Ocultação de Cadáver: tem muito guarda-sol de concreto por aí
por Samuel Lourenço Filho
A repercussão do descaso e da desumanidade no trato com a morte de um trabalhador dentro de seu espaço de trabalho, motiva esta reflexão. O funcionamento do supermercado, após um “isolamento” do espaço foi escandaloso e cruel. Me lembrei da canção “De frente pro crime”, interpretada por MPB4. Recentemente vi na rede social um comentário relacionado ao acontecimento, citando as mortes provocadas pela Covid-19, o comentário afirmava que o Brasil era um grande supermercado. Pois ignorava as mortes com o discurso sobre a economia.
Capitalismo, necropolítica, racismo, insensibilidade da gerência, descaso com a vida humana, desprezo pela classe trabalhadora, avidez por lucro e outras coisas que possuem relação ou não, foram citadas sobre o ocorrido. E eu, ex presidiário, cuja pena cumpri integralmente, me peguei pensando: “Tem muito guarda-sol de concreto por aí…”
O que são as prisões e suas fortificadas muralhas? E as cercas com arames farpados? São esses os guardas-sóis, que há séculos ocultam cadáveres, enquanto as instituições, os supermercados e outras agências funcionam normalmente. Até reconhecem que tem um corpo em decomposição ali, admitem ADPF’s, fazem Decretos voltados para o trabalho, e o pior: vendem a ressocialização como um remédio que ressuscita mortos.
Contemplei a imagem do guarda – sol no supermercado, busquei na internet as imagens de covas abertas e de corpos empilhados no contexto da COVID-19. Fiz isso mesmo: contemplei. Não me maravilhei com nada do que vi. Atrás ou abaixo do guarda-sol, tinha um corpo, que a cada minuto exposto, se deteriorava. Uma pessoa, uma vida, um trabalhador, um sonho, um história… Na cadeia é assim mesmo!
No guarda–sol de concreto (quase que o guarda-sol seria de metal, através dos contêineres) vidas são deterioradas, sonhos apodrecem, e o corpo necrosado dia a dia, as vezes, sobrevive. Alguns corpos, apodrecidos, deixam escapar a alma. As pessoas morrem na prisão, literalmente, contudo a vida segue aí. É quase um: “O show tem que continuar…”. A economia, principalmente a JUSTIÇA, não pode parar, tem que continuar…
Sei não, mas parece que tudo isso é análogo ao crime de ocultação de cadáver, se não for o crime propriamente dito. As pessoas deixam morrer, escondem os corpos e ignoram as mortes, para que possam prosseguir na lógica do lucro, da segurança, da justiça e lá longe na lógica da normalidade, ou melhor: da nova normalidade…
As vezes penso que existe um supermercado dentro das agências persecutórias, e tem guarda-sol pra cacete!
Samuel Lourenço Filho – Cronista, palestrante, egresso do Sistema Prisional, aluno de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social -UFRJ
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