Dia Nacional da Lembrança do Holocausto honra o diplomata brasileiro Souza Dantas

Carla Castanho
Carla Castanho é repórter no Jornal GGN e produtora no canal TVGGN
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Embaixador foi o primeiro brasileiro a discursar na ONU e recebeu o título de "Justo entre as Nações" por salvar mais de 800 judeus do nazismo

Quem foi o diplomata Luiz Martins de Souza Dantas

Ainda assim, Dantas desafiou as diretrizes impostas durante o Estado Novo e continuou a emitir vistos para judeus e outros refugiados, inclusive, datando os vistos de forma retroativa e assinando em francês para evitar a proibição oficial na embaixada brasileira em Vichy que, em 1942, foi invadida pela Gestapo, prendendo Dantas e todo o corpo diplomático.

Mesmo assim, Dantas continuou a servir, chefiando a delegação brasileira na Conferência de Paz em Paris em 1945. Ele faleceu em Paris em 16 de abril de 1954.

Em 2003, o embaixador Souza Dantas recebeu o título honorífico de “Justo entre as nações”, no Museu do Holocausto, em Israel (Yad Vashem), uma honraria reservada a pessoas que arriscaram suas vidas para salvar judeus do extermínio durante a 2ª Guerra Mundial. A visibilidade e reconhecimento do diplomata ocorreram após a vasta pesquisa do historiador Fábio Koifman.

Ignorado no Brasil e no mundo: o historiador que jogou luz às vidas salvas por Souza Dantas

“Eu percebi que o embaixador era totalmente esquecido no Brasil e totalmente ignorado no resto do mundo, inclusive pelo Museu do Holocausto, de Jerusalém, que tem um setor que cuida especificamente da memória dos que chamam de justos, são não judeus que desinteressadamente ajudaram os judeus, ciganos, homossexuais, comunistas, normalmente é um pacote, que sofreu sob o nazismo“.

O título de Souza Dantas no Museu do Holocausto, em Israel (Yad Vashem), ocorreu após a pesquisa de Koifman, “o livro é todo direcionado a um conjunto de evidências que levasse ao reconhecimento dele”.

“A documentação tem uma pasta de materiais relativa a esse reconhecimento. Quase tudo que está lá são materiais dos meus arquivos e, no Brasil, não só ninguém se lembrava dele, como também a comunidade judaica que teria o interesse direto, ignorou”.

Exemplo desse esquecimento pela Comunidade Judaica pode ser visto na comemoração do Dia do Holocausto no Palácio Itamaraty durante o segundo mandato do Presidente Lula, onde muitas lideranças judaicas discursaram, mas ninguém mencionou o nome do diplomata, exceto o presidente Lula. “Eu até imagino que quem soprou foi o Celso Amorim, porque ele sabia da minha pesquisa”.

Para o historiador, a importância de o governo brasileiro instituir esse dia está relacionada aos graves defeitos que a contemporaneidade produz nas pessoas.

“Múltiplos políticos e intelectuais estão mais preocupados com um momento atual de debate, do que com o fato histórico em si. É muito difícil você distanciar, então, aí começam as comparações, como essa ideia grave e absurda sobre o que é um genocídio pelo número de vítimas. Não é isso, não é por aí”.

Em artigo, o professor da USP Vladimir Safatle elucida o tema ao analisar a obra “O judeu pós-judeu: judaicidade e etnocracia”, na qual os autores discutem o trauma vivido durante o Holocausto e condenam o massacre na Faixa de Gaza, “o pertencimento a uma história soterrada pelo presente é uma força de abertura de futuros”, citando ainda a afirmação de Isaac Deutscher, abaixo.

“A noção de um judeu pós-judeu mostra como a reflexão, vivenciada dramaticamente pela subjetividade, sobre o desconforto diante das desventuras da identidade, mas também sobre a fidelidade ao pertencimento a uma história soterrada pelo presente é uma força de abertura de futuros”.

“A história principal dela era essa”: Elisa Klinger, uma das salvas por Souza Dantas

Elise, a mãe do autor, fugiu da Áustria para a França em 1938, onde sobreviveu sob o regime colaboracionista de Philippe Pétain. Com a invasão da França pela Alemanha em 1940, Elise conseguiu vistos emitidos pelo diplomata Luís Martins de Souza Dantas, que desafiou as ordens impostas pelo governo brasileiro para continuar salvando vidas.

O pai do autor, Hans Glasberg, por sua vez, foi um dos judeus salvos pelo acordo entre o governo brasileiro e o Vaticano para acolher os chamados “católicos não-arianos”, intervenção que permitiu aos judeus encontrarem refúgio no Brasil, longe dos horrores da guerra. Ambos se conheceram durante a viagem de navio ao solo brasileiro.

Elisa Klinger foi uma das últimas pessoas que obtiveram o “visto diplomático” concedido por Souza Dantas, uma maneira que o diplomata encontrou para contornar a proibição de vistos no Estado Novo, embora sua ação fosse considerada ilegal.

“Pelo que minha mãe conta, ela saiu no finzinho, entre o natal e o ano novo de 1940 e conseguiu escapar. O visto estava pré-datado em novembro, isso tudo eu descobri depois, pela documentação que o historiador Fábio Koifman levantou”, relembra Rubens.

“Isso a própria polícia marítima que também ajudou falou ‘esse visto é um absurdo. O camarada escreveu em francês, onde já se viu, ele tinha que escrever em português’. E ele escrevia em francês para ajudar a pessoa sair, porque se fosse em português, o pessoal da própria França iria olhar e dizer ‘epa, o que é isso?’”, explica o historiador Fábio Koifman.

Em um caso particular, o FBI questionou a autenticidade de um visto manuscrito assinado por Souza Dantas.

”O FBI olhou o visto e disse ‘que camarada é esse que tem um visto escrito à mão e assinado por Souza Dantas, o que é isso?’. Aí o pessoal da secretaria de estado falou: ‘olha, a gente já sabe desses, chegaram vários aqui, a gente sabe quem é o camarada e ele só fazia isso por bondade do coração’. Essa história de coração enorme, um bom coração, eu ouvi tantas vezes”.

“Ele recebia os ilustres brasileiros que iam para lá, jornalistas, políticos, arrumava ingresso. Ele viveu, assim como ele tinha uma vida muito espartana. Acolhia e ajudava todos os brasileiros”, diz Koifman.

Para o jornalista Rubens Glasberg, a missão de Souza Dantas joga luz aos que hoje são considerados refugiados – ou indesejados. “Hoje os perseguidos são os que tentam entrar nos Estados Unidos pela fronteira, as pessoas que morrem no Mediterrâneo afogadas tentando entrar na Itália. Isso você vê no movimento da direita contra a imigração, especialmente do Oriente Médio e da África. Os indesejados de hoje são os árabes“.

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