Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
[email protected]

Doria: Nazismo na Cracolândia, por Aldo Fornazieri

Doria: Nazismo na Cracolândia

por Aldo Fornazieri

Em nome do combate ao tráfico de drogas, da cidade linda e da reurbanização da região da Luz, o prefeito Dória, com o apoio do governo do Estado, desencadeou um verdadeiro pogrom na região da Cracolândia. Pogrom é um termo de origem russa nascido para designar as ações de massacres contra judeus no século XIX. Mas o termo se generalizou e designa ações violentas (assassinatos, expulsões e agressões) praticadas pelo Estado, por forças policiais ou paramilitares contra grupos sociais ou étnicos específicos. Essas ações transitam desde massacres e extermínios até a dispersão e o desalojamento geográfico desses grupos vitimizados. O nazismo usou os pogroms em larga escala. O pogrom nazista mais famoso é conhecido como “A Noite dos Cristais”, ocorrido em 1938, no qual foram queimadas sinagogas, judeus assassinados, lojas saqueadas e destruídas, tudo com o beneplácito do Estado nazista.

O pogrom oficial de Dória não chegou a tanto, mas teve dispersão de uma comunidade de doentes e dependentes químicos, várias bombas, agressão policial, lojas fechadas, pessoas despejadas, derrubada de casas sobre moradores, interdição de áreas com uso de força armada, trabalhadores e crianças saindo apenas com a roupa do corpo e pessoas proibidas de entrar em suas próprias casas. Expressando a ideologia típica da elite branca dos Jardins, o prefeito Dória mostrou-se valente contra doentes e moradores de rua e, no alto da sua arrogância, decretou, por ato de vontade, o fim da Cracolândia para todo o sempre. Governar por atos de vontade e ao arrepio da lei é uma conduta típica dos totalitários de todos os tipos e do nazismo em particular.

Com os sucessivos desastres na Cracolândia ao longo da semana, a fama de bom gestor de Dória virou pó, provocando, inclusive, a demissão de sua Secretária de Direitos Humanos que classificou a operação de “desastrosa”. O manual de arrogância e violência de Dória contrasta com todas as recomendações internacionais, técnicas e médicas que são taxativas em afirmar que a questão da dependência química é uma questão de saúde pública e não uma questão policial ou criminal. O grande gestor insurgiu-se contra a prudência desse consenso do bom senso. O resultado foi a criação de várias cracolândias e de uma nova Cracolândia, ainda maior, na Praça Princesa Isabel.

O outro quase consenso contra o qual Dória se insurgiu é o de que a estratégia da Guerra às Drogas fracassou. Estudos e a experiência internacional mostram que a Guerra às Drogas, até agora, proporcionou gastos de trilhões de dólares e atingiu principalmente pequenos produtores, traficantes intermediários e os consumidores. Na ação espetaculosa do prefeito contra a Cracolândia foram presos 38 traficantes e apreendidas algumas armas. O que consta é que nenhum desses presos é um grande traficante, um chefe do tráfico em São Paulo. Ou seja, os extraordinários gestores de São Paulo estão enxugando gelo.

Não satisfeito com o desastre de sua violência contra doentes indefesos, o prefeito quis ir mais longe no seu autoritarismo. Anunciou internações forçadas de dependentes químicos e buscou o respaldo na Justiça para perpetrar este ato contra a liberdade das pessoas e contra os direitos civis de doentes. Um juiz, cuja qualificação é inominável, concedeu o aval para o arbítrio, mas logo derrubado pelo desembargador Reinaldo Miluzzi. Em seu despacho o desembargador afirma que o pedido da prefeitura é “impreciso, vago e amplo e, portanto, contrasta com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, porque concede à municipalidade carta branca para eleger quem é a pessoa em estado de drogadição vagando pelas ruas de São Paulo”. Ou seja, o desembargador compreendeu o caráter arbitrário emboscado na petição da prefeitura. Além disso, ele suspendeu o sigilo judicial do pedido, pois isto fere o mais elementar princípio democrático que é o da publicidade e transparência dos atos dos agentes públicos.

Um prefeito contra a cidade

 Como se sabe, o consenso médico, técnico e jurídico admite a internação compulsória em casos especiais e com medidas adequadas, sempre a partir de uma abordagem e avaliação individualizadas do dependente. Dória se insurge contra este consenso, não por conta de erro ou de não compreensão das circunstâncias, mas pelo capricho autoritário de querer fazer valer a sua vontade. Vontade que, no caso da Cracolância, mistura ideologia autoritária, rejeição aos pobres e moradores de rua, racismo, interesses econômicos, especulação imobiliária e pressa em se projetar nacionalmente em face de sua aspiração de ser candidato à presidente da República no próximo ano.

Várias das principais ações de Dória até o momento mostram que ele governa contra a cidade. No caso da Cracolândia, esta sucessão de erros, este ataque ao bom senso e à prudência, são demonstrações de desumanidade e de falta de piedade para com aqueles que precisam de ajuda em face de sua desgraça. O prefeito mandou cortar parte do programa Leve Leite, um programa suprapartidário, pois foi criado por Maluf e mantido por Pitta, Marta, Serra Kassab e Haddad. Da mesma forma, a Virada Cultural, tal como vinha sendo editada, abrigava um consenso suprapartidário, pois os últimos prefeitos, independentemente de partidos, mantinham o mesmo formato. Em sua fúria destruidora, a gestão Dória a modificou, resultando num fracasso.

No seu excesso de esperteza, o prefeito vem fazendo o seguinte: rebatiza programas de gestões anteriores como se fossem novos e paralisa os programas anteriores sem tirar do papel aqueles rebatizados. Vive mais em eventos,  festividades, em viagens para Dubai, Seul, Europa e Estados Unidos para promover negócios privados enquanto abandona a cidade à sua própria sorte. Semáforos apagados, buracos nas ruas, lixo espalhado, falta de zeladoria, hospitais municipais sem remédios e leitos, trânsito cada vez mais lento é o que não falta.

Dória não está fundamentalmente focado em governar a cidade de São Paulo. Quer ser presidente. Para isso, busca criar um culto em torno de si. Quer conquistar devotos a partir da imagem de que ele é um grande gestor, um grande transformador. Faz promessas grandiosas, anuncia programas mirabolantes, zera filas, acaba com Cracolândias, faz e desfaz a cidade. A dor, o desemprego, a trágica desgraça dos drogados e dos moradores de rua, as horas perdidas no trânsito, o crescimento das mortes nas marginais, tudo se transforma em “cidade linda” sem que nada aconteça e mesmo que as condições da cidade piorem. Com esse passe de mágica, os devotos crescem, principalmente fora de São Paulo.

Dória inventa títulos entusiasmados para programas que não existem, anuncia o começo e o fim de tudo, sem que nada mude, usa palavras envernizadas para ações que não são nem explicadas e nem detalhadas. No seu manual, ensina-se que é preciso combinar promessas vagas com conceitos nebulosos mas atraentes, tudo embrulhado no entusiasmo ardente da demagogia. Se algo sair errado, Dória se retira de campo e terá sempre um secretário, um auxiliar ou um inimigo como bodes expiatórios.

Para Dória não importa a dor da família dos drogados, não importa o vazio da alma do dependente químico, não importa da desgraça do morador de rua, não importam as atribulações dos trabalhadores, não importam as angústias dos desempregados, não importam a falta do pão e do leite para as crianças. Tudo isto é coisa feita, que atrai mais desgraça. O que importa para ele é o brilho do poder pelo poder, as luzes das festas, a fama da celebridade, o arrogante conforto da riqueza. Dória é o mais lídimo representante da ideologia perversa da elite branca dos Jardins. Esta mesma ideologia que interdita diretos, hipoteca o futuro do povo e condena o Brasil a um passado eterno de iniquidades e injustiças.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política.

14 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Professor Aldo Fornazieri, na

    Professor Aldo Fornazieri, na mosca.

    Dória é uma farsa.

    A Globo por enquanto tá fazendo o papel dela, dá umas palmadinhas e depois que ele estiver no ponto, ela empacota e vende para os Midiotas de sempre.

  2. Professor Aldo Fornazieri, na

    Professor Aldo Fornazieri, na mosca.

    Dória é uma farsa.

    A Globo por enquanto tá fazendo o papel dela, dá umas palmadinhas e depois que ele estiver no ponto, ela empacota e vende para os Midiotas de sempre.

  3. Concordo com o artigo
    Mas penso que as motivações para ação desastrada de Doria, expostas no 1o parágrafo, são sofisticadas demais para mente primária do alcaide.

    Foi uma ação de marketing. Até a roupa que o prefeito usou foi escolhida com intenção de impactar. Dois dias antes, Doria se lançou ao Planalto em evento em NY (brega demais isso) e foi flagrado aos abraços com o homem da mala de Temer, seu sócio.

    A ação na Cracolândia foi claramente pensada para apagar a imagem do abraço. Daí a ação irresponsável e não planejada que resultou​ em bárbarie, sangue e morte.

  4. como na prática é impensável

    como na prática é impensável sabermos a opinião de todos os eleitores dessa desgraça, estatisticamente a resposta pode ser buscada. se antes foram enganados, agora já da p/saber se continuam elegendo o senhor da obscuridade, do falso, do marketing puro e simples. é coincidência que o prefeito e aquele capitão-deputado-federal sejam campeões das “redes sociais”? (claro, se a info é correta.) não nos iludamos porque não nos iludimos: a sociedade brasileira, a cordial e feliz sociedade brasileira é fascista no geral e no atacado…ou seria apenas feita de uma grande parcela de verdadeiros idiotas que atuam contra si mesmos? 

  5. Ideologia perversa da elite

    Ideologia perversa da elite branca dos Jardins? Se fosse só dessa elite Dória não se elegeria e nem teria indices altos de aprovação. 

    Essa idelogia perpassa as várias classes sociais paulistanas condicionadas pelo sentimento de superioridade com relação ao resto do Brasil e às classes sociais que lhe vem abaixo, pelo acomodamento à péssima qualidade de vida urbana e ao embotamento do sentido crítico aceito passivamente dos meios de comunicação. 

    Numa estadia recente em São Paulo ouvi de dois motoristas de Uber elogios ao Dória: um o elogiou por ter coberto a 23 da Maio de cinza e o outro o elogiou por ter “acabado” com esses vagabundos da Cracolândia. Dória representa com perfeição a arrogância da maioria dos moradores da cidade de São Paulo. Não perguntei, mas ambos os motoristas deviam estar fazendo bicos com o “carrinho novo” conquistado nos governos petistas. Sequer tem idéia de qual governo os representam, querem mais é se igualar aos fascistas que lhes oprimem. Opressão que repassam para quem esta abaixo de sua escala social.

    1. Como eu sempre gosto de

      Como eu sempre gosto de lembrar, muita gente da senzala, ai muitos motoristas de uber, não quer deixar de ser senzala, querem ser casa grande! Em tempo, o carrinho novo que vc fala pode muito bem ser alugado! O cara trabalha pra uber, prá locadora leva 20 reais prá casa no final do dia, e fala bem do doria!

  6. doriana é o sinhozinho da

    doriana é o sinhozinho da casa grande. Se os pobres e coitados da cracolândia não servem para escravizar, que sumam nos hospitais(?) psiquiátricos dos amigos do prefeito, e aquela área agora “livre” dos drogaditos pode ir à especulação imobiliária. Simples. Quem pariu doria que o embale! Me lembro de dias antes da eleição para prefeito, peguei um Uber e inocente perguntei para quem o motorista votaria: dória, respondeu o tonto todo orgulhoso, quase respondi, vai diirigir uber muito tempo ainda….

    1. doriana….

      Dória é tudo isto. Um factóide produzido pela centro-esquerda paulistana. Como honestidade, uma nova forma de fazer politica ou Constituiçãofarsacidadã. Mas nazista é toda politica nacional. Politica que produziu em menos de 3 décadas, durante governos tucanos e petistas, a cracolândia. Coincidência? Produto de uma política que assombra o planeta, principalmente  em São Paulo e Rio de Janeiro. Nossa politica nacional de poucos anos produziu tantas referências mundiais. Uma melhor que a outra.  

  7. O boneco oco

    Vovoh dizia para os netos, ainda crianças, por fora bela viola, por dentro, pão bolorento. As aparências podem enganar, crianças. João Doria Junior nunca me enganou. Desde que o vi naqueles programas na Rede Machete ou no Amaury Junior que achava a pessoa insuportavelmente hipocrita e superficial. Se ficasse soh ali no meio empresarial, enganando um trouxa ali outro acola, problema deles, mas desde que passou a fazer politica como dirige seus negocios, fiquei preocupada. Espero que não seja nunca governador muito menos presidente de Pais nenhum. O Brasil não merece isso. Não por aqueles que so “vencem por dizerem sim”, mas pelo povo que esta sofrendo novamente um futuro sem perspectiva.

    E muito admira-me que um homem como Fernando Henrique Cardoso apoie alguém que sera nefasto para o Brasil, como apoiou o inescrupuloso Aécio Neves. Essa fatura também deve ser debitada no nome dele.

  8. O uso impróprio da denominação fascista esvazia uma …….

    O uso impróprio da denominação fascista esvazia uma importante visão nazi-fascista de Dória.

    Em qualquer manifestação, em qualquer texto utiliza-se contra qualquer elemento com tendências autoritárias a denominação de “fascista”. Este uso abusivo de um termo importante para caracterizar um movimento completamente anormal foi simplesmente esvaziado da gravidade para ele reservado.

     

    Este esvaziamento de sentido, no momento que aparece exatamente uma pessoa que personifica e preenche os requisitos básicos iniciais de alguém com claras tendências nazifascista, tira o impacto e a gravidade que ao termo deveria ser reservado.

     

    O artigo do professor Fornazieri caracteriza claramente não só o comportamento nazifascista do prefeito Dória, mas como também mostra que uma parte importante e a mais cruel desta ideologia, está sendo utilizada.

     

    Dória está escolhendo o seu “judeu”, no caso o dependente de crack. Dória chegou a tentar criar seus campos de “internação” para tratar seus “dependentes”, algo que exatamente no Alemanha Nazista encontra similar nas ações eugênicas que foram feitas contra doentes mentais e deficientes em geral ainda antes da guerra.

     

    Lembro que as primeiras ações que foram realizadas pelo Füher não foram à perseguição aos judeus, mas sim aos mais fracos e desvalidos, os doentes mentais e indivíduos que eram considerados imprestáveis ao sonho da raça pura, e foram com assistência médica simplesmente executados.

     

    Acho inclusive que o professor Fornazieri na sua indignação até atropelou um pouco a história, pois se tivesse recuperado as ações feitas pela política eugênica desenvolvida não só na Alemanha Nazista, mas também em países tidos como civilizados como o próprio Estados Unidos e Suécia, teria ido bem mais longe na crítica ao nazi-fascismo de Dória.

  9. DOENTES INDEFESOS?

    Matéria fraca. Dúvido que Aldo fez um tour pelas cracolândias. Vivo perto de uma. 

    posso garantir que nao são doentes indefesos. São doentes que usam faca para furar a barriga das pessoas e roubar e matar. 

     

    Na ação do governador e prefeito, tem muitas coisas para melhorar. É uma ação continua. 

    De qlq forma, começou. 

    Alex

  10. A ideia dele é tosca, sem

    A ideia dele é tosca, sem duvida,

    Mas e ai, o que fazer ? O tal programa do Haddad resolveu o problema ?

    Uma cidade como São Paulo não pode permitir esse aglomerado de pessoas amontoadas e drogadas andando feito zumbis.

    É preciso que se faça alguma coisa. Qual a ideia da esquerda ou do Aldo ?

    E a política, será que já experimentou trabalhar e coibir o tráfico que chega aos nóias  ? 

     

  11. Um ponto que não entendi no

    Um ponto que não entendi no programa do Margarina.

    Quer dizer que está sobrando vagas de internação para dependência química, os nóias é que não querem ser internados ?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador