Calígula e Mad Max num planeta devastado por juízes, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Esta semana ocorreu um dos mais graves incidentes processuais desde a promulgação da Constituição Cidadã. O escritório de Cristiano Zanin, o advogado de Lula, foi invadido a mando de Marcelo Bretas.

Calígula e Mad Max num planeta devastado por juízes

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Antes de entrar no assunto farei algumas observações sobre dois filmes. Elas serão utilizadas para ilustrar o que está ocorrendo no Brasil e no mundo.

Em Calígula (1979), filme descrito como sendo uma paródia das produções épicas da Cinecittà, o imperador é convocado a decidir em última instância uma disputa jurídica qualquer. Os argumentos das partes são entregues a ele. Calígula segura a pretensão de uma parte com a mão direita e a da outra com a mão esquerda. Como se fosse uma balança ele compara o peso dos argumentos proferindo sua decisão sem nem mesmo se dar ao trabalho de ler com atenção os documentos e as razões que foram apresentadas.

No filme Mad Max – Além da Cúpula do Trovão (1985), a justiça é distribuída de maneira extremamente brutal. Quem arruma briga em Bartertown, o povoado governado por Titia Entity (personagem interpretada por Tina Turner), tem que combater seu inimigo até a morte no Thunderdome: dois homens entram na arena e apenas um sai dela. Caso a disputa não seja resolvida através do combate singular ou uma nova infração ocorra (Max se recusa a matar o adversário retardado quebrando o contrato que fez com Titia Entity) outra forma de distribuir justiça é utilizada: o réu é obrigado a girar uma imensa roleta. A sorte decide se o infrator será ou não punido e qual a punição ele receberá.

Num dos filmes o juiz decide o conflito desprezando o conteúdo das provas. No outro, a justiça equivale ao predomínio do mais forte ou depende totalmente da sorte. Os dois filmes são representações de uma racionalidade jurídica totalmente distinta daquela que orienta o Estado de Direito. Entre nós, a autotutela é uma exceção e as disputas jurídicas devem ser resolvidas dentro dos limites legais por um juiz imparcial. As partes têm o direito de sustentar seus argumentos e o juiz decide o caso apreciando as provas que foram apresentadas pelos advogados. As prerrogativas outorgadas por Lei aos advogados equilibram as relações processuais entre eles e as autoridades do Sistema de Justiça.

Esta semana ocorreu um dos mais graves incidentes processuais desde a promulgação da Constituição Cidadã. O escritório de Cristiano Zanin, o advogado de Lula, foi invadido a mando de Marcelo Bretas. A reação da comunidade jurídica foi imediata, pois o abuso cometido pelo juiz carioca é evidente.

Nas últimas semanas André Mendonça, Damares Alves e Ives Gandra começaram a ser seriamente cogitados para a vaga no STF que surgirá em razão da aposentadoria do Ministro Celso de Mello. Portanto, devemos supor que Bretas agiu contra Cristiano Zanin para voltar a ficar em evidência na imprensa. Ao atacar o advogado do ex-presidente petista ele reafirmou sua devoção ao presidente Jair Bolsonaro voltando à disputa pela vaga no STF? Só o tempo pode responder essa pergunta.

Uma coisa é certa: ao lançar os dados contra Zanin o juiz da Lava Jato carioca parece ter se inspirado mais em Mad Max – Além da Cúpula do Trovão (1985) do que em Calígula (1979). Marcelo Bretas transformou sua Vara Federal no Thunderdome tupiniquim. Ele acredita realmente que sairá ileso do combate mortal contra o advogado de Lula? O desafio que ele fez já foi aceito. Zanin já afirmou que se defenderá empregando a LEI Nº 13.869, DE 5 DE SETEMBRO DE 2019.

O caso envolvendo Bretas e Zanin não é diferente do processo absolutamente nulo através do qual Sérgio Moro condenou Lula. Ambos se parecem muito com o procedimento que opõe o governo dos EUA à Julian Assange na Justiça da Inglaterra. Nos três casos, a Lei foi esvaziada e transformada num instrumento para destruir o adversário político. Negar o acesso à Justiça no momento mesmo em que ela deveria ser distribuída é uma característica do Lawfare.

No caso de Julian Assange, ao que parece, a Justiça inglesa está inclinada a utilizar o método de Calígula (1979). De um lado nós temos o poder político, econômico e militar dos norte-americanos e as necessidades diplomáticas da Inglaterra do outro os direitos outorgados ao jornalista odiado pelos militares dos EUA e da Inglaterra em virtude de ter revelado crimes de guerra cometidos durante a invasão do Iraque. As “evidências” mais pesadas favorecem a extradição ou Assange? Até a presente data o juiz do caso tem sinalizado que fará prevalecer os interesses de longo prazo da Inglaterra, país que se distanciou da União Europeia e pretende se aproximar dos EUA.

A justiça será feita se Assange e a liberdade de imprensa forem sacrificados para garantir a melhora do desempenho da economia inglesa? É evidente que não, pois no mundo moderno ninguém deve ser julgado e condenado à revelia da Lei porque os interesses de terceiros podem ser prejudicados pela solução dada ao caso.

Kaj Birket-Smith afirma que práticas culturais semelhantes podem ter sido difundidas através do contato entre os povos ou surgido de maneira independente em civilizações distintas e distantes. O que ele disse em relação à cultura também se aplica aos conceitos jurídicos e práticas processuais. Em virtude do sucesso da Internet, podemos dizer com segurança que na atualidade o Lawfare é um fenômeno global.

Ao redor do mundo Sistemas de Justiça que levaram séculos para superar o barbarismo estão sendo transformados em simulacros. O que os juízes distribuem em casos como aqueles que foram aqui mencionados (Bretas x Zanin; Moro x Lula; EUA e Tribunal Inglês x Assange) é mais parecido com a justiça dos filmes Mad Max – Além da Cúpula do Trovão (1985) e Calígula (1979) do que com a Justiça que eles devem distribuir na forma das legislações nacionais e da Lei Internacional.

Portanto, a reação ao Lawfare também deve ser global. O contato entre as vítimas do fenômeno já está ocorrendo e é essencial. Todavia, algo mais pode e deve ser feito: o Lawfare precisa começar a ser debatido nas Nações Unidas. Estados que sonegam a distribuição de Justiça usando Lawfare devem sofrer consequências diplomáticas.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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