder é uma ilusão

    O poder é uma ilusão mentirosa, sempre se desfaz quando a verdade começa a circular. Mas a circulação circular das notícias mentirosas, como aquelas que ligam Dilma Rousseff aos crimes eleitorais e desligam tucanos graúdos de 450 quilos de cocaína, não é capaz de construir um novo poder ou de abalar a soberania popular. 

  3. Recordar é viver!!
    Enquanto

    Recordar é viver!!

    Enquanto isso……..Yoani Sanchez…a cubana….permanece viajando pelo mundo, contando sobre  a falta da liberdade de expressão em Cuba.  Yoani acusa Cuba de cercear o direito à liberdade de expressão mas não informa, em seu blog, sobre o bloqueio que Cuba vem sofrendo já um bom tempo.  Interessante.  A informação precisa ser controlado pois já avisava George Orwell….” nada pode ser mais perigoso do que uma opinião pública bem informada”.  e quem deseja isso??  

     

  4. Sem os outsiders, esse mundo ja teria ido pro buraco

    Esses tempos vi um doc sobre J. Edgard Hoover, onde da pra sentir que o chefão do FBI era sinistro. Homossexual enrustido, chantagista, colecionador de dossiês (Kennedy e ele se detestavam), sonhava em se tornar presidente dos Estados Unidos. O trabalho com Bob Kennedy, que foi seu chefe, enquanto Ministro da Justiça, não foi nada facil, visto que John Kennedy havia colocado seu irmão nesse posto para ficar de olhos em muita gente, incluindo Hoover. Para Edgard Hoover Bob, Kennedy era um jovem arrogante, preguiçoso e mal educado. Alias, Hoover, ao que se conta so gostava mesmo de seu cachorrinho… 

  5. a guerra de agressão ao vietnã

        Artigos como o da Profa. W.N. Galvão são sempre benvindos, pois vem carregados de informações sempre interessantes. No entanto, a gente nunca pode deixar de fazer os reparos cabíveis e necessários para evitar certas impropriedades, capazes de fixar uma idéia equivocada dos acontecimentos, mesmo quando se pretende apenas o melhor e o contrário. Assim, não foram os papéis de Ellsberg que acabaram com a guerra do Vietnã e sim o povo em armas daquele país que derrotou o imperialismo norte americano.

  6. Libertários como o MBL…

    Assange e Snowden são partidários de Ron Paul, o candidato ultraliberal à direita do Tea Party. Julian Assange já expressou sua admiração por Ron Paul e seu partido pirata na Austrália se coligou com a extrema direita e não com o partido verde como  se pensava. Snowdem contibuiu para a campanha de Ron Paul nas primárias do partido republicano. Eles denunciam a vigilancia do Estado, mas não abrem a boca sob a vigilancia que as grandes empresas fazem sobre nós e especialmente sobre seu empregados na internet. Não são contra o controle, desde que seja privado.

    http://www.newrepublic.com/article/116253/edward-snowden-glenn-greenwald-julian-assange-what-they-believe

    Os ‘libertários’ americanos são os ultraliberais – como o MBL, a turma do ‘mais mises e menos marx’, a nossa queridinha oneide e que tais no Brasil. O amigo do meu inimigo não é meu amigo, nunca. Por exemplo, jamais votarei no PSDB porque ele votou contra as medidas do ajuste fiscal. Pode me chamar de sectário, nesse caso sou mesmo.

     

     

     

     

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