Marxianos, keynesianos ou marcianos?, por Delfim Netto

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Valor

Marxianos, keynesianos ou marcianos?

Por Antonio Delfim Netto

Uma das “boutades” mais conhecidas de Keynes na sua “Teoria do Emprego, Juro e Moeda” (1936) é que “as ideias de economistas e de filósofos políticos, sejam elas corretas ou erradas, têm mais poder do que geralmente se supõe”. De fato, diz ele, “o mundo é administrado por pouca coisa mais do que isso”. E complementa: “Os homens práticos, que se pensam isentos de qualquer influência intelectual, são, em geral, escravos do pensamento de algum defunto economista”.

Pois bem, acaloradas discussões entre duas das inúmeras tribos que se abrigam na nação dos economistas, os “marxianos” e os “keynesianos”, mostram que alguns deles são escravos do pensamento congelado de dois filósofos-economistas defuntos.

Karl Marx e J. M. Keynes foram gênios. Estiveram à frente do seu tempo. Cultivaram contradições. Aumentaram a nossa compreensão do mundo e dissecaram a estrutura da nossa organização social. Obrigaram-nos a enfrentar a cruel realidade escondida na ingênua e generosa concepção que existiria uma harmonia social providenciada pela natureza.

Alguns economistas são ‘escravos do pensamento congelado’

A partir de suas ideias, menos distantes do que parecem no seu objetivo final – a construção de uma sociedade civilizada -, avançaram dramaticamente o conhecimento empírico e teórico que algum de seus epígonos, “escravos do pensamento congelado”, insistem em ignorar.

Karl Marx e J. M. Keynes estão incorporados ao pensamento universal. Devemos reverenciá-los porque, foi “subindo nos seus ombros”, que enxergamos mais longe. Mas “marxianos” e “keynesianos” congelados discutirem a “utilidade” de um banco central operacionalmente autônomo na segunda década do século XXI é de um anacronismo preocupante.

Um Banco Central operacionalmente autônomo não é nem condição necessária, nem suficiente para a estabilização dos preços. Não é necessária, porque pode ser feita sem ele. Não é suficiente, porque não pode ser feita apenas por ele. Trata-se, basicamente, de um “instrumento útil” para obrigar o poder incumbente (que fixa a meta de inflação) a adotar políticas (fiscal, salarial etc.) coerentes com ela, sob pena de ver murchar o PIB.

No Brasil, os membros do BC são escolhidos livremente pelo poder incumbente eleito e submetidos ao escrutínio do Senado que, infelizmente, até hoje não levou a sério a sua missão. Mandatos fixos (com as limitações de sempre) não são necessários, mas, de novo, são úteis. Primeiro, dão um pouco mais de “musculatura” aos escolhidos pelo poder incumbente para oporem-se a que execute, oportunisticamente, políticas fiscal e salarial contraditórias com a “meta” de inflação que ele mesmo escolheu. Segundo, mandatos calibrados convenientemente darão a necessária e imediata maioria aos membros escolhidos pelo novo governo, com a vantagem de sugerir transições menos traumáticas e, portanto, redutora da volatilidade dos mercados.

A reação à autonomia operacional e aos mandatos fixos calibrados não ajuda o governo a realizar seus objetivos. Pelo contrário, induz a sociedade a duvidar de sua intenção. Sugere que, no fundo, ele acredita na deliciosa, mas traiçoeira, ideia que “um pouco mais de inflação produz um pouco mais de crescimento”, negada, concretamente, há muitos anos.

Mas, afinal, por que um BC autônomo (com mandatos fixos calibrados) quando adquire credibilidade é um instrumento útil no controle da taxa de inflação? Porque uma avalanche de segura comprovação empírica nos últimos 30 anos sugere: 1) que a “expectativa de inflação” formada na sociedade é fator importante na determinação da taxa de inflação posteriormente verificada; e 2) que um Banco Central com credibilidade é fator determinante na construção daquela “expectativa”.

Se um dia a economia vier a ser uma ciência, ela há de ser um conhecimento empírico estável que facilite a vida do governo na manipulação coerente das variáveis sobre as quais ele influi, o que nega o “voluntarismo” tópico. Mesmo com o risco de simplificar exageradamente o problema, é impossível deixar de aceitar o robusto fato empírico (sustentado por razoável desenvolvimento teórico), que a taxa de inflação num determinado momento é aproximadamente “explicada” pela equação linear explicitada abaixo*.

As estimativas da taxa de inflação mostram a necessidade de coerência entre as políticas monetária (que tenta estabilizar a taxa de inflação com o menor nível de emprego possível manipulando a taxa de juro real do longo prazo), a fiscal (que induz a demanda pública – “output gap” – e estabelece a política distributiva) e a salarial (que responde pela variação do custo unitário do trabalho e é coadjuvante da política redistributiva).

Como é evidente, se às variações do custo unitário do trabalho em moeda nacional não corresponderem um aumento da produtividade (que tem limite) ou uma depreciação cambial, as exportações (e o PIB) se deteriorarão. No médio prazo, portanto, há muito pouco espaço para o “voluntarismo experimental”, sugerido quando se teme a autonomia do banco central com mandatos fixos adequadamente calibrados.

*Taxa de inflação em t = constante +a (expectativa de inflação em t+ 1) + b (taxa de inflação registrada em t-1) +c (outras variáveis: “output gap” ou variação do custo marginal da unidade de trabalho), onde a, b e c são parâmetros estatisticamente construídos

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

8 Comentários

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  1. Delfim abusa de sua credibilidade quando escreve:

    Delfim escreveu:

    “As estimativas da taxa de inflação mostram a necessidade de coerência entre as políticas monetária (que tenta estabilizar a taxa de inflação com o menor nível de emprego possível manipulando a taxa de juro real do longo prazo), a fiscal (que induz a demanda pública – “output gap” – e estabelece a política distributiva) e a salarial (que responde pela variação do custo unitário do trabalho e é coadjuvante da política redistributiva).”

    Política fiscal, monetária e salarial que valhe o nome, Delfim, não rima com estimativa de taxa de inflação, que não pode ser prevista num horizonte superior a 30 dias, como foi provada com o uso da matemática das matrizes vetoriais aleatórias.

    Ligar estimativa de inflação de curtíssimo prazo com políticas de longo prazo e dar como fato consumado um diagnóstico de incompetência na condução da política monetária é de uma ligeireza e desonestidade de enrubescer até os que pagam por relatórios mentirosos e fajutos como este.

    Não estrague seu curriculum com besteiras como esta, o Sr. é muito melhor do que isto.

     

    1. É Weber, o Delfim, desde

      É Weber, o Delfim, desde algum tempo atrás eu venho reparando nisto, só joga pra torcida.

      Quando escreve pro Valor, defende a autonomia do Bacen, defende a ditadura da qual fez parte, ou seja, veste totalmente o manto da direita mais anacrônica.

      Quando escreve pra Carta Capital, é capaz até de pregar uma revolução marxista no Brasil, ao melhor estilo maoísta.

      Há tempos que o Delfim faz isto, é muita hipocrisia. De uns tempos pra cá, simplesmente deixei de levá-lo a sério.

  2. Mídia Gospista igual a EXCESSO DE EXPECTATIVA DE INFLAÇÃO

    Inflação com Dilma é a menor desde o Plano Real

     URL: 

    Tem candidato por aí – assim como certos setores da imprensa também – que está doido pra colar o mito da inflação descontrolada na presidenta Dilma. O discurso é repetido em debates e sabatinas, mas é simplesmente mentiroso. Como estamos aqui para divulgar a verdade, apresentamos um levantamento com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que até a grande mídia foi obrigada a reproduzir(link is external), mas claro que sem grande destaque.

    A inflação média do governo Dilma é a mais baixadesde que foi implantado o Plano Real. O tucano FHC entregou o país a Lula com uma taxa de 12,04% de inflação média no último ano de mandato. Dilma mantém uma média de 5,95%, com projeção de 5,55% do Banco Central para 2014. Quem descontrolou os índices inflacionários mesmo?

    Só para fazer o comparativo, o primeiro mandato de FHC registra uma taxa de inflação média anual de 9,56%; no segundo mandato, a média foi 8,78%. Com Dilma, temos média de 5,95% neste primeiro mandato. Não entendemos, então, as afirmações dos candidatos de oposição, que sempre batem nessa mesma tecla, desinformando os cidadãos.

    Vale lembrar que, num cenário de crise internacional, em que o resto do mundo desempregou 60 milhões de pessoas, Dilma e Lula, até maio de 2014, criaram 20,4 milhões de novos empregos. De 2003, desde que Lula assumiu, até hoje, a renda do trabalhador brasileiro cresceu 70% acima da inflação. A taxa de desemprego foi reduzida a menos da metade. Era de 10,5% em 2002, chegou a 4,9% em abril de 2014,registrando o menor índice da série histórica.

    Enfrentar uma crise gerando emprego e garantindo renda não é pra qualquer um. Nós fomos o único país no mundo a atingir tal feito. Por isso, assistimos embasbacados quando os pessimistas tentam instaurar o medo e fazer terrorismo com a situação da economia brasileira.

    Nas metas traçadas pela candidata Dilma em seu programa de governo, o controle da inflação também é prioridade. “O controle da inflação foi mantido, sempre, como prioridade dos nossos governos, e assim continua. Entendemos o poder devastador da inflação sobre a renda das famílias, os salários e os lucros das empresas e por isso jamais transigiríamos ou transigiremos com um elemento da política econômica com esse potencial desorganizador na vida das pessoas e da economia”. Importante ressaltar que esse compromisso de Dilma de manter a inflação sob controle vem atrelado a outro: o de manter o emprego dos brasileiros e a renda. Muito diferente do que defendem os outros candidatos, com suas medidas neoliberais e impopulares, que querem a inflação baixa a custo do desemprego e do arrocho salarial.

     

  3. Mas se for pra levar a sério,

    Mas se for pra levar a sério, eu diria que o modelo de banco central autônomo falhou miseravelmente por onde quer quer tenha sido adotado.

    Não é que “um pouco mais de inflação produz um pouco mais de crescimento”.

    Claro que não se trata de raciocínios tolos.

    Mas o fato é que, no Japão, EUA e Europa, países que estabeleceram metas de inflação extremamente baixas e foram bem sucedidos por muitos anos em atingir esta meta, por outro lado geraram efeitos colaterais enormes na economia, muito piores do que a doença que estavam combatendo, a inflação.

    Por exemplo, mantendo juros muito baixos por longo período de tempo criaram bolhas de ativos nas bolsas de valores, depois em real-estate, depois na bolsa, depois em real-estate, etc., e deu no que deu.

     

    Por outro lado, agora, mesmo com os juros baixíssimos, são incapazes de fazer a economia dos seus países se recuperarem, haja vista que neles a inflação é tão baixa, que os bancos centrais não conseguem, mesmo mantendo as taxas nominais baixíssimas, não conseguem alcançar taxas de juros reais negativas como as que seriam necessárias neste momento para reativar a atividade econômica nos seus países.

    No desespero pela criação de inflação, única maneira que teriam de reativar a economia, na ausência de possibilidade política de adoção de estimulos fiscais maiores, criaram o absurdo desta política de Quantitative Easings, que nada mais fez do que, como se verá, criar mais bolhas de ativos nos EUA e mundo afora, apesar da inflação se manter praticamente inalterada e a economia mundial continuar patinando.

    Ou seja, é nisto que dá perder o foco da economia como um todo, de abrir mão de uma visão global da economia e controlar apenas uma variável, aliás uma variável boba, a inflação, variável aliás que so interessa aos poderosos, aos grandes banqueiros, que tem seus empréstimos corriodos por ela, ao invés de cuidar da saúde da economia como um todo, que é o que realmente interessa a todos.

    Então, com tantos problemas e pouca solução, que ganha o Brasil em se aprofundar em um modelo que comprovadamente não funciona mundo afora?

     

  4. economista só poderia usar


    economista só poderia usar seus

    conhecimentos para beneficar a maioria.

    como isso não é possível, pelo que entendi,

    o cara simplifia tudo e defende

    um modelo que atende eficientemente

    a um número menor de pessoas

    e interesses e resolve a questão,

    pelo menos para ele.

    que beleza!

    no documentário inside job

    percebe-se que muitos doutos

    economistas da elite universitária

    estadunidense emitem teses e opiniões

    em favor do mercado

    trabalhando

    adivinhem pra quem…para

    consultorias vinculadas,,,

    ao mercado!

    a suposta neutralidade científica foi pro beleléu, escafedeu-se.

    os economistas nesse caso entraram

    no mainstream da maior corrupção da história.

    delfim certamente não inventou

    na ditadura a teoria do crescimento

    do bolo primeiramente para

    depois quem sabe distribuí-lo.

    mas adotou a tese, autoritariamente.

    depois elogiou muito  a política de distribuição de renda do pt.

    agora parece que relativiza a questão da independencia do bc.

     

     

     

  5. Delfim está andando em

    Delfim está andando em círculos de novo. Parecido como tal medo d cubanização. Ora, quem deu o pontapé na discussão foram os mercadistas, que na maioria das vezes só sabem comprar barato e vender caro. E por isso se auntodenominam-se “técnicos”.

  6. A pilha tá descarregando…

    Observando tais descalabros proferidos pelo profeta das confeitarias,  convido a  todos a aproveitarem seu primeiro cinquentenário de vida, porque no 2o., nossos  neurônios começam a entrar em conflito  e a gente começa  a  falar muita besteira……fenômeno natural da vida…..

     

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