do Justificando
Porque tem greve geral dia 14 de junho?
por Marina Sampaio
A partir de 2016, no entanto, a ampliação das possibilidades de terceirização (Lei nº 13.429/2017) e a Reforma Trabalhista (ou Contrarreforma Trabalhista) (Lei nº 13.467/2017), combinadas com a fixação de um teto de gastos públicos insuficiente para as demandas da população (Emenda Constitucional n.º 95, de 2016), implicaram no enfraquecimento do poder estatal para a implementação e investimentos nas áreas da educação e da saúde e para a regulação das relações de trabalho, culminando em evidente retrocesso para a classe trabalhadora, principal destinatária dessas políticas públicas.
Na esfera trabalhista em particular, operou-se uma desconstrução principiológica ao se desconsiderar a assimetria de forças entre empregador e empregado e permitir a negociação contratual individual de direitos até então considerados como indisponíveis e ao obstaculizar o acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho para a reclamação de direitos constitucionalmente assegurados. A Contrarreforma Trabalhista rendeu ao país sua inclusão na “lista suja” da Organização Internacional do Trabalho, que inclui 24 (vinte e quatro) países suspeitos de violação de convenções internacionais do trabalho[1].
A partir de 2019, observa-se o aprofundamento do rebaixamento do trabalho aos ditames econômicos, de modo que a política relacionada à geração de empregos e renda, saúde e segurança do trabalhador, imigração, salário, inspeção do trabalho, etc, deixa de ser definida pela tentativa de superação do conflito entre capital e trabalho e passa a ser pautada na maximização do capital em detrimento do trabalho. A economia baseada no livre mercado e na igualdade formal entre indivíduos passa a ser central para o Estado brasileiro, ignorando as desigualdades materiais intrínsecas às relações de trabalho.
Uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro foi a extinção do Ministério do Trabalho, criado em 1930, e que tinha como atribuições a formulação de políticas de geração de emprego e renda, de saúde e segurança do trabalho, de imigração, salarial, de cooperativismo e associativismo. O órgão da administração pública federal direta era responsável, ainda, pela fiscalização das normas trabalhistas, presidência do conselho do FGTS, administração do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), formação e o desenvolvimento profissional e registro sindical.
A extinção do órgão e sua incorporação ao Ministério da Economia implicou em redução da autonomia administrativa para a formulação de políticas públicas e no enxugamento da estrutura, diminuindo as possibilidades de atuação dos servidores, significando o enfraquecimento das políticas relacionadas ao trabalho e sua regulação. A opção pela subordinação do Trabalho ao referido Ministério reflete a visão governamental de subordinação do trabalho à economia e converge com o viés liberal do Ministro da pasta.
Ainda, o recente anúncio do ministro da Economia de suspensão dos concursos públicos[2] contribui para a continuidade da política de extinção contingencial deliberada do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, que conta atualmente com 2218 Auditores-Fiscais do Trabalho para a fiscalização de empresas no país todo e com 3644 cargos vagos aprovados, à espera de preenchimento por meio de concurso público[3]. Dados do IBGE indicam que, em 2016, havia mais de 5 milhões de empresas no Brasil[4], o que demonstra a absoluta impossibilidade de um projeto de inspeção de prevenção de adoecimentos e mortes.
Outra modificação substancial nos direitos trabalhistas foi anunciada pelo governo federal, na abertura da 31ª edição do Fórum Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), em 09/05/2019, e diz respeito à revisão e redução em 90% das Normas Regulamentadoras do ex Ministério do Trabalho em matéria de saúde e segurança do trabalho. As principais justificativas foram a necessidade de reduzir os custos de produção e, consequentemente, aumentar a competitividade das empresas, e oferecer segurança jurídica aos empresários, que estariam sujeitos a fiscalizações arbitrárias.
O fato de as justificativas oferecidas para a revisão privilegiarem a atividade empresarial e sequer mencionarem a necessidade de incremento das normas e mecanismos de proteção à saúde e segurança do trabalho indica que as novas Normas tendem a aumentar a insegurança e o adoecimento dos trabalhadores num país que já apresenta alarmante índice de mortalidade e adoecimento sistemático da classe trabalhadora. Dados do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT) demonstram que ocorreram 4,5 milhões de acidentes do trabalho notificados no Brasil no período entre 2012 e 2018, com mais de 16 mil mortes e 38.183 amputações. Isso significa um acidente a cada 49 segundos e uma morte por acidente de trabalho a cada três horas e 43 minutos. Em decorrência, foram gastos 79 bilhões de reais pela Previdência Social na cobertura de benefícios acidentários e perdidos 350 mil dias de trabalho[5].
Mais uma medida em prejuízo da classe trabalhadora está em andamento e foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados por 48 votos contra 18, após a promessa de pagamento de R$ 40 milhões em emendas parlamentares até 2022 a cada deputado que votasse favoravelmente à reforma no plenário da Câmara[6]. Trata-se da chamada Reforma da Previdência que, na realidade, consiste no fim do sistema de previdência pública baseado no princípio da solidariedade intergeracional em que trabalhador, empregador e Estado contribuem para um fundo comum e na introdução do sistema individual de capitalização para o qual apenas o trabalhador contribui num fundo privado.
A análise da proposta em confronto com os dados do mercado de trabalho brasileiro demonstra que o regime de capitalização deverá implicar num enorme contingente populacional desprovido de subsistência na velhice, dado o alarmante índice de desemprego, desalento e subocupação, que totaliza mais de 40 milhões de pessoas, segundo dados do IBGE, e que inviabiliza a poupança individual. Já os trabalhadores que conseguirem aderir à capitalização terão que pagar altas taxas administrativas aos bancos em que escolherem aplicar seu dinheiro, sem qualquer garantia de retorno em caso de quebra. Ainda, o projeto obstaculiza e diminui os valores percebidos a título de benefícios, como o Benefício da Prestação Continuada e o Abono Salarial.
Assim, se aprovada a proposta de “reforma”, o resultado será 1) o rebaixamento da renda e do nível e qualidade de vida da população, aprofundamento das desigualdades sociais, geográficas, de gênero e de raça, empobrecimento e aumento da violência; 2) o aumento do déficit do Estado, dada a ausência de arrecadação concomitante ao pagamento de aposentadorias durante o período de transição e 3) a concentração exacerbada de riqueza nas instituições financeiras.
No que se refere às justificativas específicas de aquecimento da economia por meio da referida “Reforma”, essas não encontram amparo na realidade fática. Assim como o referido aquecimento não foi verificado com a implementação do Teto de Gastos Públicos e da Contrarreforma Trabalhista, não há qualquer indicação de que a medida significará economia para o governo, dado o alto custo de transição entre os regimes demonstrado por estudo da Organização Internacional do Trabalho[7], e dado o fato de que a redução da massa de rendimentos circulante reduz o poder de compra da população e impacta na demanda efetiva do mercado nacional. Como efeito, a economia tende À desaceleração.
Não por acaso, o referido estudo da OIT demonstra que, dos 30 (trinta) países que privatizaram total ou parcialmente seus sistemas de previdência social obrigatórios entre 1981 e 2014, 18 (dezoito) já voltaram atrás, revertendo total e parcialmente a medida. Segundo o documento, “Tendo em vista a reversão da privatização pela maioria dos países e a acumulação de evidências sobre os impactos sociais e econômicos negativos da privatização, pode-se
afirmar que o experimento da privatização fracassou”.
As alterações políticas e legislativas dos governos Temer e Bolsonaro são implementadas num contexto mundial de ascensão de uma razão do mundo baseada na responsabilização individual pelos sucessos e fracassos e que justifica a desconstrução do estado de bem estar social. A compreensão da sociedade como um conjunto de unidades-empresas combinada com a desconsideração da existência de estruturas sociais, culturais e econômicas que impõem determinações aos sujeitos contribui para a capitalização das relações e para o desmonte de políticas públicas fundadas em princípios de solidariedade.
Mascara-se, portanto, a questão fundamental na relação entre capital e trabalho em sociedades capitalistas, que é o fato de que, diferentemente da esfera do mercado, não há, na dimensão da produção, uma pressuposição de igualdade e liberdade jurídicas. Pelo contrário, o modo de produção capitalista pressupõe uma divisão normalizada entre os proprietários dos meios de produção e os possuidores de força de trabalho, que traz intrínseca a ela a desigualdade entre os indivíduos, materializada por meio da exploração da mais-valia e da divisão do trabalho.
A desregulamentação do Direito do Trabalho e o enfraquecimento das políticas públicas relativas ao trabalho contribuem para a ampliação dessa exploração do trabalho. Daí resultam maiores índices de mortes e adoecimentos no trabalho, aumento das fraudes à relação de emprego e a direitos trabalhistas, do trabalho infantil, das práticas de assédio, discriminação e da submissão de pessoas a condições análogas a de escravos. Os reflexos sociais são o empobrecimento da população, a segregação, a hierarquização e a redução do desenvolvimento social.
A sociedade em que vivemos e na qual queremos continuar vivendo está em constante disputa e é o resultado de uma correlação de forças sociais. A pressão da classe trabalhadora, dos movimentos sociais, da juventude e de todos aqueles que desejam conviver num mundo com patamares mínimos de dignidade, civilidade e justiça social, é fundamental para o desenvolvimento social em compasso com o econômico. Foi por meio dessa pressão que se conquistou direitos como jornada de 8 horas diárias e 44 semanais, descanso semanal remunerado de 24 horas, 13º salário, férias, salário mínimo, etc, ao mesmo tempo em que se manteve o desenvolvimento da economia ao longo da história.
Por isso, é fundamental a adesão e o apoio à Greve Geral do dia 14 de Junho, para mostrar aos governantes que o país não aceita o projeto político de sociedade de aprofundamento brutal da espoliação da vida, da saúde e da dignidade de muitos para a concentração da riqueza em uns poucos. Rumo à grande Greve Geral!
Marina Sampaio é auditora-fiscal do Trabalho, diretora de Educação do Instituto Trabalho Digno e Integrante do Grupo de Trabalho “Mundos do Trabalho” do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/IE/UNICAMP).
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GREVE GERAL. Um dial que voe uma vida. Contra a Reforma da Previdência e em defesa dos Direitos Trabalhistas e dos Direitos Sociais.
…Um dia que vale uma vida…
Empresário não dê um tiro no pé: não mate quem o alimenta. Povo sem dinheiro não consume
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Golpe Civil Militar Caudilhista Ditatorial Assassino Absolutista Esquerdopata Fascista (1930) MEC. USP. OAB. UNE. Sindicalismo Pelego. Contribuições Obrigatórias. Código Civil Fascista. Justiça do Trabalho. 9 décadas de Feudos da Indústria da Burocracia, da Censura, do Atraso, da Bandidolatria, do Analfabetismo, da Seca,…Metástases de um cancro parasitário, elitista, cancerígeno que arrastou a Nação à Latrina da História Mundial. Alguns dizem não enxergar. E até querem prosseguir homenageando os feitos e estruturas fascistas. Como foi possível chegar até aqui? Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação.
O texto é muito bom, cheio de dados, de informações importantes e reflexões de acordo com o que tem acontecido nos últimos anos.
Porém, mudando um pouco o enfoque, a atividade sindical de vários setores organizados não são um primor de trabalho de base. Por isso, acho que grande parte da greve de amanhã se deve mais à capacidade e a vontade das pessoas de atuarem do que da articulação dos sindicatos.
Claro, irão me crucificar. Afinal, houve esvaziamento de outras greves gerais por algumas centrais sindicais, o que não deixou de haver troca de farpas e acusações entre as que apoiavam a greve geral e as que não. O que demonstraria, indiretamente, o papel importante das centrais sindicais.
Por outro lado – e reforçando a importância do trabalho de base -, a força de oposição à terceirização e à eliminação de garantias se segurança e dignidade no trabalho é inversamente proporcional ao número de decretos e MPs lançados justamente contra os trabalhadores…
O texto é muito bom, cheio de dados, de informações importantes e reflexões de acordo com o que tem acontecido nos últimos anos.
Porém, mudando um pouco o enfoque, a atividade sindical de vários setores organizados não são um primor de trabalho de base. Por isso, acho que grande parte da greve de amanhã se deve mais à capacidade e a vontade das pessoas de atuarem do que da articulação dos sindicatos.
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