BrCidades
Também cabe a nós compreender como se materializa nas cidades a desigualdades de classe, raça e gênero. Isto para sabermos ouvir as vozes dos personagens que entram em cena e protagonizam um novo ciclo de lutas
[email protected]

Um urbanismo de novo tipo ou um novo sentido do urbano?, por Lenine Bueno Monteiro

Vemos as gestões urbanas apartadas das coletividades locais exercerem tiranias que servem de apoio à opressão discriminatória de cidades

Um urbanismo de novo tipo ou um novo sentido do urbano?

por Lenine Bueno Monteiro

Após as municipais, mais do que nunca, devemos nos voltar para as cidades brasileiras e entendê-las como ponto de apoio civilizatório, onde poderemos deixar claro o desenvolvimento de um projeto de sociedade  “moreno[1] que, ao mesmo tempo em que combate as desigualdades e as políticas de discriminação opressiva, tão presentes processo de desenvolvimento brasileiro, também devem indicar os rumos de um projeto capaz de combinar desenvolvimento e  direito à busca da felicidade a todos os brasileiros.

Um dia do urbanismo nos remete aos sonhos que embalaram a prática dos nossos trabalhadores do espaço, plasmaram um cadinho de belezas presentes nas memórias e acalentaram utopias libertárias e sentidos transformadores nas cidades . As nossas cidades indicam belezas e partições, sentidos de vida e desilusões, onde sempre se faz presente a prevalência opressora de um desenvolvimento desigual, combinado com avanços e enormes injustiças, mas que nos servem de marcos balizadores da caminhada brasileira rumo ao futuro.

Hoje, após eleições que definiram o governo das cidades – o ciclo local de contribuição à construção nacional – o otimismo não é grande, muito ao contrário, pois a gestão de nossas cidades deixa a desejar e deve nos indicar prioridades e caminhos a serem percorridos com urgência; estes indicam a recuperação do sentido de coletividade nacional, de solidariedade e da participação nas riquezas produzidas.

Com a questão da habitação ainda por ser resolvida, com dificuldades enormes para transitar em nossas cidades, convivendo com as imensas e ainda desentendidas mudanças no mundo trabalho, vemos o espantalho conservador agindo para fazer de nossa convivência social um estandarte do atraso represado, protagonista de um debate politico onde ainda se discute  a importância de vacinas, o lugar de cultos religiosos, o direito das mulheres ao próprio corpo e até mesmo o direito à vida, contestado por significativas castas selvagens que fazem do feminicídio uma presença constante nas paginas policiais deste pais.  E aqui nada se falou da tragédia climática, onde as inundações gaúchas fazem par com as secas amazônicas, as monstruosas queimadas e o trato destruidor do cerrado, sabendo que a resolução dos impasses ambientais é pré-requisito para a resolução de grande parte dos nossos problemas, como a questão energética, o abastecimento alimentar e as bases de nossa reindustrialização.

Do sonho modernista de progresso, do estímulo à produção da beleza ao florescimento das cidades, vemos hoje o tropel das inundações, o mau uso do orçamento público e o desperdício sempre presente na vida urbana. Vemos as gestões urbanas apartadas das coletividades locais exercerem tiranias locais que servem de ponto de apoio a opressão discriminatória de cidades partidas.

Com este quadro, os construtores das cidades brasileiras se veem chamados com urgência à busca por mudanças, pela construção de cidades que avancem rumo aos portais de um futuro em que se descortinem o advento de uma sociedade onde haja o sentido da solidariedade e da igualdade de oportunidades como horizonte presente. Um lugar onde possamos ter a busca da felicidade como direito.

Enquanto isso, que tenhamos capacidade de refletir sobre os rumos da política, fazendo do sentido progressista da esquerda um estandarte que oriente a luta dos oprimidos para ressuscitar práticas mobilizadoras, capazes de ressignificar o sentido das lutas e abrir as portas a um novo protagonismo político. Que sejamos capazes de incorporar os segmentos sociais oprimidos, retomar o protagonismo das esquerdas e redefinir formas de lutas para conter a escalada neoconservadora, abrindo caminhos para uma sociedade de novo tipo.

Para tanto, as lutas locais – abertas que são aos citadinos – abrem as comportas da participação social, possibilitando a todos um nível de organização que também possibilita a participação democrática em torno  de um programa mínimo para a cidade, capaz de educar para a cidadania e formatar as bases de nossa democracia.

Afinal, a renovação de nossas utopias é o elemento balizador das lutas e elemento de  contenção do atraso e da opressão sempre  presentes nas cidades, que são o plasma consolidador dos avanços civilizatórios, pois desde a Idade Média, os cidadãos sabem que o “ar das cidades liberta”.

Lenine Bueno Monteiro é urbanista e ativista social E  especialista em desenvolvimento econômico local. Exilado por anos na Bélgica, acompanha de perto a política europeia. Especialista em cidades de médio porte, com foco no desenvolvimento institucional e econômico, também foi professor universitário na PUC-GO e na Faculdade UniEvangélica, em Anápolis. É membro do núcleo de Goiás da Rede BrCidades.


[1]      https://aterraeredonda.com.br/socialismo-moreno/

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador