
Glenn Greenwald e uma trágica confusão dos valores que dignificam a vida
por Eduardo Ramos
Pessoas passionais e apaixonadas por um aspecto específico de qualquer área da vida, comumente cometem o erro grosseiro de não enxergarem as outras questões envolvidas num fato ou processo que analisem, tendendo ao fanatismo e à cegueira ao se fixarem nesse aspecto específico, reduto de sua paixão derradeira. Parece ser esse o caso do jornalista Glenn Greenwald em seu ataque ao ministro Alexandre de Moraes via Folha de São Paulo, em artigos assinados junto com o jornalista Fábio Serapião.
Dois erros crassos em nossa opinião comete o jornalista, e essa é a base desse artigo:
1) Supervaloriza o valor liberdade de opinião na mesma proporção em que DESVALORIZA o valor Democracia (por paradoxal que isso possa parecer)
2) Não parece perceber que seu fanatismo e cegueira jogam gasolina na maior ameaça de todos os tempos à liberdade de pensamento (que ironia!, justamente o que ele acredita estar defendendo…) e à própria democracia no Brasil: o bolsonarismo em suas vertentes mais radicais, selvagens, negacionistas, farsescas.
Sobre o ítem 1, numa comparação um tanto grosseira (proposital) podemos nos perguntar: “fosse vivo nos anos 30 da Alemanha pré-nazista, defenderiam os dois jornalistas a “liberdade de expressão” de Hitler, Goebbels e cia., e atacariam os juízes que vissem em sua “liberdade de expressão” uma ameaça à democracia, um perigo para o mundo, uma EXPRESSÃO DE ÓDIOS E FARSAS, portanto, um EXCESSO ABSURDO E ABSOLUTO na sagrada liberdade de opinião?”
Uma das verdades mais simples do evangelho cristão é a frase de Jesus, “um pouco de fermento leveda toda a massa”. Cabem, na “liberdade de pensamento e/ou opinião”, incitamentos ao ódio social, defesa de tortura, ataques à democracia, fake news, manipulação ostensiva da sociedade, e mesmo a formação de um exército de zumbis imbecilizados e tornados fanáticos POR CAUSA DESSA RETÓRICA PERVERSA, DOLOSA, que visa a destruição de todos os valores que fazem de um agrupamento social uma CIVILIZAÇÃO???
Sobre o item 2, além de não citar UM caso concreto sequer de CRIME praticado pelo ministro Alexandre de Moraes no exercício da magistratura em ambas as cortes, não estão os jornalistas jogando sim gasolina na fogueira perigosíssima dessa chaga social em nosso país, o bolsonarismo? Não estão dando falsos álibis aos críticos do ministro, como se todas as mentiras, fake news, negacionismos, discursos de ódio e morte, já não nos tivessem causando a DESTRUIÇÃO de tudo o que nos civiliza?
As ações do ministro em colher informações do TSE e/ou STF em busca de provas, conhecimentos que possam embasar juridicamente os processos que comanda na busca por justiça jamais podem ser comparados aos métodos e ações da Lava Jato, em que Sérgio Moro quebrou diversas normas legais e formou uma quadrilha junto com outros juízes e procuradores para cumprir seus propósitos políticos. É emporcalhar a verdade tentar misturar um processo com o outro, é macular a democracia e a busca da verdade, é falsear a realidade de um modo perverso e dantesco.
Não acertam o alvo da busca à verdade os dois jornalistas, sequer ajudam à sua pretensa causa de “defesa da liberdade de expressão” — porque beneficiam com seus “artigos” (entre aspas mesmo!…) exatamente aqueles que mais desprezam a liberdade, a democracia, o direito à livre expressão com ética e responsabilidade sociais.
Os que já deveriam estar presos, tamanhos crimes cometeram contra a verdadeira liberdade e democracia, agradecem ao desserviço dos dois.
E somos um país tão aberto à liberdade de opinião, que ambos podem cometer seus desatinos sem que sejam oprimidos por isso.
O bolsonarismo celebra em festa!
(eduardo ramos)
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Direto e reto ao ponto. Parabéns!
Conceitos abstratos só tem sentido quando inseridos numa realidade. Liberdade de expressão, democracia, direitos do cidadão, igualdade,livre concorrência. Democracia não rima com Guantanamo, ou com a prisão de Assange. Democracia não rima com palestinos em Israel. Direitos do cidadão não rima com imigrantes nos Estados Unidos. Livre expressão não rima com fake-news.
Conceitos abstratos não podem se tornar princípios nem peças de uma discurso meramente ideológico.
Parabéns pela análise, Eduardo. Demonstra bem os limites dessa forma equivocada de ver o mundo, uma espécie de kantianismo míope, de orelha de livro, que trata alguns princípios como absolutos e ignora outros, sem buscar seu equilíbrio, sua concordância prática.
Glenn originalmente é advogado, formado pela escola jurídica norteamericana, o que ajuda a explicar várias coisas:
– Dentro de um modelo legal consuetudinário, o juiz é figura central na própria criação de regras (precedentes), a partir da análise de casos concretos. A própria Constituição dos EUA é extremamente reduzida, cabendo uma enorme margem de ação para os magistrados. Nosso sistema jurídico, ao contrário, é descendente do direito continental europeu, baseado em regras escritas (direito positivo), e nossa Constituição é extensa. Como bem disse o Prof. Serrano, as críticas conceituais contra o caráter inquisitorial da fase pré-processual penal precisam ser direcionadas ao direito brasileiro, ao legislador e ao próprio constituinte;
– O direito estadunidense é liberal, privilegiando os direitos fundamentais INDIVIDUAIS, assim como uma igualdade meramente formal; outras dimensões dos direitos humanos, visando aumentar a igualdade material (direitos econômicos, sociais, culturais, informacionais, etc.), não são recepcionadas, ou tratadas como inferiores. Num embate entre princípios, aplica-se uma balança em que quanto mais individual ele for, mais peso terá (e prevalecerá nas decisões judiciais), o que leva ao seu tratamento como direitos quase absolutos;
– Ademais, a hermenêutica constitucional americana é estruturada dentro de uma análise de “razoabilidade” da atuação estatal nessa esfera hegemônica das liberdades individuais, em regra rejeitando intromissões. No direito positivo, como já bem demonstrou Robert Alexy, princípios não são absolutos, mas mandamentos de otimização, cuja concordância prática precisa ser buscada pelos magistrados, visando sempre a preservação da dignidade da pessoa humana e usando a proporcionalidade como método; eis aí o kantianismo verdadeiro, pleno;
– Como é cediço, por sua posição hegemônica, os norteamericanos não são conhecidos por buscarem entender outras culturas, outros paradigmas, outras soluções evolutivas, mas usar seus valores e institutos como régua universal para o resto do mundo. No direito, isso se traduz em uma pretensão cada vez maior de aplicação extraterritorial de suas normas domésticas; se o governo lá faz isso, natural que as Big Techs se sintam empoderadas a fazer o mesmo, considerando a internet seu quintal… E o norteamericano médio faz o mesmo, minimizando a soberania alheia, dentro de uma visão imperial de mundo.