Jornalistas defensores de golpistas também fazem mal à democracia, por Lauro Mattei

A defesa da anistia aos golpistas vai se alastrando por meios de comunicação onde sempre haverá um jornalista para dar guarida a tal intento.

Joédson Alves – Agência Brasil

Jornalistas defensores de golpistas também fazem mal à democracia

por Lauro Mattei

Devo inicialmente alertar que o título desse artigo decorre de uma paródia a um artigo publicado recentemente por um jornal de grande circulação no país, conforme comentaremos mais adiante e que em seu título continha a seguinte mensagem: “Insensatez do STF faz mal à democracia”, publicado em 23.03.2025.

Não é segredo de ninguém que os dois principais grupos jornalísticos do país (Grupo Folha e Grupo Globo) contribuíram decisivamente para o golpe militar de 1964 e sua perpetuação até 1985, inclusive contando com o apoio de um número expressivo de consagrados jornalistas. Não se deve esquecer que o primeiro grupo transportava os presos políticos em suas camionetes para serem torturados e mortos no DOI-CODI, aparelho de repressão do regime militar que governo o país no período acima mencionado, enquanto o segundo grupo manipulava a sociedade com informações quase sempre favoráveis aos militares que ocupavam o poder.

Da mesma forma, não devemos esquecer o protagonismo desses dois grupos de comunicação durante o golpe jurídico-parlamentar de 2016 que depôs uma presidente legitimamente eleita. Em tal ocasião usaram fortemente de seu poder hegemônico para divulgar e potencializar fatos nem sempre verdadeiros articulados à “República de Curitiba”, ou como alguns preferem, aos “Vendilhões da Pátria”. Novamente, todo esse processo contou com um número crescente de jornalistas envolvidos.

E assim chegamos ao cenário da tentativa de Golpe de 08.01.2023 e seus desdobramentos posteriores. Como a democracia brasileira não cedeu aos rompantes golpistas, está em curso na Suprema Corte do país o julgamento de todos os envolvidos em mais uma página vergonhosa da história do Brasil. Em sua grande maioria, todos os golpistas[1] que foram presos estão envolvidos no cometimento de quatro crimes graves: Tentativa de Abolição do Estado Democrático de Direito; Golpe de Estado; Dano Qualificado ao Patrimônio Público e Associação Criminosa.

Assim que os golpistas sentenciados começaram a ser julgados e penalizados, eis que os meios de comunicação antes referidos (e outros) com seus bem intencionados jornalistas iniciaram uma trégua disfarçada de defesa dos golpistas sob os mais distintos argumentos. Um deles virou chavão na boca da maioria desses defensores de golpistas: refiro-me ao uso exagerado da expressão “Dosimetria” para criticar a postura autônoma dos ministros do STF, sem ao menos qualificá-la.

Essa expressão está sendo repetidamente utilizada por jornalistas e comentaristas políticos que pouco se dedicaram a compreender seu sentido conceitual originário da Física e, menos ainda, como o mesmo adentrou ao “juridiquês” brasileiro de forma indevida e ampla como se fosse sinônimo generalizado de dosagem em qualquer esfera técnica ou política. Na Física e Química essa expressão representa uma medida de doses de radiação que um ser vivo pode estar exposto. Ou seja, um conceito específico relativo à mensuração de doses de radiação e não a uma pena (dosagem) a ser aplicada a um réu que cometeu um determinado crime. Por isso, dicionários importantes (Aurélio, Houaiss, etc.) se referem a tal expressão apenas em termos da Física e da Química.

Por caminhos tortuosos essa expressão passou a fazer parte da linguagem jurídica que, segundo alguns expoentes das cortes superiores, tomou o termo emprestado da “medicina”, uma vez que a expressão busca se referir à dosagem de remédios. Na verdade, ela remete ao método farmacológico de se regular princípios ativos de substâncias que fazem parte dos medicamentos. Portanto, não nos parece correto associar tal conceito específico de uma determinada área do conhecimento às penas impostas aos condenados.

Feitos esses esclarecimentos, é importante observar como determinados jornalistas se associaram rapidamente a algumas narrativas e vitimizações de condenadas(os) proclamadas pelos golpistas. Senão vejamos: uma determinada presidiária que, após sentenciada, passou a ser vista como símbolo da luta por anistia por parte dos golpistas dado que, na visão deles, “ela só foi à Brasília passear, não destruiu nenhum prédio público, apenas tirou fotos e pichou a Estátua da Justiça por falta de malícia e por não saber o valor simbólico daquela obra”. Enfim, uma verdadeira santa que pede compaixão porque sempre foi uma mãe de família exemplar.

Essa narrativa encontrou guarida em matéria de uma colunista do jornal Folha de São Paulo, a qual mencionou explicitamente a condenação de 14 anos dessa senhora como um ato que “carece de dosimetria e de individualização dos atos praticados”, uma vez que “não há evidências que tal senhora possa obstruir o processo e que represente perigo à ordem pública”, além da Corte “não ter demonstrado como a depredação derrubaria o governo (sic)”. Ao final só faltou dizer que tal senhora foi a Brasília passear e foi enganada por uma “turba de vândalos desmiolados”.

Na sequência os arremates finais: “no julgamento dos réus de 08 de janeiro falta contenção do STF”. Ora, o tribunal está condenando os réus não pelo passeio à Brasília e nem pela pichação da Estátua da Justiça, mas sim pelos 4 crimes que todos cometeram ao se associar a esse movimento que todos eles tinham pleno conhecimento de seus dois intentos principais: não aceitar o resultado legítimo das eleições e defender a volta da ditadura militar. E diz mais a colunista: “o STF está contribuindo para minar o debate público porque denota motivação política, além de criar desconfiança na sociedade sobre sua ação constitucional”. Rigorosamente, esses também são os argumentos dos golpistas, em especial do seu líder maior.

Não por acaso esse líder ganha enorme espaço no mesmo periódico (FSP) no dia 29.03.2025, logo após o STF aceitar a denúncia e torná-lo réu. Para tentar ludibriar os desavisados, esse senhor acabou confessando, pela estatura de sua ignorância, que articulou o golpe porque era necessário fazer alguma coisa. Segundo ele, após os resultados das eleições confirmarem sua derrota não prevista, apenas organizou conversas sobre alternativas. Ou seja, as eleições foram democráticas, mas os resultados não porque ele não foi reeleito. Na verdade, ele nunca reconheceu sua derrota e trabalhou intensamente nos meses seguintes (novembro e dezembro de 2022) para organizar o golpe. Toda reportagem mostrou o golpista se sentindo à vontade para disseminar a confrontação com o STF como forma de se resguardar da prisão, todavia fazendo isso em nome da anistia para todos os golpistas.

E assim o espaço para a defesa da anistia aos golpistas vai se alastrando por diversos meios de comunicação onde sempre haverá um jornalista para dar guarida a tal intento. É o caso de matéria no jornal O Globo do final de março em que se defende que o julgamento deva ser técnico e equilibrado porque o punitivismo do STF está fomentando junto à sociedade a pauta pela anistia. Ou seja, os sujeitos cometeram 4 crimes graves e o STF não pode condená-los porque isso representa um problema de “dosimetria”.

Além desses meios de comunicação antes mencionados, também deve-se registrar o papel do jornal “O estado de São Paulo”, outro expoente na defesa da ditadura de 1964 que, para não perder o bonde golpista atual, passou a questionar se o STF seria o foro adequado para fazer o julgamento dos presidiários. Desnecessário dizer que desde o princípio esta é uma bandeira dos principais líderes desse movimento golpista.

Nos últimos dias também ganharam espaço nas mídias defensoras de golpistas figuras caricatas dessa matriz política. Por um lado, o juiz parcial afirma que é a favor da anistia porque “essas pessoas já sofreram muito e suas penas estão sendo excessivas”, entendendo que elas deveriam ser reduzidas ao tempo já cumprido.

Na mesma direção, também vem ganhando espaço nesses mesmos meios de comunicação o governador de São Paulo. Para ele, defender a anistia para todos os golpistas é algo que considera justo, ao mesmo tempo em que defende que a prisão deve ser restrita apenas a quem rouba celular e invade terra.

Em síntese, é evidente que o movimento golpista continua em curso e seus genitores estão sendo protegidos cada vez mais por aqueles setores da mídia que sempre se aliaram a tais movimentos. E tudo isso sendo feito com um objetivo comum: desacreditar junto à sociedade um governo legitimamente eleito!

Lauro Mattei – Professor titular do Curso de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Email: [email protected]


[1] Alguns jornalistas desavisados os qualificam como vândalos apenas, como se os crimes que praticaram não fossem de tamanha gravidade.

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2 Comentários

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  1. Ou seja: criam mecanismos para toda turba que apoia algum canalha, e que esteja insatisfeita com algum revés sofrido pelo canalha, promova, sem medo da justiça, depredações e arruaças que inclusive poderá atingir o patrimônio destes veículos de imprensa.
    Não raro vemos repórteres de algum veículo sofrendo ataques na rua.
    Mas quer saber; merecem.Nao o empregado mas o veículo, que defende libertar criminosos que se fossem do MST estariam sendo tratados como terroristas

  2. No final o objetivo final continua claro,acabar com o governo petista e sua inconveniente mania de proteger os trabalhadores, nacionalismo industrial, estatísmo e distribuição de renda.

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