Avacalhando o país 2

O senso de humor miliciano consiste fundamentalmente em escarnecer do povo, e embora não haja a menor graça nisso, piadas milicianas vêm se sucedendo nas manchetes de jornais, sendo a mais escrachada delas, provavelmente, o episódio da ocultação do derramamento monstro de óleo, catástrofe sem precedentes que se estende por 2 meses e já emporcalha 3.000 kms de costa – incluo as manchas encontradas no Pará no cômputo, ou teria que considerá-las escárnio adicional – apresentada como decorrente da lavagem de um barco, enquanto o vazamento monstro deve chegar aos milhões de toneladas de petróleo.

Um dos desdobramentos da piada assumiu a forma de imputação da culpa pelo derrame à Venezuela, escárnio patrocinado inicialmente pelo google e em seguida endossado pelo biroliro que tratou de adicionar desavergonhadamente ao episódio um desprezível tom de fofoca, ao insinuar a culpa pelo derramamento a ato intencional dos venezuelanos.

Levado ao ar pelo Fantástico, da Globo, o escárnio consistiu em imputar reiteradas vezes o derramamento à Venezuela, atribuindo-lhe a origem do óleo derramado com base na apresentação de dados de óleo de um poço brasileiro, e outro do Oriente Médio. Não sendo oriundo desses 2 poços, os farsantes concluíram que o petróleo só poderia ter vindo da Venezuela. Sintomaticamente, nenhum dado sobre amostras de petróleo venezuelano foi apresentado no programa, ou eximiria o país de qualquer relação com a farsa.

O escárnio revela agora sua face mais grotesca, na forma das imagens da tragédia que assola o país, transformando nossas praias em lixeiras e destruindo avassaladoramente importantíssimos ecossistemas marinhos. Em face de tal tragédia, o humor miliciano se manifesta na forma da apresentação de preocupação com meia dúzia de tartarugas mortas, ou sujas de óleo, em detrimento de informações sobre manguezais, recifes de corais, estuários e outros habitats chave que funcionam como berçários de vasta quantidade de fauna marinha.

Avacalhamo-nos a nós mesmos, regidos pelo idiota empossado em uma presidência transformada em picadeiro cuja dupla missão a que se incumbiu consiste em fazer o país retornar ao passado e escarnecer do povo brasileiro.

A parte mais ridícula de nossa comédia consiste na crença de que a zombaria se dirige apenas aos outros brasileiros e não a nós mesmos.

A piada miliciana consiste em transformar vasto contingente de brasileiros em alvos do escárnio, é ao brasileiro comum que mais diretamente se dirige a troça miliciana.

Contemplemos o protagonista da farsa no centro do picadeiro, a escarnecer dos brasileiros, e percebamos que somos nós a rir de nós mesmos, como se estivéssemos a rir daquilo que vemos no espelho. É de nós mesmos que estamos a escarnecer.

O roteiro que estamos a seguir é o de uma comédia de péssimo gosto na qual os palhaços somos nós, os brasileiros.

Notas

Manchas de óleo na Amazônia

Desde o dia 15, manchas de óleos similares às do nordeste têm surgido em Abaetetuba, no Pará, altura da Ilha de Marajó, o que eleva a extensão da catástrofe a aproximadamente 3.000 km de costa.

De acordo com o capitão dos Portos da Amazônia Oriental, no entanto, o material não seria o mesmo que se espalhou pelo litoral do nordeste brasileiro. Segundo ele, “quando ficamos sabendo dessa denúncia, mandamos uma equipe ao local. Hoje, estamos agindo junto com a Prefeitura. Aguardamos a analise do óleo coletado para tentar identificar o tipo de embarcação que usa esse combustível, o que vai facilitar a identificação do responsável pelo incidente”. A afirmação foi compreendida pelo editor do site como uma negativa de que as manchas no Pará tivessem relação com as do nordeste, inventando assim um novo derramamento a ser esclarecido. Creio que a negativa tenha sido forjada com o intuito de minimizar o incidente; sua aceitação, no entanto, leva à conclusão de que o Brasil tenha perdido por completo o rumo, virado bagunça, e esteja assistindo à transformação de suas praias em lixeiras. A coisa está feia.

Copacabana

Tem chegado às areias de Copacabana um resíduo negro, muito fino, que não se assemelha às manchas do nordeste, mas que provavelmente resulta do mesmo crime ambiental que está sendo abafado pelo governo. Junto ao resíduo chegam também detritos aparentemente carbonizados, mas provavelmente cobertos de óleo. A análise química de ambos seria necessária para conclusão definitiva, mas é provável que todo o litoral do país esteja sendo afetado pelo acidente monstro.

Caso o responsável pela catástrofe continue a ser ocultado pelos governantes e não seja responsabilizado pela tragédia as praias brasileiras serão transformadas em lixeiras. Está virando avacalhação.

Esclarecimento; dias atrás publiquei a foto de um homem morto cujo corpo estava coberto de óleo e que foi encontrado em uma das praias afetadas pelo óleo. A foto me sugeriu a possibilidade de relação entre o homem e o acidente que originou o óleo, consideração que especulei na publicação. Um legista, no entanto, percebeu vários detalhes técnicos que invalidam essa hipótese, como a textura da pele, a posição do corpo e outras considerações.

Errata 1: tendo consultado um mapa de correntes marítimas bastante rústico, ousei propor uma rota para o óleo que tem dado às praias nordestinas. O mapa dinâmico mostrado acima, muitíssimo mais rico que o consultado anteriormente, invalida minha conjectura, tornando-a absurdamente improvável. O óleo deve ser oriundo de plataforma a leste da região sinalizada pelo círculo, onde as correntes o teriam levado para a bifurcação que se desdobra em duas rotas.

Errata 2: Baseei o desenho da rota citada acima no falso pressuposto de que a primeira notificação das manchas teria ocorrido em Maraú, sul da Bahia, um equívoco. Fui traído por uma coincidência surpreendente, a ocorrência de manchas similares em Maraú exatamente um ano antes.

Tonel criminosamente “plantado” em praia.

Errata 3: Publiquei que a busca pelos compradores de uns tonéis da Shell, organizada pela Marinha e Polícia Federal consistia em piada de miliciano, uma vez que um vazamento tão gigantesco não pode ter vindo de uns tonéis. Marinha e PF, no entanto, estão corretos; alguém tem plantado esses tonéis cheios de óleo e perpetrado outros crimes com o intuito de confundir a população. Trata-se, de qualquer modo, do humor miliciano a escarnecer do povo.

Conjecturas e falibilidade

Minhas conjecturas, naturalmente, são falíveis. Impossível descobrir fatos novos sem, eventualmente, seguir pistas falsas. Devemos aprender com nossos erros, não há mal nisso. Mal haveria em negá-los sistematicamente, aferrando-se intricadamente a eles.

Leia também:

Manchas de óleo: por que estão ocultando o gigantesco crime ambiental?, por Gustavo Gollo

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Crime ambiental em andamento no Atlântico Sul, por Gustavo Gollo

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Redação

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