As lições do golpe da Americanas, por Luis Nassif

Os controladores precisam ser condenados a ressarcir a empresa, como garantia para sua sobrevivência.

Primeiro ponto: se os bancos insistirem em bloquear recursos das Americanas, a rede virará pó, deixando empregados, fornecedores, acionistas e debenturistas na mão. A Justiça não pode permitir esse bloqueio.

Por outro lado, a decisão de uma recuperação judicial sob a supervisão do advogado Sérgio Zveiter – conforme determinado por um juiz do Rio de Janeiro – é mais um dos abusos da justiça fluminense. Zveiter é advogado das Americanas, além de irmão do poderoso Luiz Zveiter, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e eminência parda da justiça estadual.

O episódio obrigará a uma reformulação total no mercado de capitais. Os vícios se espalharam por todo o sistema.

O golpe foi detalhado no GGN na reportagem “Xadrez das evidências do Golpe nas Americanas”.

1. A empresa passou a manipular o balanço, para mostrar lucros inexistentes.

2. Esses lucros eram distribuídos entre os executivos – na forma de bônus – e os acionistas – na forma de dividendos. Criava-se uma bola de neve, com o passivo oculto aumentando a cada balanço, com a devida cumplicidade da PcW (Price Waterhouse), a empresa de auditoria.

3. Em 2021, os controladores – a 3G, de Jorge Paulo Lemann – prepararam a rota de fuga. Primeiro, saíram do Conselho de Administração e venderam parte de suas ações no mercado. Ao mesmo tempo aumentaram substancialmente os ganhos dos executivos, provavelmente em troca de eles assumirem as responsabilidades cíveis e criminais pelo golpe. Aliás, uma responsabilidade de baixo risco, dado o histórico de leniência para com crimes financeiros.

3. Em agosto do ano passado, anunciaram a contratação de um executivo de fora, Sérgio Rial, para assumir em janeiro. O anúncio provocou uma melhoria nas cotações, ocasião que os executivos se valeram para vender sua participação.

4. De agosto a janeiro não se sabe o que Rial fez. Mas, mal assumiu, anunciou o rombo e preparou a sacada final: uma liminar bloqueando os pagamentos a bancos e indicando o advogado da empresa como seu interventor. E, provavelmente, será a principal arma dos advogados da 3G, jogando a responsabilidade pelo golpe nas costas dos executivos e livrando os controladores.

Agora, trava-se a briga entre os credores e os acionistas da empresa.

O maior escândalo da história do mercado de capitais brasileiro mostrou as seguintes vulnerabilidades.

1. O papel das empresas de auditoria.

Essas empresas são essenciais como avalistas da empresa junto aos acionistas. Mas quem as contrata são os controladores da empresa, que indicam os executivos. Por isso mesmo, tende a haver um clima de cumplicidade quando os acionistas controladores montam um golpe associado aos executivos. Não se pode perder de vista que a PcW teve papel essencial na operação em que a 3G assumiu o controle da Eletrobras.

2. Os conselhos de administração.

Cabe ao conselho representar os acionistas majoritários e minoritários nas empresas de capital aberto. Mas há um vício recorrente, de conselheiros profissionais, selecionados por empresários inescrupulosos para fechar os olhos às suas manobras.

3. A Comissão de Valores Mobiliários

Caberia à CVM a fiscalização do mercado, a supervisão dos conselhos de administração e a idoneidade das empresas de auditoria. Mas há anos a agência foi capturada pelo mercado, no processo de porta giratória – o conselheiro que usa o órgão como trampolim para um futuro emprego no setor privado.

4. O papel dos bancos credores.

Os bancos têm bons sistemas de informação e trocam informações entre si.. O aumento da exposição das Americanas se deve a uma ampla financeirização do sistema de crédito, similar ao que levou à crise do subprime nos Estados Unidos. A empresa pega a dívida com os fornecedores e repassa para o banco. O banco, por sua vez, securitiza os contratos e revende para fundos de investimento, de pensão e fundos imobiliários. Esse modelo faz com que sejam desarmadas as regras de precaução para a concessão de empréstimos. O mico acaba morrendo com o pequeno investidor de fundos.

O Ministério Público Federal já entrou na parada, assim como a Comissão de Valores Mobiliários, o Tribunal de Contas da União e o Judiciário.

Um país sério tomaria as seguintes decisões:

1. Condenaria os beneficiários da fraude – controladores e executivos – a devolver o que ganharam, acrescido de multas e juros de mora. Seria essencial não apenas responsabilizá-los, como assegurar a capitalização da empresa, para garantir sua sobrevivência.

2. Aceitaria a recuperação judicial, impondo regras severas para colocar empregados e fornecedores como credores prioritários. E regras claras para impedir que os minoritários paguem o pato.

3. Imporia penas severas para a empresa de auditoria.

4. Definiria regras claras para o mercado de recebíveis.

22 Comentários

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  1. O maior entrave para um capitalismo moderno no Brasil e a nossa justiça “feudal”, cumprir os “contrato” aqui é um parto de capivara…

  2. De memória eu posso citar uma lista de fraudes milionárias que terminaram em centenas e centenas de artigos de jornal e nada mais: Caderneta de Poupança Delfim, Banco Halles, Coroa-Brastel, Brasilinvest, Banestado, Banco Econômico (os diretores chegaram a sacar dinheiro na boca do caixa no próprio dia da quebra do banco), Banco Noroeste (um diretor desviou 150 milhões de dólares para uma mãe-de-santo e nem auditores nem Banco Central perceberam nada…rsrsrsrs…)… enfim, certamente o Nassif tem informações muito mais sólidas que eu, mas pelo que me lembro não aconteceu nada com nenhum dos responsáveis. Depois de ter lido centenas de reportagens sobre Nagi Nahas, o homem que quebrou e acabou com a bolsa de valores do Rio de Janeiro, até hoje não sei dizer se ele é culpado ou inocente. NADA vai acontecer com o trio de golpistas da Americanas, porque CVM, Banco Central, empresas de auditoria, Ministério Público, TCU etc etc, nada disso serve para absolutamente nada. Não devemos dizer que o Brasil é um bordel, porque bordéis funcionam com contabilidade séria. Nossa parte é esperar pelo próximo escândalo. É assim desde o Encilhamento de Rui Barbosa, em 1890.

  3. O grande problema, seja com as empresas de auditoria,fiscalização, agências reguladoras, peritos e etc é que,ao tratar com somas exageradas,como esses 40 bilhões dos golpistas das americanas ( tinha que ter americanas no meio),fica mais fácil acertar o preço da corrupção já que,qualquer valor ofertado,por maior que seja para um indivíduo, é Pinto perto do montante envolvido.
    Quer dizer que todo mundo tem um preço?
    Não necessariamente, mas que essa gente que acha que todo mundo tem um preço sabe muito bem onde encontrá-las.
    A primeira medida para proteger-nos dessa escumalha deve ser acabar com este tipo de concentração de renda.

  4. Jorge Paulo Lemann é apenas um duplo bem sucedido daquela aluna de medicina que se apropriou de 1 milhão reais do dinheiro de formatura da turma dela. A diferença é apenas a escala. Lemann embolsou muito mais e, portanto, tem maior probabilidade de ficar impune. Ambos são brancos, mas a imprensa não ousaria chama-los de “ladrões brancos”. Ao que parece no Brasil somente os negros podem ser designados pela cor. Todavia, não conheço nenhum caso em que um negro tenha tungado a mesma quantidade de dinheiro que Jorge Paulo Lemann. Se fosse negro ele seria imediatamente tratado como um “negro de alma branca”, pois o dinheiro não proporciona apenas prosperidade. Ele é capaz de branquear qualquer pessoa que tungue bilhões de reais da massa ignara. E já que estamos falando da massa ignara, é fantástica a semelhança entre a Lojas Americanas e a Igreja Mundial do Poder de Deus. Valdemiro Santiago é negro, mas como ele está falido a probalidade dele ser tratado com gentileza pela mídia e pelo Judiciário é muito pequena. Nos bom tempos em que nadava em dinheiro aquele partor picareta havia branqueado. A negritude dele ressurgiu assim que a fortuna dele começou a evaporar. A fortula do Jorge Paulo Lemann provavelmente não vai evaporar tão rápido, pois ele é branco e já ajuizou um processo para “branquear” os crimes financeiros que cometeu.

  5. Boa comparação do Fábio Ribeiro. Já estava pronta para usar ela, mas em outro sentido. A menina que desviou quase um milhão da formatura do curso de medicina da USP já teve sua vida escrutinada. Já levantaram Lattes dela, entrevistas que deu, até uma entrevista da mãe dela, apesar de seu golpe ter lesado apenas um punhado de alunos da USP (a maioria deve ter muito dinheiro para sobreviver após isso). Já o Miguel Gutierrez, que ganhava em um mês muito mais do que a menina desviou, e que esteve à frente da Americanas por 20 anos, virou fumaça na grande mídia, até mesmo nos blogs alternativos. Alguns reclamaram aqui nos comentários que os golpes só rendem muita mídia e nada acontece na justiça, mas mesmo a mídia não vai no cerne da questão. Onde está e o que tem a dizer o frente das Americanas por 20 anos? Por que todos se esqueceram dele?

  6. OS NOSSOS COMENTARISTAS DE ALUGUEL, ENCHEM A BOCA PARA FALAR DO “CONPLIANCE” COMO SE ISSO FOSSE SUFICIENTE PARA EVITAR GOLPES. COMO DIZIA MARX: “O CAPITALISMO JÁ NASCEU SUANDO SANGUE E LAMA POR TODOS OS POROS”.

  7. Primeiro ponto: os bancos estão cagando e andando para empregados, fornecedores, acionistas e debenturistas. Como as prostitutas do trottoir, apenas querem o deles na mão.

    Segundo ponto: A Justiça entra nessa história, Nassif, como os russos para o Garrincha, ou seja, já está tudo combinado com eles, quer queira ou não o Feola. Aqui, esses russos atendem pelo nome de empresas de auditoria, agências de classificação de risco, etc., etc., etc.

    Não entrou nenhum vício no sistema financeiro, prezado Nassif. O sistema é um vício de origem. Esses vícios apenas se reproduzem como um câncer maligno, e entram em metástase, cujas vítimas serão, dentre outros, os empregados, fornecedores, acionistas e debenturistas.

    Por último, esqueça essa coisa de lições a serem aprendidas. Nunca na história da humanidade o(s) ser(es) humano(s) aprendeu alguma coisa com base em exortações morais ou a própria experiência, a não ser para pôr em prática o avesso das primeiras, ou repetir exaustivamente as segundas, com ressalvas insignificantes (dessa vez não vou cometer esse ou aquele erro, agora vai, etc.). Só aprendem na base da porrada. E, geralmente, quem as recebe são os empregados, fornecedores, acionistas e debenturistas. E quem dá…bem, sabemos quem são.

    E os que ficam do lado de fora, nos fossos, nas valas, nas sarjetas, em resumo, à margem dos palácios, apenas observam, e aguardam a grande noite do mundo. Espero que este termine em barranco, para eu morrer encostado.

  8. A empresa de auditoria está apta (ou estaria)a dar parecer sobre a venda de ativos públicos à essa organização ? Existe, neste momento, elementos jurídicos para desfazer a venda da eletrobras ?

  9. O MPF e o TCU, estão mais preocupados em prender o Jair Bolsonaro e a perseguir a Direita Brasileira e os manifestantes do que se preocupar com assuntos mais importantes.

  10. Prezado Nassif,

    Acho impossível que os bancos não soubessem da ‘incontinência contábil’. Sabiam do nível real da dívida, inclusive com outros bancos, da brutal queda de receita do comércio, há outras empresas de mesmo porte para comparação, do nível da taxa de juros, e desconfiariam dos lucros de contabilidade. Minha hipótese é que a situação se agravou com a necessidade de dinheiro rápido para um outro negócio. Pode ser que o caso tenha relação com a correria na privatização da eletrobrás que tinha que ocorrer no governo anterior.

  11. Caro Nassif,

    Até agora não tem uma informação clara de qual foi a fraude contábil. Tudo que foi revelado é que R$ 20 bilhões foram classificados no passivo circulante na conta de “fornecedores” em lugar da conta “financiamentos” no mesmo grupo do balanço. Li no UOL ontem que especialistas consultados sobre este ponto entendem que a opção não contraria as normas.

    Existe algo a mais que permita concluir que o lucro foi afetado?

    Não estariam os bancos querendo produzir a confusão? Afinal tudo que diz respeito aos 3G, segue a lógica dos arranjos financeiros para benefício dos próprios. Não dão importância para a operação dos seus negócios.

  12. Invariavelmente quando “great businessman” são colocados a nu por suas estrepulias contabeis-financeiras, me vem à mente monsier Prodhon: “La propriété, c’est le vol!”. Traduzindo para o dia a dia: a propriedade é o roubo. De fato, o Brasil é mesmo para engano de amadores… na política os “patriotários” foram para a Papuda; os mentores do Golpe estão incólumes; na economia (Americanas), trabalhadores e pequenos investidores e/ou correntistas cooptados pelos Bancos ficarão com o “papagaio”; os graúdos executivos se safarão… Tem “bons” advogados. Ao fim e ao cabo:Não é Lula o fator de risco do “mercado”.

  13. Nassif, bem que a gestora Squadra poderia ter operado esses papéis como fez no escândalo da IRB de março de 2020 em que vinha afirmando que a contabilidade do IRB estava manipulada e ela passou a operar vendida no papel, após alertar por meses o mercado e que ninguém deu atenção à Gestora!

  14. A verdade seja escrita o mundo da Picaretagem e lavagem de dinheiro nesse Psis chamado Brazil é de longa data. Agora quem sofre são os colaboradores, familiares , fornecedores e alguns acionistas minoritários. Mas Deus vai cobrar destes Urubus de lixo Vermes Bilionários do esgoto.

  15. Você falou bem Nassif “Um país sério tomaria as seguintes decisões” mas em Pindorama mais uma roubalheira que não vai dar em nada. Quem perdeu, perdeu e quem ganhou e muito com o golpe ganhou.E nada vai acontecer.

  16. Meus caros, alguém lembra qual era a auditoria que assinava os Balanços da CAC ( Cooperativa Agrícola oCotia ) que promoveu um dos maiores rombos no mercado ( US$ 1 bi ) isso em 1992 ?? Alguém desconfia quem seja? Kkkk

  17. O problema da falta de estruturas que façam um papel digno no controle das atividades que lhes competem é o que oferece essa permissividade e até mesmo promiscuidade na ocorrência dos vários tipos de irregularidades que multiplicam no Brasil. Aqui vale correr o risco para quem é voltado a essas formas de atividades ilícitas. Não são apenas os investidores, os credores, os trabalhadores, fornecedores…, que estão perdendo; o País todo perde. Qual tipo de negócio sério vai se atrever a realizar investimentos no Brasil. Quando fala-se em recuperação e reconstrução do País, depara-se com a percepção que é preciso construir uma organização de Nação. Que garantia o Brasil pode dar na sua relação com o mundo. Como vai crescer e se desenvolver sem mudar essa cultura da trapaça. Não há que generalizar, existem inúmeras pessoas e corporações que trabalham dedicada e seriamente, mas estes estão entre os prejudicados porque são impedidos de progedir e alcançar sucesso por causa de um País que não funciona. E não quer funcionar. O País dos atalhos, da esperteza, que busca sempre a fortuna de uns em prejuízo de uns outros. Os empregados da Lojas Americanas não são responsáveis por isso. Mas caso não houver uma apuração de tudo e a punição de algum modo de quem for responsável, fica injusto uma recuperação judicial solicitada em que muitos vão abrir mão de algo, tentando perder o menos possível, beneficiando a negligência de sabe-se lá quantos. Esse endeusamento, ou a demonização do mercado requer agora uma dose de lucidez. O mercado tem muitas faces e é parte funcional da economia, portanto ao próprio mercado convém separar o joio do trigo. Existe a especulação em torno de expectativas e a manipulação bandida. Existe os que investem na especulação e os que desejam oportunidades de fazer bons negócios lucrar e expandir. Há um momento bom para fortalecer todo o mercado.

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