Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
[email protected]

Qual o limite da redução da maioridade penal? Por Urariano Mota

por Urariano Mota

É de uma tristeza irônica, mas verdadeira. Na semana dos 26 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, discute-se no Senado uma Proposta de Emenda Constitucional de redução da maioridade penal. O que significa esse trem de substantivos juntos? Isto: no aniversário da lei que abrigava o jovem e criança como pessoa humana, ocorre a discussão de se devemos prender mais cedo os pequenos infratores. Ou, quem sabe, fazê-los sumir de vez, como aliás já é feito com meninos de 10 anos executados.

Qual seria o limite da redução penal? 12 anos, 11 anos, 10,9, 8, 7 anos? Bebês? Qual o limite? Sintam que a cada redução devem ocorrer novos crimes que estarão no limite da punibilidade. Mais: com o necessário aumento da população carcerária, que já é um inferno e um fracasso do sistema, não estaríamos dando ótimas escolas do crime aos meninos?

Já imagino que os reformadores das conquistas sociais, criativos, podem argumentar que teríamos alas de criminosos de 16, outra de 15, mais outra de 14, até atingir um berçário… mas tudo dentro das mais perfeitas condições de higiene e cura da perversão. Diante do crime que ameaça e atinge a própria casa, já existe quem declare pérolas do gênero “sou de opinião que não deveria haver nenhuma idade mínima na lei”. Salve, daí partiremos fácil fácil para a pena de morte aplicada aos diabinhos mais precoces. Agora, de um ponto de vista legal, sem teatrinho de resistência à prisão. 

Enquanto isso, não vemos ou fingimos não ver a exclusão social e humana que cobre as cidades. Comemos, bebemos, vestimos, vamos aos shoppings sem olhar para os lados. E depois nos surpreendemos o quanto o mundo pode ser cruel quando atinge a estabilidade – porque nos julgamos estáveis em chão sólido -, ou a estabilidade sagrada – por tudo quanto mais é santo e elevado acima da animalidade dos outros, que não somos nós mesmos – a estabilidade sagrada dos nossos lares – pois somos aqueles que temos casa, enquanto os outros, ah, eles dormem na rua, que casa podem ter? Seria até uma questão de justiça, nós os humanos temos que destruir e tirar dos olhos a mancha da escória.

Por experiência, sei como anda a opinião pública intoxicada de ódio e terror.  Em um programa de direitos humanos no rádio, o Violência Zero, eu, Rui Sarinho e Marco Albertim travamos com travo esse conhecimento. No estúdio da Rádio Tamandaré, no fim dos anos 80, sentíamos a disputa de ideias na sociedade do Recife entre punir sem medida e o direito à justiça. Ainda que sem método científico, pelos telefonemas dos ouvintes, notávamos que a divisão entre os mais bárbaros e civilizados era quase meio a meio. O que houve agora para esse crescimento de retaliação?

Naquele tempo do Violência Zero no rádio, não sofríamos o massacre de imagens repetidas na televisão, nem estávamos num momento de crescimento da direita no congresso. Havíamos saído de uma ditadura, mas a dominação não vinha dos deputados e senadores mais afoitos contra os direitos humanos. Antes, as insinuações do “só vai matando” ficavam restritas aos guetos dos programas policiais.

Lembro que uma vez perguntei a idade a um menino que cheirava cola nas ruas do Recife. “Onze anos”, ele me respondeu. E eu, com minhas exatidões burras de classe média: “Vai fazer, ou já fez?”. Silêncio. Eu insisti, crente de que não havia sido entendido. “Você faz anos em que mês?”. Então ele me ensinou, antes de correr até a esquina:

– Tio, eu não tenho aniversário.

E fugiu pela Rua da Aurora, em frente ao Cinema São Luiz, com a sua garrafinha de  cola e verdade.

no Diário de Pernambuco http://www.impresso.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/cadernos/opiniao/2016/07/16/interna_opiniao,149651/qual-o-limite-da-reducao-da-maioridade-penal.shtml

 

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Tem que fazer como nos países desenvolvidos

    Temos que fazer como nos países desenvolvidos: sem limite para maioridade penal, mas o juiz de menores é que determina o que deve ser feito. Em caso de crimes graves, começa a cumprir a pena em uma instituição para menores, e depois dos 21 anos vai para o presídio comum. É assim na Inglaterra, uma das mais antigas campeãs de democracia da humanidade. Acaso temos alguma lição a ensinar à Inglaterra em matéria de direitos humanos?

    A grita contra a redução da maioridade penal tem uma causa só: a primeira consequência de tal redução será o aumento da população carcerária, e construir prisão não dá voto. Comparando a benevolência do ECA com o descaso e a brutalidade com que são tratados nossos presos menores ou maiores, não é difiícil concluir que o suposto humanismo do ECA nada mais é do que um subterfúgio para jogar os presos na rua e assim economizar os recursos que deveriam ser gastos em segurança. Isso sempre rende aplausos de políticos populistas que preferem gastar em obraqs que propiciem um rápido retorno em votos, e tem ao fundo uma claque de inocentes que acreditam que o Brasil entende mais de direitos humanos do que a Inglaterra.

    1. E a sociedade carece de uma

      E a sociedade carece de uma resposta, né? Não dá pra ficar eternamente nesse mi-mi-mi de intelectualoides supostamente bem intencionados enquanto se assiste menores partir das brincadeiras de “brincar de bandido”, para a profissão, real, de ser bandido, aos 16, 14 e até 12 anos.

      Na semana passada mataram um amigo meu. Um grupo de quatro, sendo um deles de 14 anos. Em que pese a polícia ter identificado que quem atirou foi o único que tinha 20 anos, o fato é que foi uma gangue com no mínimo dois de menor. Motivo? Num assalto na porta de sua casa, pra levarem um utilitário velho – um Pampa  – atiraram mortalmente nele. Banal! Matar gente como se barata fosse. No caso dele, um pai de família, muito bem relacionado, pequeno comerciante, uma figura querida por todos que o conhecia na cidade. Prenderam os criminosos. Mas, e daí? O prejuízo já foi feito. Logo, penalidades devem continuar a existir, mas, acima de tudo É PRECISO CRIMINALIZAR O CRIME. Tirar-lhe o charme que de fato é o que se tem revestido no país.

      Mudança ma idade penal nada vai mudar enquanto juizes condenarem “pelo domínio do fato” ou “porque a literatura assim o permite”, seja por preguiça de trabalhar, seja por esquemas trevosos de corrupção. Todavia, de qualquer modo, a sociedade agoniza. E está cada vez mais violenta. Alguma coisa tem que ser feita.

    2. tem que fazer…

      Pedro Mundim você foi perfeito. Criminoso é criminoso, não importa a condição social nem a idade. Agora as consequências dos seus atos deveria ser analisado pelo Poder Judiciário. Com estas bandeiras fossilizadas que a esquerda tupiniquim está se afundando. E errado é o povo, que ela diz querer representar?!  Então vem um caso emblemático como o de “Champinha”, que deveria estar solto há muito tempo e todos e calam, escondidos atrás de sua covardia. É mesmo o lado obscuro da alma  brasileira.  26 anos de ECA? A maioria dos criminosos são mais novos que o Estatuto. Serviu para que? Para pleitearmos um Nobel? Redemocratização, quase 40 anos governados por partidos de centro esquerda, quase uma unanimidade nacional nas décadas de 1980/90/2000. Garanto que 99% dos presos tem menos que estes 40 anos. Onde estão os resultados das politicas sociais destes governos? Estamos plenos de escolas, creches, áreas de lazer, incentivo esportivo, bibliotecas, postos de saúde, acompanhamento familiar. Pré Natal? A microcefalia” falará” por nós. Falemos de São Paulo, minha terra, onde a prefeitura em área extremamente valorizada na Marginal Tiète, constrói a “Cidade do Samba”.80.000 m2 de construção. Dirão:”Uma coisa é uma coisa, outra coia é outra coisa” (Obrigado FHC, o intelectual). Num municipio onde em pleno 2016 ainda faltam creches para as suas crianças. Esta discussão da maioridade penal então continuará parecendo desculpa para acusar e transferir às forças policiais, problemas sociais ampliados pela incompetência de décadas de governos relapsos. Abs.  

  2. Meu caro

    Com um bando de marginal usufruindo suas tornozeleiras em recantos deste Brasil afora, é até irônico falar em abaixar a idade punitiva (não que não se deva estudar, mas, para alguns, o crime compensa).

  3. Punição ou educação?qdffrcoie

    Muito bem articulado o artigo mas analisa as moscas e se esquece da “substância” que as atrai.

    Discutir maioridade penal se transforma em mero devaneio quando se tem uma educação decadente em princípios morais, éticos e cívicos. Já dizia um sábio grego há mais de 2000: “eduquemos as crianças para não ser preciso punir os homens”.

    Sem matizes ideológicos a educação vai muito mal, pois passou a ser simplesmente uma maneira que a constituição obriga a se gastar o dinheiro arrecadado.

    Quando eu era criança, um professor era um ser superior mais resoeitado que um prefeito ou um padre porque havia consciência geral de que eles eram formatadores das gerações futuras. No Japão ainda é assim. Mas aqui, professor hoje tá muito depreciado e desvalorizado. Os políticos preferem zelar de quesitos mais rentáveis eleitoralmente do que disperdiçar recursos em educação.

    É preciso uma REVOLUÇÃO EDUCACIONAL eninando geografia local e história local aos pequinos para lapidarem seu comportamento social na raiz da nossa exxistência. Aos adolecentes ensinar conceitos cívicos nacionalistas, não com intuitos de superioridade e supremacia, mas sim com valores altruistas de entenderem a composição humana que os geraram. E aos de nível superior a responsabilidade pela melhora do mundo pois todos investiram na sua formação.

    Se não mudarmos os paradigmas da educação, preocupações como a proposta no artigo serão meras masturbações de ego.

  4. Uma segunda chance

    Já apresentei em outro post uma proposta alternativa mais humana. Em caso de crime hediondo o menor será retido para reorientação em local condizente com a sua condição. Mas, como pena, perderá a sua condição de menor inimputável. Se vier a cometer outro crime responderá como maior. Ele receberá uma segunda chance para acertar. Mas perderá a segunda chance de errar.

     

     

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador