Galípolo tem sucesso na primeira tentativa, por Luís Nassif

O comunicado do Copom foi movimento cuidadoso de Galipolo para desarmar as bombas-relógios deixadas por Paulo Guedes e Roberto Campos.

Ontem as taxas de juros caíram quase 50 pontos, o dólar caiu e as ações subiram. É um fenômeno que salienta ainda mais a extrema volatilidade das estimativas do mercado, da extrema volatilidade das opiniões e da influência dos comunicados do Banco Central.

Primeiro, entenda o vocabulário do mercado.

Guidance – é o rumo que o BC está apontando para a política monetária.

Dovish – quando a perspectiva é branda.

Hawkish – quando a perspectiva é de acirramento dos juros.

Quando foi divulgado o comunicado do Copom (Comitê de Política Monetária), o mercado leu como “hawkish”. Como já tinham fechado as operações, esperava-se um aumento nas taxas no dia seguinte. Nesse ínterim, os investidores externos interpretaram como “dovish”.

A partir da abertura, o mercado estava “dovish”.

O que levou a esse jogo de interpretações é uma ciência à altura da “pedra da Roseta” ou dos hieróglifos egípcios. Na segunda interpretação, o mercado constatou que, no comunicado divulgado, falava-se mais nos efeitos da atividade econômica que nos riscos da inflação. Logo… logo… o ritmo de alta da taxa Selic seria reduzido.

A partir daí, começa o jogo. Investidores que compraram títulos de renda variável começaram a se desfazer dos contratos e adquirir títulos de renda fixa. Caíram as taxas de curto prazo e a chamada curva de juros. Usando a terminologia do mercado, “está acontecendo um movimento relevante de ‘stops’ de posições tomadas em juros”, diz Victor Scalet, estrategista macro da XP Investimentos.

Contribuiu para tanto o anúncio de que o governo atingiu as metas de resultado fiscal primário do ano passado e o Caged (que registra empregos formais) ter gerado menos empregos que o previsto. E a carraspana de Lula à repórter que falou em explosão dos gastos – aliás, a mesma repórter que, em 2019, espantou os colegas presenteando Jair Bolsonaro com uma bíblia.

Ajudou também o discurso de Lula, em defesa do Ministro da Fazenda Fernando Haddad e do presidente do Banco Central Gabriel Galípolo.

Galípolo se saiu bem em sua estreia. Mas seu sucesso, também, deixou dúvidas no ar.

O primeiro fato é o poder da interpretação das palavras do BC. Agora, toma-se o cuidado do BC se comunicar apenas depois de decisões tomadas, e por escrito. Roberto Campos Neto não obedeceu os rituais. A reversão do otimismo do mercado começou com declarações suas, em eventos públicos nos Estados Unidos, mostrando preocupações em relação à questão fiscal. Logo depois, a expressão “gastança”, “explosão da dívida” passaram a frequentar o vocabulário do jornalismo financeiro, acirrando as expectativas com manchetes escandalosas e editoriais radicalizando a situação.

A resposta de Lula à provocação da repórter – aconselhando-a a estudar mais – provavelmente terá efeito didático sobre o efeito-papagaio que periodicamente sacode a mídia.

O comunicado do Copom foi o primeiro movimento cuidadoso de Galipolo para desarmar as bombas-relógios deixadas por Paulo Guedes e Roberto Campos. Mas ainda há um grande desafio pela frente.

Além do terrorrismo com o fiscal, o mercado-mídia faz outro terrorismo com a inflação. Agora, transformaram a inflação de serviços no grande fantasma nacional. É curiosa essa estatística. Há um enriquecimento óbvio dos extratos superiores de renda – justamente aqueles que mais consomem serviços -, e um aumento da inadimplência dos extratos inferiores. Os índices provavelmente captam o aumento da demanda dos ricos e muito ricos. Os serviços têm baixíssimo impacto na inflação. Serve apenas para medir o comportamento da renda dos consumidores.

Agora a questão é analisar daqui para frente.

A entrevista coletiva de Lula marca uma nova etapa na comunicação do governo. Seus elogios a Haddad e Galipolo reforçam a posição de ambos. A possível ida da presidente do PT, Gleise Hofmann, a um cargo ministerial, mata dois coelhos com uma só cajadada: significa uma aproximação com a esquerda do partido e, ao mesmo tempo, cala uma das vozes mais críticas à política monetária.

O grande problema é o fantasma de todos os modelos econômicos: o fator tempo. Se tudo correr bem, o país chegará a 2026 com a Selic ainda em dois dígitos. E em um quadro em que as recuperações judiciais estão entrando em nova etapa – especialmente entre os grandes varejistas – e a inadimplência aumentará, com o aumento da Selic.

O grande desafio será desarmar as bombas do mercado, com medidas macroprudenciais, redução da influência da pesquisa Focus e um trabalho efetivo para reduzir o controle da Faria Lima sobre o mercado de títulos públicos.

Está na hora dos bravos técnicos da Secretaria do Tesouro e do Banco Central se debruçarem sobre as experiências internacionais bem sucedidas, para modernizar a política monetária e a dívida pública.

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28 Comentários

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    1. Para Perola e para quem concorda com ela: meu salário não dá pra terminar o mês. Mal consigo pagar aluguel e mercado. Tivemos que desistir de pagar convênio médico. Pago aluguel, não consigo comprar um imóvel. Taxa Selic do Campos neto alta do gslipolo do PT também. Resultado: pobre ferrado, sem dinheiro. Nassif justificando a grande porcaria que é esse governo, ou melhor dizendo, só mudou o discurso, voltado ao todes, mas poder de compra mesmo, pobre podendo comprar, está tão ruim tanto quanto do bolsonero. Antes de defensores do PT vierem falar borracha, eu votei na bosta do PT na última eleição e o PT cagou para o povo. Não adianta dados de jornais, vem pro chão de fábrica pra ver a realidade que afalta de dinheiro faz na vida de uma família. Eu sei bem como é isso…

  1. Não adianta explicar o inexplicável e nem justificar o injustificável. Até o Eduardo Moreira deu voltas e voltas para dizer que o Galípolo fez o que era possível para um governo de mãos atadas como é o de Lula. Ao fim a gente conclui que Lula é um fantoche e que vivemos uma pantomima.

    1. Uai, como isso mudou de um tempo Paes cá, né minina?

      Como dizia Churchill, “quem não muda de ideia, mão muda nada”.

      Bem vinda (o) ao clube dos céticos.

      1. Agora fiquei meio confuso: pensava que ele dizia que “a gente nasce com a cabeça redonda pra poder mudar de ideia”. Será porque minha cabeça não seja suficientemente redonda? Ou seria porque tive um hematoma sub-dural?

    2. Para o sr só vou dar uns dados,
      Menor desemprego de todos os tempos,
      Crescimento do PIB bem acima do esperado,
      Inflação sob controle,
      Consumo em alta,
      Reajuste real do salário mínimo
      Aumento do valor de isenção de IR, etc etc. Deixa de ser preconceituoso, vai ver se tô na esquina.

      1. Para a senhora, eu respondo com dados.

        Juros de 13%.

        Só nessa brincadeira do governo ceder aí mercado foram 70 bi de juros e uns 40 BI (US$, Honey) de reservas, que vão fazer a festa da tigrada, no sobe e desce cambial.

        Índice Gini de desigualdade quase estático.

        Preços de alimentos em disparada, aí na sua esquina talvez não, mas aqui tá difícil encher um carrinho de compras.

        Geração de empregos restrita a serviços, com baixa remuneração e baixo impacto.

        País sem indústria, mero vendedor de “pau brasil”.

        Mais de 80% das famílias penduradas em dívidas, e a maior parte delas, perto ou na insolvência.

        Tabela de de IRPF congelada desde 2014 ou 2016, até perdona conta, de tanto tempo que faz.

        Nome disso?

        Confisco.

        De rico?

        Não, de pobre e pobre que se acha médio.

        Aumento de salário mínimo 1.3% menor, pois o pacote fiscal limitou a regra de correção pelo PIB ano anterior, que foi de 3.8 e o aumento de 2.5

        Mudanças no BPC e no PIS/PASEP.

        Enfim, a renda média do brasileiro, que sim, subiu um pouco, é de 3 mil e poucos reais.

        Repito, 3 mil e poucos reais.

        Imagine uma família de 5 ou 6 pessoas com renda de 3, ou vamos melhorar, 4 mil reais.

        Imaginou?

        É 80% do nosso povo.

        Somos um dos países mais desiguais do mundo, e olha que só Lula já vai para o terceiro mandato, e teve 1 e meio de Dilma.

        Sim, com certeza você não está na esquina, deve estar em Nárnia.

        1. Bem, já ganhei menos até.

          Ah, sim, para falar de câncer, tem que ser médico.

          Ou para falar de pobreza ou miséria, tem que ser pobre ou miserável.

          Rapaz, essa crítica é bem original, parabéns.

          Marx era operário, certo?

          Ou Che era camponês.

          Hum, perfeito.

          Então Lula, que não é pobre faz uns 70 anos, não pode falar de pobreza e desigualdade.

  2. Pior do que esse texto, só o ministro Padilha (vai para casa, Padilha), agora, falando ao vivo para os patrões dele, a GloboNews, dizendo que o “mercado teve uma síndrome do pânico”, como se os rentistas fossem vítimas, pobres coitados, acometidos de comportamentos justificáveis por algum distúrbio.

    O único distúrbio e desse governo, que já está com mais da metade do corpo dentro do tigre, e ainda pergunta se não dá para negociar….

    Bando de cretinos.

    Cretinos não, ladrões dos impostos.

  3. Vamos ver se entendi.
    Passaram mais de dois anos caindo de pau na Taxa Selic nas alturas, amaldiçoando o bolsonarista Campo Neto e agora temos o coro de que o aumento de um ponto percentual é resultado diferido da gestão anterior? Que Gabi Galípolo, o menino de ouro cravejado de diamantes, nada poderia fazer? Irrelevante a maioria de 7 x 2 de conselheiros no Copom indicados por Lula? De 3 x 0 no CMN?
    Nassif, que tal convidar o David Deccache para um debate?

    Segue artigo de David Deccache, publicado em 25 de janeiro.
    Título: “O teatro Lula x Campos Neto acabou”.
    Destaco os dois primeiros parágrafos.
    Ei-los:
    “O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse em entrevista à CNN, na última sexta-feira, não se opor a desacelerar a economia para preservar a inflação. Essa declaração resume a essência do alinhamento entre o governo e o Banco Central, escancarando que não há, e nunca houve, conflito real entre eles. A declaração do ministro deixa claro que a suposta oposição do governo à política monetária de Campos Neto nunca passou de encenação.

    “O teatro Lula x Campos Neto acabou. A suposta oposição ao Campos Neto por parte do governo era uma farsa para esconder as múltiplas tentativas e ofensivas do governo federal de impor uma dura política fiscal de austeridade e desviar os holofotes para a igualmente desastrosa política de juros altos do Banco Central, onde, a princípio, o governo nada poderia fazer durante a gestão Campos Neto. Agora, com um presidente do Banco Central nomeado pelo atual governo, ou seja, com Lula tendo ingerência ainda mais direta na política monetária, a tática do distracionismo não funciona mais. Aliás, poder relativo na política monetária Lula sempre teve, inclusive na gestão Campos Neto. Bastaria reduzir a meta de inflação, determinada pelo Conselho Monetário Nacional, que está sob controle do governo.”

    Eis a íntegra:
    https://movimentorevista.com.br/2025/01/o-teatro-lula-x-campos-neto-acabou/?fbclid=IwY2xjawIHsHBleHRuA2FlbQIxMQABHWPV7k_9zwlYAIoRPaXybhhRMNgGVomFkNbjvmp81XVEaAyvaJADtrlYkQ_aem_jkKVBuJhPIrPrZVWCLrYqQ

  4. Deixa eu ver se entendi: foi aumentado 1 ponto ontem e tem mais 1 ponto prometido pra a proxima reunião, (ficando o juro real acima de 8%.). Com isso serão mais de 100 bi de transferência de renda do povo para os RENTISTAS. A esquerda governista tá defendendo que foi uma decisão acertada?

  5. “Está na hora dos bravos técnicos da Secretaria do Tesouro e do Banco Central se debruçarem sobre as experiências internacionais bem sucedidas, para modernizar a política monetária e a dívida pública.”
    Tomara houvesse alguém interessado nisso, mas não há. Os bravos técnicos citados, “Classe Média Alta” (seja lá o que isso signifique além de um salário mais alto do que a maioria dos brasileiros além da reconfortante estabilidade no emprego), tão nem aí para o resultado do angu.Quando algum deles se manifesta ouvimos o “Monsueto” a louvar o Neoliberalismo Fiscal.Francamente, o Brasil está na mão desses cretinos especialistas de p*rra nenhuma da FGV e da mídia arregada . O Brasil que ainda imaginamos possuir está a nos esperar,temos que tomar posição! Ou vai ou racha! Se perdermos a batalha, pelo menos lutamos!

  6. Pergunta: Por que na declaração do BC de deficit recorde nas estatais, são excluidos do “levantamento”, os bancos estatais (BB, Caixa) e a Petrobrás?

  7. Não, ele não acertou, ao contrário. Ele poderia ter alterado as expectativas, simplesmente mantendo a taxa. Ele é o presidente que os rentistas dão importância e respeitam, não é Lula.

  8. Um passo à frente, dois para trás, ou um passo prá frente e outro também? O tempo dirá. Mas maior do que a taxa de juros, só a burrice das teorias que a justificam e a jumentice daqueles que acreditam nela

    1. “Então Lula, que não é pobre faz uns 70 anos, não pode falar de pobreza e desigualdade.”

      Afff!!!
      E a gente pensando que o Lula tivesse só 78 anos.

  9. Estou apelando aos economistas do ggn que expliquem o motivo do milei, ou melhor, do BC argentino ter abaixado os juros agora.
    Será que o Lula manda mesmo em alguma coisa?

    1. Talvez ele mande na argentina e a gente não esteja sabendo. Aqui a gente sabe que não, que seus dedinhos são todos podres para escolher quem quer que seja para o seu governo. Se não sacaneiam durante o mandato, sacaneiam depois, como os ministros do STF e a lava-jato.

  10. Nassif a cada aumento da selic VOU TAXAR O MERCADO se o Thuamp pode taxar eu tb aliás a cada palavra TAXAR q saia da boca do pres. dos Euaaa traíra eu TAXAREI ELE VEZES DEZ quero ver sobrar dinheiro para esse “conservador” pagar prostitutas !!!

  11. Abordagem muito boa. Efeito papagaio é muito bom. Eu chamo os comentaristas econômicos da grande mídia de papagaios de repetição. São iritantes…

  12. Tem muita gente torcendo para o Brasil dar errado. Aqui em nosso território existem vários extratos sociais, ou seja, cada extrato tem um interesse. Os grandes, dos extratos superiores querem rastelar dinheiro, para sanar a ganância desmedida e insaciável, em detrimento das classes menos favorecidas. Quanto pior pra nós, melhor para eles.

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