FADS - Frente Ampla Democrática Socioambiental
A FADS - Frente Ampla Democrática Socioambiental foi fundada em novembro de 2018, por centenas de ambientalistas, pesquisadoras/es e militantes de movimentos sociais que lutam pela centralidade das questões socioambientais na vida e ação política brasileira. Venha construir com a gente o nosso lugar de fala!
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Trabalhadores visíveis e invisíveis, por Agnes Franco

O negacionismo climático tem diversas faces. A mais conhecida delas é a que nega publicamente as mudanças climáticas

Trabalhadores visíveis e invisíveis

por Agnes Franco

Os diferentes tipos de negacionismo climático e o impacto na vida dos trabalhadores

 Quando você lê a palavra “trabalhador”, o que vem a sua mente? Possivelmente não foi um ativista que passou 20 horas de sua semana levantando informações sobre os incêndios criminosos no cerrado brasileiro. Também não deve ter sido o catador que sobrevive das latinhas que sobram do seu churrasco com os amigos, tampouco de um pesquisador mal remunerado que tem no mínimo duas pós-graduações, dois idiomas, trabalha 60 horas por semana sem nenhum direito trabalhista para garantir que esse catador não morra de câncer de pele. E nenhum deles é mais ou menos importante que o outro nessa cadeia de vida chamada Terra. Somos codependentes, interdependentes, escolha o termo que preferir.

A verdade é que a classe trabalha abarca os mais diversos perfis de pessoas, alguns em condições mais ou menos confortáveis a depender das oportunidades que tiveram. Mas uma coisa é comum a todos eles: desafios crescentes, em especial diante da emergência climática, que destrói biomas, cidades e vidas em todas as suas expressões. Com quem, afinal, os trabalhadores podem contar a não ser com eles mesmos? E podem mesmo contar uns com os outros? E o que as autoridades mundiais fazem com os alertas incessantes dos cientistas ao longo das últimas décadas?

O negacionismo climático tem diversas faces. A mais conhecida delas é a que nega publicamente as mudanças climáticas, ou que refuta a influência humana no sistema ecológico. Esta é muito conhecida por meio de proeminentes figuras, em especial da política, que frequentemente afirmam que a seca no Amazonas nunca existiu, que o calor excessivo é natural, e que os cientistas fazem terrorismo. Esta manifestação do negacionismo é grave, parte geralmente de lideranças pouco afeitas ao conhecimento formal e atinge fortemente uma parcela da sociedade – em especial trabalhadores – apartada do senso crítico e das ferramentas que incentivam a pesquisa, tanto por desconhecerem o método científico quanto por trabalhar longas horas forjadas para o trabalho prático, atordoados com as preocupações da diária. Neste sentido, o recorte de classe ganha corpo, forma e, claro, muitos votos. Esta forma de negacionismo que circula nas redes sociais com facilidade vou chamar aqui de ‘negacionismo extremista’, uma vez que os propagadores dessas ideias são, geralmente, também propagadores ou aliados àqueles com ideias extremistas no campo político.

Há uma outra forma de negacionismo e que nossa sociedade, convenientemente, faz vista grossa. Chamo carinhosamente de ‘negacionismo de oportunidade’. Esta forma de negacionismo é a mais comum, veste roupas bonitas, defende a democracia e faz discurso em todos os espaços diplomáticos seguidos de aplausos, e não raramente, de lágrimas. Parte de lideranças de todo o globo – e, claro, também do Brasil – que reconhecem publicamente a gravidade das mudanças no clima, não refuta a ciência, podem até ser eleitos com propostas importantes no âmbito ecológico, mas mantêm o pacto com o capitalismo acima da vida e dos dados científicos. Esses são os responsáveis diretos pelos 70% de trabalhadores que, segundo a Organização Internacional do Trabalho, terão a saúde impactadas pela emergência climática. São também responsáveis pela futura redução em 19% na renda global, pelas 79 catástrofes climáticas que a Ásia enfrentou em 2023, pelo aumento de 30% na temperatura europeia. Ao se curvarem ao status quo, assumiram o risco de consequências há décadas alertadas pela ciência. Respondem eticamente pelos 26 milhões de trabalhadores com doenças renais crônicas por causa do calor excessivo, pelas 19 mil pessoas mortas pelo câncer causado por exposição ao sol, pelos 860 mil óbitos por poluição do ar e 300 mil por causa de agrotóxicos. No Brasil, são os responsáveis pelas 120 mil pessoas atingidas pelas fortes chuvas em 22 municípios no Acre, enquanto outra estiagem vem sendo prevista por climatologistas no Amazonas, que no ano passado atingiu 630 mil pessoas. No Sul, foram 194 mil humanos, majoritariamente trabalhadores, vitimados pelas inundações. Nada disso é surpresa aos gestores. A ciência alertou e alerta, o tempo todo. E se nada fizeram, negaram a ciência, portanto, precisamos começar a dar nome aos bois – não só aos gados.

O Brasil está diplomaticamente comprometido com a transição energética e com a redução de emissões. Também é signatário de diversos compromissos internacionais em defesa dos trabalhadores – inclusive os ‘trabalhadores da Terra’, ou seja, os povos indígenas e todos os PCTs que garantem a vida no planeta, inclusive a humana. Isso não quer dizer que nosso país tenha sido capaz de superar as adversidades que o sistema impõe e dar saltos realmente efetivos em favor da vida. Tampouco de impedir a catástrofe em terras Yanomami, as mortes em disputas de terra, aquele show de horrores em Apyterewa, com trabalhadores usados por extremistas e povos indígenas sofrendo invasão de terras vitimados na mesma proporção – ainda que eu tenha aqui resumido um problema muito profundo alvo de estudos muito profundos.

Ainda que o Ministério do Meio Ambiente tenha passado de 0,08% dos gastos públicos (uma verba de R$ 4,25 bilhões) para 0,70% (R$ 14,09 bilhões) esse montante está muito abaixo do necessário. Também não vou entrar no mérito do esforço hercúleo que os funcionários comissionados e de carreira do MMA fazem para manter a coisa funcionando para não ser acusada de chapa-branca. De todo modo, as ações necessárias para salvaguardar os trabalhadores brasileiros e os biomas passam por todas as áreas, o que ainda está longe de acontecer no governo federal. Ao contrário, quem transita nos corredores da política nacional conhece o desprezo da maior parte dos gestores – de todas as correntes ideológicas – quando o assunto é clima ou meio ambiente. Assim como a maior parte da sociedade brasileira, nossas lideranças encaram a emergência climática como um entrave ao desenvolvimento – sabe-se lá que desenvolvimento é esse, uma vez que todos os dados sérios, de todas as áreas do conhecimento, apontam para tragédias humanas, econômicas e ambientais sem precedentes.

Na ponta destes problemas está a mesma vítima de sempre: a classe trabalhadora. E aqui quero deixar claro que os indígenas e as donas-de-casa fazem parte deste grupo, ainda que não sejam remunerados por seu trabalho de manutenção dos biomas e da vida humana. Ter o direito a salário, férias, descanso, saúde, educação e dignidade negados não significa que essas pessoas não trabalhem – ao contrário, trabalham muito mais por muito menos do que outros. E é aqui, neste ponto, quando olhamos para as vítimas das emergências climáticas, que fica difícil negar o óbvio: a falência completa de nosso modelo civilizatório, tendo no centro as grandes indústrias e conglomerados financeiros, no meio as lideranças políticas que aceitam o que é imposto, e na periferia, recebendo – literalmente – o tsunami, os trabalhadores – ponto este que nosso imortal Krenak decorre muito melhor do que eu.

Segundo os pesquisadores Celso da Silveira Cachola e Sergio Almeida Pacca, as famílias brasileiras com menor renda emitiram entre 2008 e 2018  sete vezes menos toneladas de carbono do que as famílias em melhores condições econômicas.  Portanto, é científico dizer que os maiores emissores não são os mais pobres – além de ser bastante conhecido o fato de que a maior parte das emissões vêm da indústria.

Os desafios para os trabalhadores têm sido cada vez maiores, até pelos impactos deste modelo civilizatório promotor de guerras, genocídios e ecocídios. Quais os maiores desafios? Como sobreviver em um mundo com tão pouco bom senso? Como manter a chama da pesquisa científica tão ignorada acesa, do ativismo ambiental tratado quase que como exotismo, da fé na educação com tantos indícios de fracasso social? É isso que o Fala Fads!, programa da Frente Ampla Democrática Socioambiental vai tratar neste dia 1 de maio, quarta-feira. Com a presença de professores, pesquisadores, catadores, PCTs e tantos outros atores, faremos este debate em busca de respostas, mais perguntas, e acima de tudo, coragem para seguir enfrentando Golias e para que a comunidade internacional seja capaz de agir a partir da ciência e do povo, como deveria ser em um mundo verdadeiramente democrático. Esperamos você por lá!

Agnes Franco Jornalista, pesquisadora e membro da FADS

Para falar sobre Trabalhadores visíveis e invisíveis o Fala FADS de1º de maio de 2024 convidou:

 Iyáloriṣà Adriana t’Ọmọlú, coordenadora doFórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana(FONSANPOTMA);

– Dalila Calisto, coordenadora do Movimentos dos Atingidos por Barragem (MAB);

– Hellen Lirtês, SOS Amazônia;

– Mayara Horta, do PSOL;

  Jayce Brasil, atua no Movimento Negro Unificado (MNU-AC);

– Silnei Florindo, monitor ambiental (PETAR)

– Marcos Sorrentino, diretor de Educação Ambiental e Cidadania do Ministério do Meio Ambiente(MMA);

– Marco Vidal, servidor do IBAMA

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