A irracionalidade exuberante e os problemas do câmbio, por Luís Nassif

Recentemente, o ex-presidente do BC, Francisco Lopes, publicou um paper defendendo expressamente a intervenção do BC no mercado de câmbio.

Dois meses atrás, o país estava à beira do caos. Criou-se um terrorismo midiático em torno do anúncio das medidas fiscais de Fernando Haddad. Na véspera, um banco norte-americano – o JP Morgan – anunciou a realocação de sua carteira, do Brasil para o México. Seguiu-se um movimento de venda de dois bancos brasileiros. Foi o que bastou para o estouro da boiada.

A eleição de Donald Trump já sinalizava problemas para o México. Se sua intenção é trazer para dentro do país a produção consumida internamente, era óbvio que os primeiros alvos seriam os países vizinhos, México e Canadá. A proximidade fez com que muitas empresas se instalassem neles, visando o mercado norte-americano.

Mesmo assim, o blefe do JP Morgan produziu um caos no país.

Vira o ano, o Banco Central ganha novo presidente, Gabriel Galípolo. A situação fiscal é a mesma, assim como as expectativas de inflação. E o dólar volta ao patamar anterior. E os estrangeiros fazem a maior internação de capitais desde agosto.

Foi claramente um movimento especulativo, orquestrado por instituições com bala na agulha, amparados em editoriais de jornais falando em “gastança”, em desastre fiscal etc.

O país está longe da normalidade. Os efeitos da alta da Selic aparecerão nos próximos meses. Mas o episódio serviu para mostrar a vulnerabilidade do país, deixando um dos preços básicos da economia – o câmbio – à mercê de especuladores.

Recentemente, o ex-presidente do Banco Central, Francisco Lopes, publicou um paper defendendo expressamente a intervenção do BC no mercado de câmbio. O motivo é simples: hoje em dia o câmbio é a principal influência na inflação, através do seu impacto nos chamados produtos comercializáveis – importados ou exportados.

Lopes separou o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado) em quatro grupos, de acordo com a maior influência em cada um deles.

Usei as divisões de Lopes para montar os gráficos abaixo. Nele se vê que a maior influência no IPCA de 12 meses é o grupo de Não Duráveis, justamente o mais influenciado pelo câmbio.

Depois, decompus o índice entre os subgrupos. A linha do Não Duráveis equivale à soma das demais linhas. Percebe-se que o maior peso foi de Alimentação e Bebidas.

O grupo que mais pesou no IPCA de dezembro foi justamente o de Alimentação e Bebidas. Sem ele, o IPCA teria sido de 0,268%, a não de 0,52%.

Quando se analisa o Índice de Preços do Produtor, as maiores altas foram das commodities, lideradas por café e carne.

O Banco Central tem um indicador de preços de commodities, em reais e em dólares. O índice composto (que é a soma de 3 indicadores – Agricultura, Metal e Energia – desde março de 2022 caiu 8,09% em dólares. Mas subiu 12,69% em reais, mostrando o peso do câmbio na alta de preços.

Por tudo isso, provavelmente o Banco Central, sob nova administração, certamente está estudando formas de reduzir a volatilidade do câmbio.

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11 Comentários

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  1. Douglas da Mata
    3 de fevereiro de 2025 às 1:31 pm

    Rui, amigo Rui.

    Obrigado pelo instigante debate.

    Vou me alongar mais um pouco, porque os espaços para réplicas nos comentários são pequenos.

    Vamos lá.

    O governo está em um beco sem saída, o qual ele mesmo escolheu.

    Não te ocorreu ainda que é o próprio governo que precisa subir o câmbio para impedir o déficit na balança comercial, já que com juros a 13, 14 ou 15% (8% reais) a entrada de dólar derrubaria o câmbio, e aumenta importações e deprecia nosso pau-brasil?

    Ahhhh, mas se aumentar as importações há chance de descer a inflação por causa do barramento do dólar e valorização do real.

    Nem sempre, os preços de alimentos cotados em dólar nem sempre acompanham a valorização do real.

    Às vezes os preços sobem e engolem essa valorização.

    Exemplo?

    Café.

    Se hoje o câmbio mandasse a gente comprar café com real valorizado, essa “vantagem” iria para o ralo da crise de oferta do produto no mercado internacional.

    E tem mais, com nossa regressão a pré revolução industrial, a maioria dos insumos usados para plantar e exportar pau-brasil é importada.

    Esse é outro gargalo.

    A conta do latifúndio exportador é negativa, na balança comercial, cambial e fiscal, por causa da isenção da lei Kandir.

    Bilhões que o governo poderia usar para alimentar a população, fixar gente em pequena e média propriedade e aumentar a base tributária de arrecadação de toda essa cadeia produtiva capilar.

    Sobrariam outros tantos bilhões para investir em pesquisa e inovação de vários setores, inclusive no setor agrário.

    Agora a outra face do problema.

    O simples movimento de valorização de moeda e aumento de importações sinaliza para o mercado de câmbio que haverá uso das reservas, o que, pressiona o câmbio, a despeito dos juros.

    Ou seja, esse modelo não se sustenta, em nenhuma frente ou variável.

    Se tenta abaixar o câmbio e valorizar a moeda, tem que comprar mais de fora, usa reserva, e aumenta o câmbio, e os preços não cedem.

    Caminhamos para uma estagflação em breve.

    Aumento de preços e estagnação econômica.

    Não se combate aumento de preços e risco de inflação com retração da demanda, mas com aumento sustentado de oferta.

    Isso não deveria ser difícil para um país como o nosso, né?

    1. Rui, por aqui, só as obviedades são ouvidas pelo editor.

      É o mesmo comportamento de “cabeça de planilha”, tão censurado nos demais.

      Na verdade, aqui, não é nem “cabeça”, mas “cabeça, tronco e membros”.

  2. No texto realça a necessidade de instalação/operação dos estoques reguladores. Quais os entraves para não usá-los ? O governo federal tem o financiamento e a formação de estoques reguladores como possibilidades de intervenção sem prejuízo aos produtores. Não cabe ao governo eventuais ajustes nos mercados face os interesses maiores do país ? É difícil o acerto com os produtores ? Com certeza mas podem/devem ser feitos ou governo federal não é para tanto ? Galípolo está comendo pelas beiradas e desmanchando as ratoeiras que foram sendo postas pelos maus brasileiros cujo único objetivo é o ganho desmedido nas “operações” do mercado. Deve estar no radar do BC a redução da SELIC fora da racionalidade que hoje vigi. Também notável a maior assertividade e enfrentamento das jogadas midiáticas para atacar o governo federal. Enfim, parece que o governo federal sai da letargia.

  3. Eu já defendia a intervenção no câmbio há meses, por aqui, acho que há anos.

    A oscilação cambial, combinada com a manipulação criminosa da taxa de juros, é a penúltima ferramenta para subtração de riquezas pelas economias centrais em relação aos mais pobres.

    A outra, são as taxas de importação, mas nenhuma é tão eficiente, corrosiva e politicamente confortável quanto à primeira.

    Mas, as teses aqui só tem validade na base da carteirada…Nassif só considera opinião dos “especialistas GloboNews”…

    1. A taxa de câmbio depende da oferta e da procura. Quando há muitos dólares no Brasil ou em qualquer outro país, a taxa de câmbio tende a cair; quando há poucos dólares, a taxa de câmbio tende a se elevar. Assim, para os Magnatas do mundo dominarem um país, eles não precisam mais invadir militarmente esse país, pois a manutenção da ocupação e das tropas do invasor no país invadido e pilhado, tem custos mais elevados); já faz um tempo em que para pilhar uma nação, basta promover a fuga de dólares.

      O Brasil é um paraíso especulativo e um inferno produtivo. Como o governo Lula sinalizava que, após a saída do Campos Neto, reduziria a taxa de juros, acabando com a farra dos especuladores, estes, juntamente com seus porta-vozes da imprensa oficial, se conluiaram para tocar o terror, afugentando os dólares e, dessa forma manipulando a taxa cambial. Foi como me explicaram.

  4. Com a crise climatica certamente os preços dos produtos sazonais e de clima definidos serão os mais atingidos

    Seria bom o governo, por meio do MA, fizesse um balanço junto a agricultura familiar pra ver o quanto isso está afetando a produção de alimentos no país e ajusta-lo

    A crise climatica é a que vai maos nos ferrar como nação e outras também

    Precisamos estar preparados

    1. Fico triste quando alguém do campo progressista joga a toalha sobre a crise climática. A sugestão para adaptar-se à crise climática promovida pelo modo de produção capitalista, em vez da sugestão de lutar para superar o modo de produção capitalista e frear e possivelmente reverter ou amenizar uma de suas piores consequências, que é os eventos climáticos extremos.
      Como os Titãs, eu não vou me adaptar

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