Joao Furtado
João Furtado, economista, especialista em temas ligados à indústria e às políticas para o desenvolvimento. Casado, tem 3 filhos.

A herança maldita do regime de 1964, por João Furtado

O regime de 64 não é uma modernização com custo social elevado. Ele é uma supressão que perdura dos direitos fundamentais do povo brasileiro

A herança maldita do regime de 1964

por João Furtado

Não vou falar dos crimes hediondos, porque desses falam com propriedade as mães e os pais que perderam os seus filhos e os filhos e netos que perderam mães, pais, avós e avôs.

Vou falar da herança maldita que ainda hoje sequestra o nosso futuro e nos priva das alegrias da prosperidade que queremos compartilhar. Há quem diga que o regime modernizou o país. Errado. As grandes obras não são modernidade. Nem as centrais nucleares, nem as marginais, nem as grandes hidrelétricas, muito menos os milhões de carros e os asfaltos que se apoderaram do orçamento – do governo federal, dos estados, dos municípios. As instituições do regime também não são modernidade pura e simples. O Banco Central também não foi modernidade e nós sabemos quem foi que se apoderou dos orçamentos dos bancos de desenvolvimento. Também não o foi a reforma tributária dos gênios econômicos dos militares. Muito menos os instrumentos que nos endividaram enquanto enriqueciam os devedores originais. Ou as leis trabalhistas e as intervenções que sufocaram mulheres e homens pelo Brasil todo, além de esmagarem o valor do trabalho. Também sabemos a quem a pesquisa agrícola beneficiou mais que a todos os deserdados da terra – o latifúndio. Os crimes contra os direitos de todos os brasileiros, e mais que tudo contra os povos originários e aqueles que se refugiaram nos rincões enquanto puderam, ajudaram a formar esse poder desmesurado que saqueou a terra e a natureza, além dos povos, para agora sequestrarem também a Constituição. Em nome de Deus, com um livro sagrado em uma mão e o dinheiro dos jagunços na outra mão.

O regime de 64 não é uma modernização com custo social elevado. Ele é uma supressão que perdura dos direitos fundamentais do povo brasileiro, de todos nós, incluindo aqueles que não perdemos familiares e nos beneficiamos dos frutos da desigualdade.

A herança maldita de 64 é um capítulo vil que ainda está sendo mal contado. O caos legado pelos generais e seus sócios nos levou à inflação descontrolada. Dela nasceram os remédios amargos que ainda hoje sufocam o trabalho, a produção e o consumo das maiorias. O poder despótico da terra, do capital concentrado e da finança sem propósito são o grande legado da ditadura.

Enquanto não fizermos a revisão radical do legado da ditadura, enquanto continuarmos a aceitar que houve “grandes avanços” mas com custos sociais, enquanto não assumirmos que o poder se concentrou e se afastou das organizações sociais, continuaremos a ratificar, sancionar, legitimar o pior legado da ditadura: o estreitamento das oportunidades da sociedade brasileira, fruto da destruição de tantas forças sociais e políticas legítimas que foram massacradas. Enquanto não dirigirmos a reflexão para as metástases deste câncer não seremos capazes de abrir o leque das alternativas que precisamos discutir.

João Furtado, economista, especialista em temas ligados à indústria e às políticas para o desenvolvimento. Casado, 62 anos, tem 3 filhos.

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