Contra a tentativa de desmonte do Arquivo Nacional, a Justiça Federal suspendeu temporariamente a eliminação de qualquer documento público histórico, incluindo relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
A decisão, de caráter liminar, é a primeira medida judicial contra o Decreto nº 10.148/2019, editado no governo de Jair Bolsonaro, que retirou a competência restrita ao Arquivo Nacional sobre documentações históricas, incluindo as investigações relacionadas à ditadura do regime militar (1964-1985).
Publicado no primeiro ano do governo Bolsonaro, o decreto alterou a estrutura e função da Comissão Permanente de Avaliação de Documentos Sigilosos (CPADs), sendo nomeadas pessoas de interesse do governo e dos respectivos Ministérios. Esses sub-gabinetes passaram a ter a responsabilidade de analisar, aprovar e retirar arquivos históricos e sigilosos.
Diversas entidades apontaram a medida do governo como uma tentativa de desmonte do Arquivo Nacional. Em uma das petições enviadas à Justiça, o Ministério Público Federal apontou as consequências do decreto:
“O Decreto nº 10.148/2019 suprimiu a competência do Arquivo Nacional para autorizar ou não a eliminação dos documentos. Trata-se, como se vê, de um ato infralegal (regulamentar) que subtrai do Arquivo Nacional competências atribuída por lei.”
Com base nos argumentos do MPF e nas recentes denúncias de retirada de páginas e documentos de relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV), como ocorreu com o caso favorável ao ex-coronel Olinto de Souza Ferraz (entenda aqui), a Justiça aceitou suspender qualquer tentativa de eliminação de documentos públicos.
Sobre o caso específico, o Arquivo Nacional emitiu nota reconhecendo que teve que eliminar trechos do relatório final da CNV, pela determinação judicial anterior, e lamentou o episódio. “O AN lamenta que, em nenhum momento, tenha sido convocado a se manifestar no processo em questão até o seu trânsito em julgado, uma vez que o acervo da CNV foi recolhido ao órgão por força do disposto no parágrafo único do art. 11 da Lei n.º 12.528/2011.”
“Em situações anteriores, com base nas informações e argumentos técnicos do AN, a supressão ou alteração de documentos históricos foi evitada, posto que a Justiça Federal entendeu que o procedimento ora determinado é deletério à preservação da memória nacional, e pode levar à desestabilização do conceito legal de guarda permanente de documentos de valor histórico, comprobatório e informativo, que devem ser definitivamente preservados”, acrescentou.
A decisão da juíza federal Maria Alice Paim Lyard, do Rio de Janeiro, implica não somente os relatórios da CNV, como todos os arquivos históricos armazenados pelo Arquivo Nacional, de acesso público no Sistema de Informações do AN (Sian), a exemplo das investigações relacionadas à ditadura brasileira.
“Considerando o risco ao resultado útil do processo, de natureza irreversível caso algum documento de elevado valor histórico cultural seja eliminado, havendo, ainda, probabilidade do direito, corroborada pelas manifestações de autoridades do setor na Carta constante do anexo 7 da inicial, bem como em atenção ao poder geral de cautela, entendo por bem sejam suspensas as eliminações de documentos públicos até ulterior de decisão do Juízo.”
A determinação, contudo, ainda não é definitiva e não foi julgado o teor do pedido do Ministério Público Federal (MPF), ou seja, de anular o Decreto nº 10.148 e demais decisões consecutivas relacionadas, que impactaram na estrutura do Arquivo Nacional.
Leia a íntegra da decisão, abaixo:
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