Mais economia (com renda, trabalho e arte), sensibilidade humana e ambiental, com menos finanças, por Luís Maurício Martins Borges

Contudo isso, o que significa o vírus COVID-19  numa perspectiva de história da humanidade? Um problema financeiro, de riqueza econômica e de ânimo dos mercados?

Mais economia (com renda, trabalho e arte), sensibilidade humana e ambiental, com menos finanças

por Luís Maurício Martins Borges

A economia como campo prático de conhecimento data dos primórdios do processo de desenvolvimento das capacidades humanas. Podemos considerar como  fato fundante da humanidade o aprender, que pode ser notado desde o caminhar, caçar, usar fogo, comunicar e se fixar em lugares de abundância de recursos, que marcam os capítulos iniciais da história humana. Esses fatos em conjunto ocorridos ao longo de milênios possibilitaram o surgimento das cidades em alguns lugares do mundo e, com isso, um desafio novo para o desenvolvimento humano que sempre aumenta em possibilidades, complexidades e riscos de degenerações do cotidiano, do sentido e da utopia da vida.

O crescimento das cidades intensificaram as relações de trocas comerciais, de informação e de valores culturais que enriqueceram as sociedades, elevando o poder militar e o controle social. Afinal, como seria possível o advento das civilizações, entendido como a capacidade de grandes grupos de pessoas morarem, colaborarem e conviverem de forma cada vez mais próxima, intensa e conflituosa.

Um limite concreto para essas grandes civilizações, as suas cidades e capitais, ocorreu por conta do desconhecimento e do colapso dos sistemas naturais, sem considerar a cobiça de povos vizinhos, os diferentes povos dominados, a concentração da riqueza e a desigualdade latente que explicam a deterioração de muitos impérios. A fixação espacial da humanidade, o crescimento das cidades e das populações, que geraram enorme riqueza e cultura, também incorreu no aumento dos dejetos, de colapso da disponibilidade de recursos naturais e pobreza de populações excluídas do produto do seu próprio trabalho e meio de vida. Com isso, conta-nos a história de pragas, pestes, guerras e revoltas ocorridas à milênios, e que ainda hoje têm muito a nos ensinar.

Nos últimos séculos, depois decadência das primeiras grandes civilizações espalhadas pelo mundo, por força da expansão do capitalismo tem se integrado as diversas culturas e regiões como sistema mundial de produção, de organização política e de interesses sociais. A escala atingida pela economia, sociedade humana e consumo do sistema ambiental tomou proporções nunca antes visto na história humana, com muitos bilhões de pessoas, miséria e a pressão sobre todos os sistemas naturais do planeta.

Com isso, formou-se um emaranhado de redes de cidades com trocas de recursos intermediários, de bens de consumo e de pessoas. O que só foi possível pela evolução de uma nova dimensão do mundo, a do conhecimento das finanças, que para muitos se constitui como um universo novo, que altera o significado da vida e, principalmente, do viver prático. A finança que se desenvolve desde antigas civilizações orientais, ensinou aos europeus muitos dos seus elementos práticos, tal como a matemática, a contabilidade e o direito, tal como o de juros, que formariam o embrião da cultura financeira, que a partir da península itálica se espalharia pela Europa e depois no mundo.

Nos últimos cinco séculos, foi registrado pelo conhecimento acadêmico que o capitalismo transformou-se na sua essência mercantil, passando pela expansão da dinâmica industrial até culminar no capitalismo financeiro que seria percebido  para os observadores mais argutos, já no final do século XIX. A infância desse processo novo é interrompida pela crise de 1929, que por abusos e imperícia da direção financeira forçou a sociedade humana, por meio da Estado e da expansão das políticas públicas, o controle dos interesses econômicos e políticos egoístas de restritos grupos sociais. 

Na luta dos interesses públicos frente a elite detentora da riqueza econômica, financeira e do poder político,  a necessidade coletiva impôs o controle das finanças, por um tempo após a II Guerra Mundial, para o ressurgimento da economia afetada por guerras e crises econômicas, financeiras e sociais. Mas essa batalha não significou o fim da guerra sobre o controle das finanças que tem o poder crucial de determinar as condições de vida, pela forma como articula a economia, estabelece as condições de viver da sociedade e do ambiente natural, no qual nós existimos.

Nos últimos 50 anos, a ofensiva dos interesses financeiros de muitos poucos grupos sociais e países, numa sociedade bilionária de pessoas, de diversos países e povos, tem elevado a desigualdade econômica, a miséria social relativa e as condições de existência de muitos ecossistemas ambientais, em troca de mais consumo de mercadorias, as quais cada vez mais tem qualidade e benefícios duvidosos.

Contudo isso, o que significa o vírus COVID-19  numa perspectiva de história da humanidade? Um problema financeiro, de riqueza econômica e de ânimo dos mercados? Um aviso do ecossistema sobre risco instabilizador das condições de vida das diferentes espécies no planeta? Uma evidência de como as diversas civilizações humanas estão despreparadas para enfrentar os desafios que o próprio desenvolvimento humano tem desencadeado.

Será o fim de um tempo, no qual as descobertas tecnológicas e usos financeiros encontram os limites e resistências das diferentes dimensões da vida: econômica, social e ambiental? O início de um novo tempo no qual os problemas que se arrastam na história humana sejam finalmente encarados como trabalho a ser feito, uma história da humanidade a ser contada, não mais pelo relato da prosa da guerra, violência e devastação da vida planetária, mas por uma poesia de significado existencial do trabalho, o uso do potencial humano desperdiçado pela miséria, a construção da casa e da cidade para tod@s e o respeito à vida das espécies. Para isso, precisamos de mais economia (com renda, trabalho e arte), sensibilidade humana e precaução ambiental, com menos finança, ou esta a serviço da vida.

Luís Maurício Martins Borges é Economista, Pesquisador, Consultor, Professor e Analista Econômico-Financeiro da Companhia de Saneamento de SP.

1 Comentário

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  1. Nunca páre de sonhar
    (Gonzaguinha)

    Ontem um menino que brincava me falou
    Que hoje é semente do amanhã
    Para não ter medo que esse tempo vai passar
    Não se desespere não, nem pare de sonhar
    Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs
    Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar
    Fé na vida, fé no homem, fé no que virá
    Nós podemos tudo
    Nós podemos mais
    Vamos lá fazer o que será

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