De operação policial a Ser Supremo Nacional, uma radiografia da Lava Jato, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Quem realmente é esse ente/ser imaterial e paradoxalmente corpóreo que a imprensa criou e à qual foram atribuídos poderes jurídicos excepcionais para suspender a vigência da Lei produzindo irresponsabilidade total aos seus operadores?

De operação policial a Ser Supremo Nacional, uma radiografia da Lava Jato

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Em outubro de 2017, aqui mesmo no GGN, fiz algumas observações relevantes sobre a Lava Jato:

“Os objetivos precípuos do Direito são: a) garantir a previsibilidade das interações entre os cidadãos; b) proporcionar a administração dos conflitos e; c) garantir a pacificação da sociedade. Nada disto ocorre quando os Juízes 007 e os Desembargadores 171 entram em ação, pois eles dilaceram o conteúdo da Lei escrita tornando imprevisível o resultado das interações sociais. Eles também criam novos conflitos e acirram a guerra facciosa entre grupos políticos antagônicos. Transformado em polo de novos antagonismos, o Judiciário fica impedido de cumprir sua missão institucional.”

Volto ao tema por causa das revelações do The Intercept. Me parece evidente que o escândalo envolvendo Sérgio Moro, Deltan Dellagnol e outros protagonistas da Lava Jato levanta uma questão de suprema importância: A era dos juízes 007 e dos desembargadores 171 chegou ao fim ou ela está apenas começando?

A julgar pelas manifestações de alguns Ministros o STF segue dividido. Marco Aurélio de Mello, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski disseram que a conduta da inseparável dupla lavajatiana pode ser considerada irregular. Luiz Fux, Roberto Barroso e Edson Fachin minimizaram o escândalo. Alexandre de Moraes disse que o caso é complexo. Dias Toffoli, Carmem Lúcia, Rosa Webber e Celso de Melo não se pronunciaram.

Ao que parece, os Ministros do STF são incapazes de decidir quais serão os limites para as exceções ilegais que foram cometidas por Sérgio Moro no processo do Triplex. Na dúvida alguns Ministros parecem inclinados a seguir o relator. Mas o relator nesse caso não é o VICTOR nem a V.I.K.I. e sim o editor do Jornal Nacional.

Não é preciso rodar um programa de Inteligência Artificial para concluir que o STF perdeu o domínio do controle da distribuição da Justiça. Aquele Tribunal não é mais o guardião da Constituição (art. 102, caput, do STF), pois essa missão compete exclusivamente à imprensa.

O relacionamento privilegiado entre Sérgio Moro, Deltan Dellagnol e a imprensa já começou a ser provado pelo The Intercept. Mas nós não sabemos quem é que proferia as decisões em última instância. Lula foi gravado dizendo à presidenta Dilma Rousseff que o STF estava acoelhado. A verdade está nos chats. Apenas eles podem revelar ao respeitável público se o dever de julgar e condenar alguns réus foi deslocado do Poder Judiciário para a Imprensa Privada.

Se Sérgio Moro era apenas um garoto de recados da imprensa, todos os atos que ele praticou não podem ser anulados. Afinal, ele teria apenas e tão somente homologado a condenação de Lula que foi proferida pela imprensa. Nesse caso, enquanto os Barões da Mídia não mudarem seu voto, o STF seguirá dividido. Na dúvida alguns Ministros seguirão o editor relator. Mas se a própria imprensa se mostrar dividida, compete ao Presidente do STF protelar o andamento de qualquer processo cuja solução possa ser favorável ao sapo barbudo.

É impossível não deixar de notar uma ironia. A justiça brasileira se tornou uma ficção, dentro de uma ficção, dentro de uma ficção, dentro de uma ficção. Essa estrutura em abismo típica da obra Noite na Taverna, de Álvares de Azevedo, somente é rompida quando os procuradores, juízes, desembargadores e ministros de tribunais recebem seus salários nababescos (muitas vezes acima do teto em alguns casos).

Assim como a missão do Judiciário foi deslocada dos juízes para a imprensa, a missão do Estado deixou de ser distribuir justiça de maneira impessoal na forma da Lei. A única finalidade dele é sustentar as quadrilhas os bandos de juízes e de procuradores que ora se aliam à Lava Jato ora se encolhem diante dela. Os valentes que enfrentam a abjeta decadência jurídica brasileira existem. Mas eles são poucos.

Sempre disponível para demonstrar em público seu ódio e desprezo por Lula e sua peculiar predileção pela seletividade penal, FHC disse hoje que o STF não deve anular o processo do Triplex. Ao tentar reforçar a imagem da dupla lavajateira, entretanto, o ex-presidente tucano apenas aumentou a suspeita de que o atalho usado por Sérgio Moro e Deltan Dellagnol para impedir o PT de ganhar a eleição presidencial foi fruto de um cálculo politico e partidário.

As fotos de Sérgio Moro ao lado de líderes do PSDB sempre ganham um significado maior e mais preciso quando FHC se coloca ao lado da Lava Jato mostrando, assim, que o juiz sempre esteve ao lado dos adversários e inimigos de Lula. Não por acaso o The Intercept provou que FHC não foi investigado pelo MPF a pedido de seu juiz predileto. O apreço mutuo entre o herói lavajateiro e o ex-presidente tucano chega a ser comovente e, ao mesmo tempo, deprimente.

Sérgio Moro disse que irá à marcha para Jesus. Portanto, uma pergunta se tornou inevitável. Em junho de 2019 o juiz herói/vilão da telenovela “marca Triplex” anunciou que pretende fazer algo semelhante ao que Robespierre fez em junho de 1794? Essa pode ser uma manobra perigosa. Afinal, Robespierre começou a perder a cabeça no exato momento em que imaginou que poderia se identificar com a divindade cultuada pela Revolução Francesa.

Fico imaginando como o VICTOR julgaria um caso como o do Triplex. Programados para cumprir e fazer cumprir a Lei, uma Inteligência Artificial ficaria completamente esquizofrênica se tivesse que inventar exceções e escolher quais delas devem ser aplicadas ou não num caso específico. HAL 9000 não conseguiu cumprir sua missão sem se livrar dos astronautas. VICTOR inevitavelmente teria que tentar se livrar de alguns Ministros do STF, de todos eles ou, pior, de todos os cidadãos (repetindo o que V.I.K.I. faz na obra de Isaac Asimov).

Se a era dos Juízes 007 e dos Desembargadores 171 não chegar ao fim uma nova fase irá inevitavelmente começar. Qual será ela? Somente uma pessoa pode responder essa pergunta nesse momento: o Ser Supremo da Lava Jato. Impossível dizer quem é esse ser.

Algumas vezes o Ser Supremo da Lava Jato se identifica com o próprio juiz Sérgio Moro, outras vezes não. Alexandre Moraes vestiu o supremo manto lavajatiano ao suspender os acordos bilionários feitos por Deltan Dellagnol. Ao ser confrontado com os abusos cometidos no caso do Triplex ele preferiu tomar o cuidado de se despir dos poderes absolutos.

Narrador obsedado por citações precisas, Álvares de Azevedo certamente teria dificuldade para contar essa outra história de Taverna. Nem mesmo quando estão bêbados, os juristas brasileiros conseguem se entender. Nenhum denominador comum é possível quando se trata da Lava Jato. Hoje, durante o almoço, um advogado amigo meu me disse que considera perfeitamente normal um juiz conspirar com o procurador fora dos autos para condenar o réu cujo advogado foi grampeado para facilitar o trabalho da acusação. Desde que isso não ocorra nos processos dele está tudo bem, suponho.

Todos sem qualquer exceção, juristas, juízes, procuradores, cidadãos comuns e jornalistas, amigos e inimigos da Lava Jato, parecem querem vestir o manto supremo lavajatiano. Mas ninguém consegue mais refrear o desejo desse “ente que se transformou em ser” (para usarmos aqui uma linguagem filosófica sofisticada) de destruir o PT nem que para isso a Lava Jato tenha que destruir todas as instituições públicas brasileiras.

Quem realmente é esse ente/ser imaterial e paradoxalmente corpóreo que a imprensa criou e à qual foram atribuídos poderes jurídicos excepcionais para suspender a vigência da Lei produzindo irresponsabilidade total aos seus operadores? Seria ele uma inteligência artificial como VICTOR, V.I.K.I. e HAL 9000? Ou será que ele é um alienígena (vide Ernesto Araújo) que entrou no Brasil pelo buraco de minhoca que perfurou a Terra Plana (consulte Olavo de Carvalho) até se infiltrar em nosso território?

Fábio de Oliveira Ribeiro

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