MPF defende exclusão de crimes de agentes públicos da Lei da Anistia

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
[email protected]

Órgão público defende junto ao STJ que se cumpra a prevalência das regras internacionais de direitos humanos internalizadas pelo Brasil

Foto: Arquivo Nacional

A Lei da Anistia não deve ser aplicada nos casos relacionados a crimes cometidos ao longo da ditadura militar (1964-1985), segundo tese defendida pelo Ministério Público Federal (MPF) em parecer apresentado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Segundo manifestação assinada pelo subprocurador-geral da República Mario Bonsaglia, as normas previstas nos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil devem prevalecer sobre o regramento nacional para garantir que crimes de lesa-humanidade sejam devidamente investigados, julgados e coibidos.

O parecer de Bonsaglia é referente a recurso especial apresentado contra decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3). A Corte negou o recebimento de denúncia relativa a ex-agente da ditadura e a dois médicos legistas por envolvimento na morte da militante política Neide Alves dos Santos, registrada em 7 de janeiro de 1976.

Audir Santos Maciel, acusado de homicídio qualificado, era comandante do Destacamento de Operações e Informações (DOI-Codi) do II Exército e participou da operação que resultou na captura e no assassinato da vítima,  enquanto Harry Shibata e Pérsio José Ribeiro Carneiro, denunciados por falsidade ideológica, foram responsáveis por forjar um laudo necroscópico que omitia as verdadeiras circunstâncias do óbito.

Ao defender o recebimento da ação penal apresentada pelo Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP), o recurso aponta que, em 2010, por ocasião do julgamento do caso referente à Guerrilha do Araguaia, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a não mais aplicar a Lei de Anistia como forma de impedir a investigação de casos considerados de graves violações de direitos humanos.

O MPF sustenta ainda que, em 2018, no processo referente ao jornalista Vladimir Herzog (preso, torturado e morto durante a ditadura militar), a CIDH confirmou a ocorrência de crime contra a humanidade e considerou que instrumentos da legislação brasileira, como a Lei de Anistia e a prescrição, não poderiam afastar a persecução penal dos delitos.

Proteção aos direitos humanos deve prevalecer

Em seu texto, Bonsaglia ressalta que a proteção aos direitos humanos deve prevalecer quando as decisões tomadas internacionalmente são confrontadas com as leis brasileiras.

Dentro desse sentido, o subprocurador pediu a alteração do entendimento firmado pelo STJ no julgamento de outro processo (REsp 1.798.903) – na ocasião, estabeleceu-se que cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) verificar os efeitos das decisões da CIDH nos casos de Vladmir Herzog e da Guerrilha do Araguaia, com a harmonização das leis brasileiras e a jurisprudência relativa à Lei da Anistia.

O STJ entendeu não ser possível afastar normas brasileiras que regem a prescrição, com o objetivo de tornar imprescritíveis crimes contra a humanidade, e estabeleceu não ser possível caracterizar uma conduta praticada no Brasil como crime contra a humanidade, sem que exista na legislação brasileira a tipificação de tal crime.

Ao solicitar a mudança de entendimento, Bonsaglia lembra que o Estado brasileiro, voluntariamente, submeteu-se à jurisdição da CIDH ao ratificar, em dezembro de 1998, cláusula da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

“Ao fazer isso, o Estado brasileiro obrigou-se não apenas a respeitar os direitos garantidos na Convenção, mas também a assegurar seu livre e pleno exercício, mediante a adoção de medidas afirmativas necessárias e razoáveis para investigar, coibir e responsabilizar aqueles que afrontam os direitos ali assegurados”, frisa o subprocurador-geral da República.

Bonsaglia argumenta que, nesse cenário, as normas brasileiras ficam sujeitas a uma dupla aferição de sua validade e aplicabilidade: a adequação à Constituição Federal e às convenções internacionais assinadas pelo país.

No caso da Lei da Anistia, o parecer do MPF ressalta que, embora a norma tenha sido julgada válida pelo STF, não foi validada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Por conta disso, o MPF avalia que as obrigações estabelecidas para o Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos devem ser executadas principalmente em relação ao dever do Estado de conduzir eficazmente a investigação penal.

Leia abaixo a íntegra do texto

ARESP-2134844-p

Leia Também

Para Nunca Mais?, por Paula Franco

Viúva e ex-sócia de vítima da ditadura militar vêm ao Brasil

MPF questiona doação de material sobre memória da ditadura militar

Os horrores da Ditadura Militar do ponto de vista das mulheres que lutaram por democracia. Assista

Caminhada do Silêncio lembra vítimas da ditadura militar e do Estado brasileiro

Governo Bolsonaro age para recontar história da ditadura militar

Justiça para os crimes da ditadura militar no Brasil: antes tarde do que nunca, por Nadejda Marques e Manoel S. Moraes de Almeida

Não é o governo que nos pauta, mas, sim, a nossa história, por Francisco Celso Calmon

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Chance zero de prosperar. Contudo, seria fundamental que avançasse, para, quem sabe, servir de exemplo aos atuais golpistas. De outro lado, é surpreendente saber que Alberto Toron representa um parceiro de Harry Shibata. Não vale dizer que todos têm o direito de defesa. Há, provavelmente, mais de um milhão de advogados no país.

  2. Antes da Constituição de 88, todo o poder emanava do povo mas não era exercido pelo próprio povo, mas em seu nome. Com o advento da Constituição Federal de 88, todo o poder continuou a emanar do povo mas daí em diante ele deixou de ser exercido em nome do povo e passou a ser exercido pelo próprio povo, através de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos da CF. Nada obstante o poder tenha deixado de ser exercido em nome do povo e tenha passado a ser exercido pelo próprio povo, tudo continuou como dantes no quartel de Abrantes.

    Mas, a depender dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, o exercício do poder que emana do povo pelo próprio povo deve chegar ao fim, pois eles decidiram que:

    “Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que “Dele” emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação”. – Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

  3. Achei bonitinho o entendimento do STJ – ” O STJ entendeu não ser possível afastar normas brasileiras que regem a prescrição, com o objetivo de tornar imprescritíveis crimes contra a humanidade, e estabeleceu não ser possível caracterizar uma conduta praticada no Brasil como crime contra a humanidade, sem que exista na legislação brasileira a tipificação de tal crime. Com isso o STJ esclarece o que há muito já desconfiávamos : o brasil não pertence à humanidade.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador