Depois do vendaval…, por Sylvia Moretzsohn

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Foto UOL

Depois do vendaval…

por Sylvia Moretzsohn

Depois do vendaval de ontem, talvez seja possível refletir melhor sobre o sentido do que aconteceu. 

Duvido que os deputados que entraram com pedido de habeas corpus para Lula acreditassem mesmo que teriam êxito: manter Lula preso é questão de segurança nacional, como o general Villas Boas deu a entender naquele seu famoso tuíte divulgado no encerramento do JN, na véspera de um julgamento decisivo no STF – justamente, do habeas corpus preventivo para Lula, dias antes de sua prisão, há três meses.

Ao insistirem nesse pedido, escolhendo o dia em que o único desembargador que lhes era favorável estaria de plantão, conseguiram criar um fato político fundamental, de repercussão internacional, e forçar os membros do Judiciário envolvidos com a causa a agir de maneira flagrantemente ilegal. 

Se foi esse o objetivo, foi plenamente alcançado. 

Todo o resto é bobagem. Os vídeos dos dois deputados indignados com o que ocorria, dizendo que se a ordem de soltura não fosse cumprida estaríamos irremediavelmente entrando num Estado de exceção, são pura encenação para a militância. E é interessante notar como o impacto das notícias é diferente conforme as sensibilidades do público: quando, há dois anos, aquela singela conversa telefônica entre Lula e Dilma foi divulgada, e ganhou ares de conspiração, uma multidão tomou as ruas de várias capitais na mesma noite – à noite, o que não é exatamente comum -, incitada pela mídia, que não parava de dar flashes das mobilizações, e a partir daí foi a avalanche que se viu até o desfecho do golpe.

Agora, a circulação dos vídeos sobre mais essa violência judicial não provoca o mesmo efeito, em parte porque a mídia corporativa faz o seu trabalho em aliança com esse judiciário, em parte porque essa indignação só atinge quem está convencido da injustiça contra Lula e sabe o que significa a desobediência de ordens judiciais. Os outros, pelo contrário, não hesitam em justificar quaisquer meios para assegurar os fins (no caso, manter Lula preso), sem perceberem – em parte porque a mídia não diz – o alcance de medidas que solapam os ritos da democracia formal. São, historicamente, a massa que alimenta o fascismo.

O que me preocupa, de todo modo, é a insistência em ficar denunciando essas arbitrariedades dois anos depois do golpe, que deixou clara a inviabilidade de qualquer saída institucional para essa crise. 

Que Moro comete crimes, isso ficou evidente no episódio da gravação ilegal, em março de 2016. Todo o resto é consequência – e, entre elas, está a morte… acidental do juiz que ousou pedir-lhe explicações. Desde essa ilegalidade impune entramos num regime de exceção, que apenas se agravou até a prisão de Lula e, agora, com esse episódio escandaloso. 

Há dois anos esse discurso se repete. Se há consciência de que o golpe é a ruptura da institucionalidade democrática, mesmo com todos os limites da nossa pálida democracia, então seria necessário estabelecer uma estratégia de ação eficaz. Em vez disso, insiste-se nas denúncias, na indignação, na verborragia estéril que fala para convertidos. Excitam-se as emoções, cria-se uma falsa expectativa e o resultado é um misto de revolta, decepção e desespero. 

O que exatamente se pretende com isso, eu não sei. Mas sei que não pode nos conduzir a bom porto.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. GM já deu a deixa: se quiser ser solto, desiste da candidatura

    Lula muito mais esperto que nós, já sabe disto. Se precisam de mais provas de que a coligação tucanos-midia golpista-setores retrógrados e vendidos do judiciário não querem e nem vão deixar Lula ser candidato em 2018, já tiveram. Se querem mesmo Lula livre e disputando: #POVONAS RUAS

  2. Concordo e tenho pena do que

    Concordo e tenho pena do que vão fazer com o Rogerio Favreto. Além disso, pode estar começando uma onda de perseguição aos magistrados progressistas, com o álibi de que são todos partidarizados. Acho que faltou um pouco de cálculo de longo prazo nas ações dos deputados. A emenda pode sair pior que o soneto. Bolsonaro, por exemplo, já vem a algum tempo dizendo que se eleito, vai aumentar o número de ministros no STF para diminuir a influência dos que já estão no cargo. Dependendo de como essa história ficar na cabeça das pessoas simples, ele ainda pode sair por cima nessa história.

  3. Manter Lula preso é garantia de fortuna para netos de juizecos e

    de oficiais da milícia fardada..

    Uma pergunta fundamental aos que ainda creem que a perseguição judicial ao Presidente Lula é motivado APENAS por preconceito ideológico…

    a) Quanto os grandes barões da mídia, dos bancos, das cervejarias e de petrolíferas estrangeiras dispuseram para a COMPRA da condenação de Lula ? 

    Resultado de imagem para justiça dólares

  4. É plausível à via judicial,

    É plausível à via judicial, republicana, própria de um Estado de Direito, utilizada por Lula e seus advogados para reverter o que de ilegal for implantado. Da mesma forma não se justifica a não aceitação das decisões das Instituições responsáveis pela harmonia jurídica do Pais, como Instâncias de piso, TRFs, STJ, STF, e seus representantes. Mas tudo isso, só depois do paredon, mesmo que seja metafórico, higienizando esses ambientes e estirpando os vermes.

  5. Comentário repetido..

    A salvação é o amor.

    Não é pregação religiosa, nós temos que mobilizar a população e o cimento dessa estrutura é o amor, a inclusão..

    .. mas não plataforma de campanha, amor de verdade, inclusão de verdade..

    .. nenhum a menos..

    .. o desafio agora é como fazer essa mensagem chegar ao povo..

    .. concordo plenamente com o autor.. estamos a pelo menos 2 anos com cara de viado que viu caxinguelê e não saimos do lugar..

    .. podíamos estar melhor organizados..

    .. podemos começar agora..

  6. E a senhora doutora sugere o que?

    Não temos condições objetivas para derrubar a bastilha. A anarquia institucional se institucionalizou de vez.Não existe lei, nem constituição, nem judiciário, nem direitos. Existe uma caçada. E a senhora doutora quer que façamos o que, além do que já esta sendo feito?? Acender uma fogueira e nos imolarmos em holocausto??? 

  7. qual o objetivo?

    o objetivo é claro: vivemos  um estado de exceção. A solução simples é o povo na rua exigindo o retorno á normalidade democrática. Mas os detentores do poder não se entregarão nem deixarão o clamor chegar na esfera pública. Então a estratégia é mostrar as viceras do estado de exceção, tornar as fraturas insuportáveis de tal maneira que o poder dê de joelhos. Quando o poder de governar fraquejar, que a sociedade se loclupete da democracia ou caiamos TODOS  no vácuo do poder: A BARBARIE.

  8. Depois da abulia atual, a resistência à miséria…
    Nassif, criança e adolescente do NE paulista e Sul de MG, cercado de serras, vales, furnas e cavernas por todos os lados – todas com nascentes ou correntes d’água dos afluentes do rio Grande e de sua bacia hidrográfica – cresci percorrendo essas minas subterrâneas, junto com os garimpeiros em busca de ouro e pedras preciosas ou simplesmente pescadores em busca dos cardumes que ali cresciam, bem como dos poços de caldas ou águas quentes ali aflorantes. Por esse motivo, acompanho as imagens do salvamento de uma dúzia de crianças tailandesas com uma mescla de compaixão pelo drama que vivem e de revolta pela indiferença geral que marcou, no domingo, o destino de quem salvou pelo menos 60 milhões de conterrâneos dos grotões da fome e miséria em nosso país. De um lado, o mundo inteiro galvanizado pelo salvamento de um time juvenil, do outro, a apatia quando o Judiciário mantêm confinado ou enclausurado o responsável pelo resgate de milhões de crianças, jovens, adultos e idosos das brenhas profundas da desigualdade social. A emoção que cerca o resgate de 13 pessoas versus o distanciamento frio quanto ao destino de Lula resume bem a situação atual, mas uma síntese de nossos males pode ser o fato de Claudio Tognolli, professor de ética do Departamento de Jornalismo da USP, ter divulgado em seu tuíter o número do telefone celular do desembargador que mandou soltar Lula, como forma de intimidação ou incentivo ao linchamento de Rogério Favretto. Ainda bem que temos Sylvia Moretzsohn, professora aposentada de ética do curso de jornalismo da UFF para fazer ese contraponto em que ressalta a necessidade de um plano de ação eficaz para vencermos o golpismo que mantêm Lula como preso político. Irritada, com razão, com as repetições das mesmas denúncias, indignações e verborragia para convertidos, se esquece até do que já escreveu, sobre a falta que faz termos pelo menos um grande jornal a favor de Lula, como foi o caso do jornal Última Hora, que em 1954 foi solidário à Getúlio Vargas durante o cerco que a grande mídia da época moveu contra o caudilho gaúcho até que este cometesse suicídio. Sem um único grande veículo a nosso favor, o jeito é continuar com as repetições via blogs sujos e redes sociais, com a desvantagem de não poder contar com o rádio (que continua sendo, ao lado da TV, o grande formador de opinião pública, repetindo o que os jornais que encalham nas bancas trazem publicado), mas contando, infelizmente, com o poder de convencimento imbatível do regresso da fome e do acirramento das desigualdades sociais. Não há lavagem a jato que resista muito tempo à realidade, muito menos um judiciário sem qualquer credibilidade que mantêm Lula na caverna de Moro e da Polícia Federal, enquanto o executivo e o legislativo leiloam o pré-sal e demais riquezas nacionais em troca da melhor propina; enquanto o fim das conquistas trabalhistas e acirramento da crise faz a alegria dos rentistas e o beco sem saída em que a criminalidade explode e a impunidade campeia, atingindo a grande maioria dos 210 milhões de vítimas da grande doença que nos sufoca. A abulia, essa falta de vontade de reagir à adversidade, esse sentimento de fraqueza ou de impotência que a Psicologia considera fomentador da depressão e outros transtornos mentais que não resistem, entretanto, ao poder persuasivo da fome e demais carências que diferenciam qualidade de vida de necessidade de sobrevivência; retórica discursiva de reações concretas contra a miséria. Só então, como na Tailândia, deixaremos as fossas abissais do conformismo em direção à superfície e às ruas capazes de abrigar nossos gritos de cidadania e funcionar como palco da resistência à ditadura togada e midiática que nos anestesia e paralisa por enquanto. Até lá, sofrimento que segue.

  9. Mudar o lado do disco

    Muito boa análise. De fato, se não se mudar o lado do disco, ficaremos estagnados à espera de uma mudança gerada por um pacto “por cima”, ou de fatores externos que venham a forçar uma alteração do quadro vigente.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador