“Aboio”, filme sobre um dos sons mais lindos do Brasil

Sugerido por jns

Do Docblog, no jornal O Globo

Veredas de som
Por Carlos Alberto Mattos
 

Ando fascinado por esses docs sobre sons. Não falo de musicais propriamente, mas de filmes como Diário de Naná, de Paschoal Samora, em que os encontros de Naná Vasconcelos Bahia adentro servem como laboratório de criação sonora. Ou como 500 Almas, de Joel Pizzini, atento ao toar do Pantanal. Aboio, de Marília Rocha, é dessa família. Lá esta a materialidade dos vaqueiros, dos gibões de couro, do gado e da caatinga. Mas o filme está em busca, essencialmente, de um certo universo sonoro. (Conheça o site da produção)

O aboio é um dos sons mais lindos do Brasil. É mistura de canto, grito, poema, oração e conversa com boi. Periga virar canto do cisne e extinguir-se junto com a figura do vaqueiro em era de motos e carretas. A melodia dos aboios, por sua vez, combina-se com o tinir dos chocalhos, a sinfonia de piados e mugidos do pasto, e a voz conversadeira dos tangerinos nas suas pausas doces. Eles contam causos de tanger e ajuntar gado. Dizem como era ontem e como é agora. Falam de mistérios que só boi entende.

Às vezes vem ao ouvido um sabor de Guimarães Rosa. Repare que tem até uma história de Diadorim entre tantas outras. Ora vem a memória do Saruê de Vladimir Carvalho – e não só pelo cenário da caatinga, mas pelo interesse na imagem rústica, cravada de sol e poesia.

As imagens de Aboio aspiram a ser som. Ora são belamente desfocadas, ora perdem a definição incendiadas pelo sol. Corcoveiam no lombo de um animal, abstraem-se na galharia das veredas, na festa da chuva, nos close-ups de reses e gentes. Vídeo digital (colorido) e Super 8 (preto e branco) fazem um contraponto do trivial com o poético. Quase sempre a imagem parece estar ali não como informação, mas como sensação.

Perguntei a Marília Rocha por que ela não identificou as vozes de Elomar, Naná Vasconcelos e Lira Paes (do Cordel do Fogo Encantado), que fazem comentários em off sobre o aboio. Sua resposta disse muito sobre o filme:

– Quem deu o primeiro passo para essa decisão foi Elomar, que não permitiu que nós gravássemos sua imagem, mas apenas sua voz. A partir desse momento, e especialmente porque os outros depoimentos foram gravados em ambientes urbanos e muito destoantes daquele dos vaqueiros, decidimos usar apenas a voz dos músicos. Vendo o filme ao final da edição, achamos melhor não colocar créditos nos personagens e nem mesmo nos músicos. Inserir um nome e junto a eles, como é freqüente, uma função ou localidade, seria fazer o espectador atentar para um crédito, uma informação que daria um caráter de “documentário” no sentido mais tradicional do termo. Nós queríamos libertar um pouco o documentário dessa função informativa, para mostrar personagens que trafegam pelo sertão sem nome, contando histórias maravilhosas sem que estejam ligadas a uma pesquisa, uma localidade específica, uma cronologia. Queríamos tentar fazer o espectador também se libertar dessa busca pelo dado, pela descrição.

Produzido pela Teia de Belo Horizonte e filmado em Minas, Bahia e Pernambuco, Aboio venceu a competição nacional do É Tudo Verdade de 2005, já foi exibido no MOMA de Nova York e entrou para a história do moderno doc mineiro.

É filme para os sentidos todos. Faz a gente imergir num Brasil profundo e manso, mais chegado ao afago que ao sufoco. Eh, filme bom…

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=CYHLJRLSaE8 height:480 align:center]

[video:http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=ZwKHoESPut4 height:480 align:center

Luis Nassif

8 Comentários

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  1. “O novinha vem com nóis, nóis damo condição”

    De tanto exaltar, neste blog, o monstrinho Guima & Boiadas Sertânicas, fiquei esperançado que os MCs da comunidade, sensibilizados, vão fazer um funk cheio de putarias e safadezas para as minhas amigas universitárias dançarem até a ‘boquinha da garrafa vazia’, ‘só prá contrariar’  o mainstream.

    Vem novinha, vem que o Rosa João taí prá lidar ‘cavacada’.

    Fui (prá lá, óbviamente)!

    Vem novinha…

  2. Sublime, forte, profundo e dolorido

    Incrível, não tem uma semana que assistindo a um programa da TVE – Bahia sobre a vida dos vaqueiros e a importância de, somente agora, terem a sua profissão reconhecida, o que dará a eles os direitos que até então  lhes foram usurpados.

    Pois bem, neste programa vi um dos mais belos aboios, original, filmado em uma fazenda direto da voz de um  vaqueiro. Neste aboio ele chamava os bois e vacas pelo nomes, sempre em poemas, quando desgarrados e eles atendiam.

    Demorei de comentar porque estava procurando, infelizmente não achei o vídeo incorporado no youtube.

    De qualquer forma, achei os dois abaixo que dá uma ideia do que é o verdadeiro aboio.

    [video:http://www.youtube.com/watch?v=AIpeo2aChdI%5D

    [video:http://www.youtube.com/watch?v=flcUvwYXMPY%5D

  3. Aboio

    O aboio mostra a influência árabe na cultura portuguesa trazida ao Brasil durante a colonização. Ao se ouvir os sons que saem dos minaretes das mesquitas percebe-se a semelhança. Assis, esse programa é fantástico, com belas tomadas de incríveis e acrobáticas cavalgadas dos vaqueiros se embrenhando na espinhosa caatinga atrás do gado. Estou um periodo estudando em Boston mas trouxe meu chapéu de vaqueiro. Sabe aquele de couro, redondo parecendo uma cuia com abas curtas? Pois é! Oxe, não é? 

     

  4. Aboio Premiações

    Os realizadores da ‘Teia’

     

    Ficha técnica

    Direção: Marília Rocha
    Fotografia Super-8: Leandro HBL
    Fotografia DV: Leandro HBL e Marília Rocha
    Produção: Helvécio Marins Jr. e Marília Rocha
    Direção de Produção: Deile Vassalo e José Ferraz
    Produtores Associados: Camila Groch, Daniel Queiroz e Diana Gebrim
    Desenho de Som: Bruno do Cavaco
    Mixagem e Trilha Sonora Original: O Grivo
    Montagem: Clarissa Campolina
    Direção de Arte: Fred Paulino
    Pós-Produção: Daniel Daneliczin
    Tipologia: Bruno do Cavaco

    • Lançado em salas de cinema em 2007, em DVD Home Video em 2010,  exibição em TV, pelo Canal Brasil, em 2007.

    Prêmios

    • Melhor longa-metragem brasileiro: 10º Festival Internacional É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários;
    • Melhor trilha sonora e edição de som: 9º CinePE – Recife;
    • Menção honrosa do Júri: FICA – Festival Internacional de Cinema Ambiental;
    • Melhor realização: 10ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico.
    • Melhor fotografia, melhor montagem e melhor trilha sonora: Festcinepacoti, Ceará, Brasil.
    • Prêmio Sesc-Sated 2008 de melhor direção e melhor filme de longa-metragem de Minas Gerais.

    Exibições

    • Mostra Internacional de Documentários do MoMA – Museu de Arte Moderna de Nova Yorque (EUA)
    • 21º Festival Internacional de Cinema de Guadalajara (México)
    • 41º Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary (República Tcheca)
    • 9º RIDM – Encontros Internacionais do Documentário de Montreal (Canadá)
    • 7º Festival de Documentário Tempo (Estocolmo/Suécia)
    • Mostra Constructing Views: Experimental Film and Video from Brazil – New Museum (Nova Iorque/EUA)
    • Festival Contemporâneo de Cinema Brasileiro – Mildred Lane Kemper Art Museum (Washington/EUA)
    • 10º Festival Internacional É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários (SP e RJ/Brasil)
    • 9º CinePE (Recife/Brasil)
    • FICA – Festival Internacional de Cinema Ambiental (Goiás/Brasil)
    • 10ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico (RJ/Brasil)
    • 10º FAM – Florianópolis Audiovisual Mercosul (Brasil)
    • Ciclo de Cinema da Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (Porto Alegre/Brasil)
    • Mostra de Filmes – Jornada Guimarães Rosa (RJ/Brasil)
    • Panorama Brasil Coisa de Cinema (Salvador/Brasil)
    • FesticinePacoti (Ceará/Brasil)
    • Indie2005 – Mostra de Cinema Mundial (BH/Brasil)
    • Festival do Rio (RJ/Brasil)
    • FestCine Goiânia (Goiânia/Brasil)
    • 9ª Mostra de Tiradentes (Brasil)
    • 5º Primeiro Plano – Festival de Cinema de Juiz de Fora (Brasil)
    • Semana Filmes Inéditos CINUSP – sessão comentada para alunos de cinema da USP (SP/Brasil)
    • Visions du Réel: tributo à Marília Rocha, Nyon (Suiça)
    • Musée d’ethnographie de Neuchâtel (Suiça)
    • 6º Dockanema – Festival do Filme Documentário de Moçambique (África)
    • Festival Cine//B (Chile)

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