Há 70 anos O Pecado Mora ao Lado projetou a Era de Ouro do Capitalismo, por Carolina M. Ruy

Richard é um homem sério e fiel. Ele nem é o tipo que atrai as mulheres. Até que surge “a garota” que mexe com seu imaginário.

Há 70 anos O Pecado Mora ao Lado projetou a Era de Ouro do Capitalismo

por Carolina Maria Ruy

Em um apartamento em Manhattan um homem de meia idade tem tudo ao alcance para cultivar seus fetiches e fantasias. Profissional da criatividade (ele é editor de livros de bolso) e imerso em um mundo de facilidades, Richard Sherman sente que a vida é boa. A vida, no modo americano.

Está muito quente em Nova Iorque e os cidadãos buscam meios para baixar a temperatura. Um ventilador, um ar-condicionado, a brisa que sopra do vão do metrô. O calor escaldante é o termômetro da tentação que O Pecado Mora ao Lado apresenta: tentação pelo sex appeal, pelo consumo e por gritar ao mundo como viver.

Muito já se falou sobre a simplicidade do enredo. As mulheres saem para as férias com os filhos, os homens ficam para trabalhar e, sozinhos, cortejam outras mulheres. Mas ele não. Richard é um homem sério e fiel. Ele nem é o tipo que atrai as mulheres. Até que surge “a garota” que mexe com seu imaginário. Não é preciso muito esforço para entender.

Li até análise que diz que o filme, por seu aspecto caricatural é uma “crítica” que mostra a hipocrisia do American Way Of Life. Se for, é de forma muito velada. E não acho que o público tenha recebido assim. O filme foi um sucesso comercial e o que sobressai é a comédia, a música agradável, as cores vibrantes e harmônicas, as relações conjugais e Marylin Monroe, magnífica, consagrando-se como um padrão para mulheres de várias gerações.

Mas O Pecado Mora ao Lado é mais do que isso. O filme projeta a nova sociedade de consumo do Pós Segunda Guerra. A Era de Ouro do Capitalismo. 

Por sua mensagem embalada graciosamente e também por sua própria materialização em um contexto de expansão do cinema dos EUA como elemento de disseminação de valores.

O filme foi lançado em uma época em que o povo começou, pouco a pouco, a ter geladeira e televisão em casa. Pensem no impacto dessa transformação.

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Assisti-lo agora, 70 anos depois, cientes de toda a história que se passou, tem um novo significado. Em 1955 aquela vida era um sonho, um desejo. A sociedade de consumo, entretanto, não evoluiu para a emancipação humana. Ela não passou de um sistema de modernização de produtos. Um sistema que gira em torno de si mesmo, repetindo padrões de comportamento e de classe.

A realidade que veio em seguida dilapidou o sonho americano. A Guerra do Vietnã, a contracultura rebelando-se contra os costumes e os papéis determinados às mulheres e aos homens, a crise do petróleo enfim, todas as guerras, contradições e crises que vieram no embalo.

Não quero com isso dizer que o filme é ultrapassado. Além de material para debate sobre a história do século 20, ele é uma joia do cinema. São 105 minutos de pura sedução, com excelência técnica, ritmo e ótimo elenco. Minutos que cravaram seu espaço na mentalidade do mundo ocidental. Não é pouca coisa.

Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical

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