As crianças, os adolescentes e as telas
por Dora Incontri
Prometi para essa semana um texto sobre esse problema enorme que enfrentamos no campo da educação das novas gerações: o celular, o tablet e daqui a pouco serão os aparelhos em que mergulharemos em realidades virtuais 3D. Já existem, mas ainda não estão acessíveis e popularizados.
A questão está sendo debatida no mundo. Recentemente, a Suécia reintroduziu livros físicos nas escolas. Não havia mais! Pesquisas dizem que há uma redução cognitiva nos jovens atuais, em relação a seus pais e avós. Depressão, ansiedade, falta de concentração, adoecimentos psíquicos vários, automutilação e até o aumento de suicídios entre adolescentes e mesmo entre crianças revelam um quadro preocupante. O livro A geração do quarto: Quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar de Hugo Ferreira Monteiro, lançado em 2022 e que virou um best-seller, põe a mão na ferida, em entrevistas feitas com adolescentes do Brasil inteiro, a maioria com diversos problemas psíquicos. E um diagnóstico terrível: as novas gerações preferem ficar trancadas em seus quartos digitando, jogando, a procurarem relações presenciais, olho no olho, com toque, com o pé no chão.
O bombardeio de imagens, a rapidez das informações e, sobretudo, o mundo de desinformação, má formação e deformação a que estão submetidos e mesmo entregues as crianças e adolescentes, não encontra muitas vezes um contraponto na educação da família e da escola. Porque a família anda ausente. Os pais não têm tempo, muitas vezes igualmente são viciados nas telas, trabalham demais e quando descansam, descansam também no celular. Refeições em família são coisa do passado e oportunidades de diálogo diário, de um olhar atento para os filhos também estão longe da realidade.
A escola, por sua vez, como já analisei aqui no artigo passado, continua em grande parte desinteressante, passiva, conteudística. Não engaja, não atrai e não promove uma ação participativa. Não trabalha o emocional, o afetivo, a comunidade, as relações. Há exceções, claro. Há pais, educadores e psicólogos preocupados com tudo isso e procurando caminhos de solução.
Mas o cenário se apresenta tenso. Muito adoecimento psíquico e nos piores casos, o aliciamento de crianças e adolescentes pela Dark Web para ações violentas, como já se deram vários casos de tiroteios nas escolas, e para abusos sexuais virtuais.
O que fazer então? Precisamos de mudanças estruturais na sociedade. Essa aceleração do mundo capitalista é nefasta, é predatória das relações humanas mais profundas, como as relações com as crianças e adolescentes devem ser. O estar perto, o diálogo aberto, o passar tempo junto (não adianta alegar essa balela de tempo curto, mas de qualidade – amor para ser cultivado, para se conhecer plenamente o outro e cuidar dele, requer tempo mesmo). A restrição das telas é uma necessidade urgente. Mas não adianta vir com proibições arbitrárias, quando não se oferece algo consistente em troca e desde cedo se estabeleçam rotinas de passeios, de vivências culturais, e sobretudo do prazer da convivência.
Recorramos a Rousseau, que já no século XVIII, muito antes de todas as telas, falava dos problemas da civilização e pregava uma volta à natureza: em ambos os sentidos – o quanto temos necessidade de respirar o ar das montanhas e mergulhar os pés no mar e o quanto precisamos voltar à nossa natureza interna, de seres sociais, que vivem pelo afeto, pela relação e não trancafiados no quarto, jogando nas telinhas.
Dora Incontri – Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mestre e doutora em História e Filosofia da Educação pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP. Coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e do Pampédia Educação. Diretora da Editora Comenius. Coordena a Universidade Livre Pamédia. Mais de trinta livros publicados com o tema de educação, espiritualidade, filosofia e espiritismo, pela Editora Comenius, Ática, Scipione, entre outros.
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