Tania Maria de Oliveira
Tânia M. S. Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membra da ABJD. Secretaria-executiva adjunta da Secretaria Geral da Presidência da República.
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Moro e as testemunhas contra Lula – o fio solto na narrativa do ‘hacker’, por Tania Maria de Oliveira

O subterfúgio usado pelo ministro Moro, de que indicou testemunhas ao Ministério Público Federal como notícia crime não passa de mais uma estapafúrdia tese, que não resiste a uma breve verificação.

Foto Lula Marques

Moro e as testemunhas contra Lula – o fio solto na narrativa do ‘hacker’

por Tania Maria de Oliveira

“…Nas ações de todos os homens, em especial dos príncipes, onde não existe tribunal a que recorrer, o que importa é o sucesso das mesmas. Procure, pois, um príncipe, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados, e no mundo não existe senão o vulgo.”

(Nicolau Maquiavel: O Príncipe, Capítulo VIII)

Um pouco antes que a tese de “não reconheço, posso ter dito, mas não lembro, mas se disse não tem a menor relevância” virasse o mantra do ex-juiz Sérgio Moro, em respostas às publicações por canais de mídia, de conversas mantidas com procuradores da força-tarefa da operação Lava Jato, ele assumiu, em entrevista no dia 14 de junho, publicada em diversos jornais impressos e on-line, que indicara testemunhas ao procurador Deltan Dallagnol para investigar o ex-presidente Lula, o que classificou na ocasião como “descuido”.

“Nós lá na 13ª Vara Federal, pela notoriedade das investigações, nós recebíamos várias dessas por dia. Eu recebi aquela informação e, aí assim, vamos dizer, foi até um descuido meu, apenas passei pelo aplicativo. Mas não tem nenhuma anormalidade nisso. Não havia nem ação penal em curso”.

Após assumir o não reconhecimento das mensagens, o ministro passou a incluir esse trecho nas possibilidades de “hackeamento”. Ao ser inquirido sobre o tópico repetidamente pelos parlamentares, na audiência da Câmara dos Deputados no dia 02 de junho, ele, sabedor da contradição com o que dissera anteriormente, sofisticou a resposta, afirmando, além da ausência de desvio de conduta, que se tratava de notícia crime:

“Com relação à questão das testemunhas, eu já falei anteriormente. Não confirmo a autenticidade dessa mensagem. Se aquilo, de fato, ocorreu, foi o encaminhamento de uma notícia-crime. “

Para esclarecer. Notícia crime é quando qualquer cidadão provoca a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção da prática de crime. Mas, o juiz da causa não se enquadra na possibilidade de qualquer cidadão. Ao oposto, as hipóteses em que o juiz faz notícia crime limitam-se a encontrar, nos autos em que atua, nos papéis, a existência de crime. É o que dispõe claramente do art. 40, do CPP:

Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. ”

Portanto, o subterfúgio usado pelo ministro Moro, de que indicou testemunhas ao Ministério Público Federal como notícia crime não passa de mais uma estapafúrdia tese, que não resiste a uma breve verificação. Recomendar a busca por testemunhas é, claramente, assinalar a produção de provas, algo impensável a ser feito ao procurador que conduz as investigações, pelo juiz que julga as ações, nos termos do nosso ordenamento jurídico processual, e que macula fatalmente a independência e imparcialidade de sua conduta.

A circunstância é evidente causa de nulidade processual. Em conjunto com outros elementos que constam nos conteúdos divulgados, demonstram que o contraditório no processo do triplex foi apenas um ritual burocrático e aparente, desenvolvido após a formação do convencimento do então juiz Sérgio Moro, e de sua prévia decisão de condenar o ex-presidente por corrupção a qualquer custo, tendo ou não provas.

Trata-se de uma visão meramente instrumental do processo penal, em que o magistrado não consegue separar o que pretende do que sabe, ou pior, em que ignora qualquer evidência contrária à sua antecedente decisão, adotando ações próximas à lógica abordada por Nicolau Maquiavel, em sua clássica obra “O Príncipe”, em que a enganação, a dissimulação e a mentira são intrínsecas à política, e que podem ser resumidas no jargão popularizado em alusão ao autor, de que “os fins justificam os meios”.  Os fins, para os membros da operação Lava Jato, traduziam-se em prender um grande líder político, por eles escolhido, de acordo com suas preferências e identidades político-filosóficas, para servir de exemplo de sucesso. Comportamento próprio de personagens de regimes totalitários no mundo.

O fim forjado, que criou uma teia de ilegalidades e irregularidades –  entre as quais indicar ao órgão acusador testemunhas para iniciar uma persecução penal é apenas um fio no grande novelo – é nocivo não apenas para quem é atingido diretamente em sua liberdade, mas para a própria noção de democracia. Os meios empregados para os atalhos, se corruptos, apenas produzirão fins corrompidos.

Tania Maria de Oliveira é da Associação Brasileira de Juízes pela Democracia – ABJD

Tania Maria de Oliveira

Tânia M. S. Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membra da ABJD. Secretaria-executiva adjunta da Secretaria Geral da Presidência da República.

8 Comentários

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  1. As mensagens trocadas são de dezembro de 2015.

    Somente em setembro de 2016 é que foi aberta a ação contra Lula.

    Como falar que o Juiz Sérgio Moro atuou para favorecer a acusação quando nem sequer ação havia contra Lula?

    A colunista ignora a linha de tempo. Nenhuma irregularidade em encaminhar testemunhas para o MP se sequer ação havia contra o réu que ainda sequer era réu.

    STF jamais vai anular a ação com acusações tão fracas contra o Juiz principalmente quando mais 2 instancias condenaram o réu POR UNANIMIDADE.

    1. Claro que não! Nem por estas nem por outras provas chumbo muito mais grosso! Ou você é a velhinha de Taubaté, que ainda acredita que estamos em uma normalidade democrática e jurídica? Nos julgamentos Nazistas e Stalinistas também as condenações eram unanimes. Isto se chama ditadura! Espero, num futuro não tão longo como foi os anos da ditadura militar, que não ocorra uma nova anistia total e irrestrita.

  2. Incrível. Mesmo antes de “abrirem” a ação contra o presidente Lula, o pseudo-juiz já conspirava para condená-lo. Isso é mais que violar a garantia da imparcialidade do juízo. Beira à prática de crime. Mas, como parece que esse juiz de araque era apenas um testa de ferro, possivelmente o STF vai ignorar solenemente todas as evidências de suspeição e não vai anular nada. Lamentável.

  3. Li de Busca parece ser a Ultima Velhinha de Taubaté! Claro que não, Li, eles vão soltar o Lula! Nem por esta nem por outras provas chumbo muito mais grosso que já vieram ou vão sair! Você ainda acredita que estamos vivendo em uma normalidade democrática e jurídica? Nos julgamentos Nazistas, Stalinistas ou Macarthistas também as condenações eram unanimes, não importando as provas. Os julgamentos também eram rápidos e sumários como o de Moro contra Lula. As condenações também eram severas. Morte por enforcamento, fuzilamento, pendurado em gancho de açougues, campos de extermínios ou da Sibéria ou cadeia pura e simples Tem um bom filme sobre o Macarthismo chamado Trumbo, Lista Negra! Isto se chama ditadura! Não importa que o réu era inocente! Espero, num futuro não tão longo como foi os anos da ditadura militar, que após superarmos estes tempos horríveis, não ocorra uma nova anistia total e irrestrita.
    https://www.google.com/search?q=dalton+trumbo+trumbo:+lista+negra&stick=H4sIAAAAAAAAAONgFuLQz9U3MDLLNVDiBrEMjSzNDMtLtHgDUouK8_NC8n3zyzJTF7EqpiTmlOTnKZQUleYm5UMpK4WczOKSRIW81PSiRAAiluo9TAAAAA&sa=X&ved=2ahUKEwjcqNbAmJzjAhXyHrkGHUJvB1QQxA0wGHoECA0QBQ&biw=1517&bih=730

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