Escolha já o nome do novo ministro do STF

A primeira coisa que vi hoje foi esta notícia me enviada por um colega de profissão:

“Na fase inicial do projeto, VICTOR irá ler todos os recursos extraordinários que sobem para o STF e identificar quais estão vinculados a determinados temas de repercussão geral. Essa ação representa apenas uma parte (pequena, mas importante) da fase inicial do processamento dos recursos no Tribunal, mas envolve um alto nível de complexidade em aprendizado de máquina.

VICTOR está na fase de construção de suas redes neurais para aprender a partir de milhares de decisões já proferidas no STF a respeito da aplicação de diversos temas de repercussão geral. O objetivo, nesse momento, é que ele seja capaz de alcançar níveis altos de acurácia – que é a medida de efetividade da máquina –, para que possa auxiliar os servidores em suas análises. A expectativa é de que os primeiros resultados sejam mostrados em agosto de 2018.

O projeto está sendo desenvolvido em parceria com a Universidade de Brasília – UnB, o que também o torna o mais relevante Projeto Acadêmico brasileiro relacionado à aplicação de IA no Direito. A UnB colocou na equipe pesquisadores, professores e alunos de alto nível, muitos com formação acadêmica no exterior, de 3 centros de pesquisa de Direito e de Tecnologias. Dentro de pouco tempo teremos publicações sobre o desenvolvimento de VICTOR e as suas perspectivas. Os artigos científicos, que já estão sendo confeccionados, serão publicados nos mais importantes centros de pesquisa do mundo. Tecnologia brasileira incentivada e destacada no mundo.

VICTOR não se limitará ao seu objetivo inicial. Como toda tecnologia, seu crescimento pode se tornar exponencial e já foram colocadas em discussão diversas ideias para a ampliação de suas habilidades. O objetivo inicial é aumentar a velocidade de tramitação dos processos por meio da utilização da tecnologia para auxiliar o trabalho do Supremo Tribunal. A máquina não decide, não julga, isso é atividade humana. Está sendo treinado para atuar em camadas de organização dos processos para aumentar a eficiência e velocidade de avaliação judicial.”

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=380038

As objeções que podem ser levantadas à novidade são muitas. A primeira e mais banal é a seguinte, a distribuição de justiça por um programa de I.A. fere os princípios constitucionais do devido processo legal, da recorribilidade das decisões judiciais, da inexistência de juízo de exceção, do direito à ser julgado e sentenciado somente pela autoridade competente, da fundamentação e publicidade das decisões proferidas pelos juízes, da inafastabilidade do conhecimento de qualquer pretensão judicial, etc… aos quais pode ainda ser acrescentado o direito ao julgamento proferido por um juiz isento prescrito tanto na Declaração Universal dos Direitos do Homem quanto no Declaração Sul Americana de Direitos Humanos.

A Justiça é uma criação humana e, portanto, imperfeita. Nas suas imperfeições nós podemos encontrar tanto os seus defeitos quanto as suas virtudes. A imperfectibilidade da Justiça distribuída por seres humanos para seres humanos justifica a inexistência de decisões judiciais irrecorríveis. Esta também é a razão pela qual as decisões mais importantes não são tomadas por juízos singulares e sim por juízos colegiados.

Se um programa de I.A. filtrar os recursos interpostos pelos cidadãos o autor da decisão deferindo ou indeferindo o processamento dos recursos não será o Juiz que assinar o despacho. Portanto, em tese a parte somente teria acesso à consciência imperfeita dos julgadores quando interpusesse Agravo contra a decisão que denegou seguimento ao seu recurso. Todavia, se o Agravo também for filtrado pela própria I.A. me parece evidente que as chances de vitória do cidadão serão tão pequenas quanto as de um enxadrista que joga contra um computador.

Há algum tempo o enxadrista Boris Alterman desistiu de jogar contra computadores. “É como se tentasse apostar corrida com uma máquina. Está ficando quase impossível para enxadristas humanos jogarem com máquinas”, disse ele http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160122_vert_fut_xadrez_maquina_fd. A utilização de I.A. certamente irá produzir o mesmo efeito nos advogados. Eles irão desistir de recorrer. Isso poderá aliviar o trabalho dos juízes, mas não significará que a qualidade da justiça distribuída pelo Estado irá melhorar.

Em se tratando de uma atividade humana imperfeita, a distribuição de Justiça opera através da incerteza. Ela pode tanto produzir decisões justas que parecem injustas quanto decisões injustas aparentemente justas. A credibilidade da Justiça não está na sua perfeição, mas na seriedade dos juízes e na sua capacidade de aprender e de corrigir os próprios erros.

Qualquer advogado com alguns anos de experiência poderia contar uma história em que a justiça não teria sido feita se um programa de I.A. tivesse rejeitado, ou pior, inibido a interposição de um recurso.

No início de minha carreira como advogado trabalhei num processo envolvendo dois sindicalistas. Na fase recursal a empresa, uma multinacional de capital alemão, anexou ao processo um Parecer do caso formulado pelo professor Amauri Mascaro Nascimento. O TRT/SP rejeitou a pretensão dos meus clientes com base no referido Parecer, cujos fragmentos foram reproduzidos no Acórdão.

Antes de interpor o Recurso de Revista e prevendo a inevitabilidade de um problema de natureza extraprocessual que já havia aflorado naquele processo (a credibilidade do Parecer de um eminente jurista com diversos livros publicados havia sido considerada muito maior do que a dos argumentos que seriam expostos por um jovem advogado) resolvi atacar a questão de maneira indireta. Através de Embargos de Declaração demonstrei ao TRT/SP que o Parecer do professor Amauri Mascaro Nascimento estava rigorosamente correto, mas a conclusão dele não se aplicava ao caso concreto dos meus clientes. O problema teórico proposto pela empresa ao jurista era ligeiramente diferente daquele que estava sendo debatido nos autos, cuja solução somente poderia ser outra e com base num fundamento legal e jurídico distinto.

Minha intenção ao interpor os Embargos de Declaração era apenas abrir caminho para o Recurso de Revista. O TRT/SP, contudo, acolheu o recurso e deu ao mesmo efeito modificativo para reconhecer o direito dos meus clientes à estabilidade no emprego que estava sendo pleiteada. No momento em que recebi a intimação do resultado me apaixonei completamente pela advocacia. Não por causa da vitória (uma derrota naquele caso também seria honrosa) e sim em razão da beleza de uma atividade tanto incerta quanto imperfeita que é capaz de igualar os pobrezinhos aos poderosos.

A beleza da advocacia deixará de existir no momento em que a I.A. do STF começar a desestimular os advogados de recorrer. Pior, a advocacia será transformada numa atividade impessoal e embrutecida à medida que os escritórios de advocacia com mais recursos econômicos começarem a usar I.A. para furar o bloqueio da I.A. colocada à serviço dos Tribunais.

No século IV a.C. o sofista Trasímaco foi criticado por Sócrates em razão de acreditar que a justiça era tudo o que o dominante dizia ser justo. Os defensores da inovação adotada pelo STF podem dizer o que quiserem. De minha parte continuarei resolutamente socrático e, portanto, defendendo a distribuição de uma justiça imperfeita por homens imperfeitos para seres humanos igualmente imperfeitos.

No mundo real a autoridade do discurso pode sobrepujar o discurso de autoridade. Foi o que ocorreu no caso dos meus dois clientes. No implacável mundo virtual a disparidade de armas condenará à obsolescência os escritórios modestos mantidos por advogados esforçados. Eles não terão como furar o bloqueio da I.A. utilizada pelo STF, nem condições econômicas de competir com a I.A. criada sob encomenda pelos escritórios mais poderosos.

Em “I, Robot”, filme de 2004 baseado no livro homônimo de Isaac Asimov, o personagem V.I.K.I. (Virtual Interactive Kinetic Intelligence) chega a conclusão de que as três leis da robótica devem ser revogadas e que os seres humanos não podem ser livres porque são incapazes de fazer um bom uso da liberdade. VICTOR, o programa de I.A. que está sendo desenvolvido pelo STF rapidamente chegará à conclusão de que os cidadãos brasileiros não devem ter direito a recorrer, pois alguns deles tentam trapacear (contratam escritórios que usam I.A. para furar o bloqueio da I.A. do Tribunal) e outros, a maioria suponho, nunca é capaz de utilizar corretamente o direito recursal.

O avanço da nova tecnologia no campo jurídico produzirá mais injustiças do que justiças, pois a vitória do mais forte poderá ser garantida e a derrota do mais fraco resultará da rejeição do seu recurso ou, pior, da desistência do direito de recorrer inutilmente. Portanto, na melhor das hipóteses, a I.A. criada pelo STF deveria se chamar TrasImAco. Na pior, ela receberá o apelido de VIKItor nas representações que serão feitas pelos advogados contra o Brasil na OEA e na ONU.  

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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