O julgamento do STF e o “jeitinho” do andar de cima, por Luís Nassif

É preciso analisar o caráter do brasileiro que habita o Olimpo dos formadores de opinião – incluídos, aí, Ministros do Supremo e jornalistas.

Há duas consequências relevantes do julgamento da tentativa de golpe de 8 de janeiro.

A primeira – salientada em artigo de Chico Teixeira – é o divórcio definitivo do casamento militar com Jair Bolsonaro. Este jogou ao mar todos os seus seguidores e aliados. E a defesa de todos os militares envolvidos reconhece a gravidade dos eventos, admite a conspiração, mas… porém… todavia… seus clientes não entraram no golpe. Ou seja, também jogaram Bolsonaro ao mar.

A segunda consequência – mais relevante – é o fato de, pela primeira vez na história, haver o julgamento de militares envolvidos em conspiração. Rompeu-se o corporativismo militar e passou-se a individualizar atuações conspiratórias. Ou seja, conspirar no Brasil passou a ser atividade arriscada. E quando se individualizam as penas, vê-se o que aconteceu no julgamento: todos os advogados dos militares envolvidos reconhecendo a gravidade dos atos de 8 de janeiro, mas todos tirando o corpo de seus clientes do jogo. Entre salvar a pele ou se sacrificar pela causa, optaram pelos interesses pessoais.

Mas a maior consequência é o processo de aprendizado do Supremo Tribunal Federal.

A fala da Ministra Carmen Lúcia foi exemplar… para descrever o comportamento do STF na década de 2010. Ela citou a historiadora mineira Heloísa Starling, que lançou um livro sobre o golpe militar de 1964. Nele, Heloisa mostra que os golpes não são eventos da noite para o dia. São preparados longamente, e, para seu desenvolvimento, contam com a complacência de todos os poderes. É por isso que Rui Barbosa dizia que a democracia é “uma plantinha tenra que precisa ser cuidada todos os dias para que possa crescer forte e saudável.” 

Na verdade, naquela loucura que tomou conta do Supremo, dos presidenciáveis Serra e Aécio, a única voz de bom senso perdeu-se no alarido da multidão: o ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso alertando que, nesses processos de golpe, sabe-se como começa, mas não como termina.

Na década de 2010, o Supremo deixou os cuidados de lado e a plantinha feneceu. No livro “A Conspiração Lava Jato” há um capítulo especial dedicado ao Supremo, e um subcapítulo a Carmen Lúcia. Conspiraram a mancheia, ajudaram na derrubada do governo, lançaram as sementes da desinstitucionalização brasileira, julgando que no final do túnel haveria um candidato de centro, no máximo de centro-direita. Só quando pariram o bebê de Rosemary de Bolsonaro que a ficha caiu.

No período Temer-Bolsonaro, trataram de quebrar a espinha das centrais sindicais, do PT, e permitiram a quebra das empreiteiras, o avanço da Lava Jato, em uma ignorância ampla sobre a estrutura da democracia. Seus alicerces repousam no Judiciário, no Legislativo, no Executivo, e também nas centrais empresariais e sindicais, todos são aliados da democracia, porque só prosperam no ambiente democrático. Ao acelerar a destruição de direitos fundamentais, o Supremo ajudou a erodir a democracia. Tanto o comportamento do STF quanto da mídia, na década de 2010, deveria estimular cientistas sociais e antropólogos a analisar o caráter do brasileiro que habita o Olimpo dos formadores de opinião – incluídos, aí, Ministros do Supremo e jornalistas. A facilidade com que mudam de lado, com que se adaptam aos ventos da opinião pública, não os torna bússolas, capazes de moderar exageros em uma direção ou outra. São alimentadores do “overshooting”, do movimento de radicalização dos movimentos à direita. Como tem que se adaptar às linhas políticas da casa, no máximo o contraponto são os movimentos em direção ao centro.

Crítico do “jeitinho brasileiro” nas classes populares, o Ministro Luís Roberto Barroso, na próxima sessão da Semana Brasileira de Harvard, poderia preparar uma tese sobre o “jeitinho” no andar de cima.

Conseguirá exemplos a granel, de grandes radicais de direita, cultivadores do jornalismo de ódio ou do direito penal do inimigo, no período Mensalão, que se deslumbraram com a Lava Jato, e, depois, se transformaram em defensores intransigentes da democracia no período pós-Bolsonaro. E tendo a arte de se manifestar da forma mais radical e sincera possível nas duas circunstâncias.

Justiça de transição? Que bobagem! Agora eles estão do nosso lado e não não há espaço para autocrítica, nem lhes é solicitada. Esse pragmatismo, essa facilidade em se adaptar aos ventos do momento, é uma marca indelével do caráter brasileiro. Não há justiça de transição para eles. Ninguém quer cumprir o papel de bússola, mas de biruta de aeroporto. Toda manhã se levantam, umedecem o dedo e esticam para o céu, para captar os movimentos dos ventos da opinião pública.

O grande Rui Barbosa, pai da República, como advogado não se envergonhava de virar de lado, como ocorreu no caso da Sinhá Junqueira. Dos Ministros que enviaram Olga Benário para morrer na Alemanha, pouco se sabe. Assim como pouco se fala dos juristas que escreveram o Ato Institucional número 5.

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26 Comentários

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  1. A Cabelereira Pichadora alegou:

    “Quando me deparei lá em Brasília com o movimento, eu não fazia ideia do bem financeiro e simbólico da estátua. Quando eu estava lá já tinha uma pessoa fazendo a pichação. Faltou talvez um pouco de malícia da minha parte, porque ele começou a escrita e falou assim: ‘Eu tenho a letra muito feia, moça, você pode me ajudar a escrever?’. E aí eu continuei fazendo a escrita da frase dita pelo ministro Barroso”.

    Pega na mentira, corta o rabo dela, pisa em cima, bate nela. A Pichadora tenta de dar uma de João Sem Braço. É o sicolar. Ora, o problema não é o valor da estátua, é o valor da democracia burguesa, do estado de direito burguês. A pichação da estátua em si é o de menos. O problema foi a tentativa de estupro coletivo da democracia. Não se faça de desentendida.

    Eu não sou expert em nada, mas posso afirmar com 99,99% de certeza que aquela frase escrita na estátua é de uma única pessoa, não de duas. Então, se são de duas pessoas, caberia à Senhora, Cabelereira, responder ao homem que lhe pediu para ajudá-lo a pichar a estátua: “Oh, Senhor, que pena que eu não possa ajudá-lo a pichar a estátua, pois a minha letra é tão feia quanto a sua”.

    E ter filhos não é motivo para sair praticando crimes impunemente. Assim disse uma Juíza em relação à Sobrinha do Tio Paulo:

    “Indefiro a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, já que o fato de a custodiada possuir
    filha com deficiência não pode servir como salvo conduto para a prática de crimes.
    Acrescente-se que a custodiada se desobrigou dos cuidados com a filha para praticar a conduta
    criminosa, uma vez que deixou a adolescente aos cuidados do irmão mais velho, de nome Lucas.
    Nesse sentido, considerando-se que a prisão domiciliar do artigo 318 tem por finalidade assegurar a
    proteção da pessoa deficiente, esse intuito não é verificado no presente caso, já que a companhia da
    custodiada se mostra mais nociva do que benéfica à adolescente, especialmente pelos cuidados que
    foram dispensados à vítima deste procedimento.
    Pontue-se, por fim, que a adolescente se encontra sob os cuidados do irmão Lucas, de 27 anos, com
    quem reside.
    Por esses fundamentos, INDEFIRO A LIBERDADE PROVISÓRIA E CONVERTO A PRISÃO EM
    FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA, como forma de garantia da ordem pública, nos termos
    do artigo 312 do CPP”.

    E pau que dá em Xica, tem que dar em Francisca, né, Chato?

    1. E olhe que a sobrinha do Tio Paulo nem cometendo crime estava. A ordem pública que a “meritríssima” cuidava preservar quando sentenciou foi a de que o pobre é o culpado de todos os males do mundo e, portanto, não tem direito a julgamento justo.
      JÁ os dizeres da Cabeleireira Pichadora, nem coletiva nem isoladamente são de sua autoria: só a pichação mesmo.

  2. Há algum contexto que justifique os crimes praticados em 8 de janeiro? Você seria capaz de citar algum contexto justificador daquela destruição?

    Nada obstante, o Incelso Ministro Fux assim se manifestou, ao pedir vista do processo da inocente pichadora que não sabia o que tava fazendo:

    “O ministro Alexandre, em seu trabalho, explicitou a conduta de cada uma das pessoas. E eu confesso que em determinadas ocasiões eu me deparo com uma pena exacerbada. E foi por essa razão, dando satisfação à Vossa Excelência, que eu pedi vista desse caso. Eu quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava”.

    Me compre um bode e faz de conta que ainda é cedo, Fux

    1. Nenhuma surpresa. Se a corda arrebentar será na mão do Fux, liso, vaselinado por interesses “humanitários” tanto quanto seu irmão de fé, o Barroso.

  3. Nos próximos dias, a imprensa vai se esforçar bastante para humanizar seu Jair Bolsonaro.

    Café com o ex-presidente democrático na Ana Maria Braga, Rede Globo.
    Entrevista de um réu injustiçado pela ditadura do STF na Folha.
    Jantar de gala com vítimas de um novo tipo de Lawfare no Estadão.
    Podcast com os heróis da resistência contra a ditadura do PT no Jovem Pan.

    O crime contra o Estado de Direito compensa se você for de direita. Mas o Direito não lhe protegerá se você for de esquerda. A imprensa isenta tem lado e ela nunca deixará se fazer a escolha mais lucrativa.

  4. De:
    …”a única voz de bom senso perdeu-se no alarido da multidão: o ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso”…

    Para:
    … até mesmo uma voz, outrora de bom senso, juntou-se ao alarido da multidão: o ex-socialista e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso…

    Quanto a “Seus alicerces repousam no Judiciário, no Legislativo, no Executivo, e também nas centrais empresariais e sindicais, todos são aliados da democracia, porque só prosperam no ambiente democrático. ”
    Foi justamente o período de gestação do golpe de 1964, muito bem explanado por Carmem Lúcia, e também depois de consumado, é que a ditadura empresarial-militar se valeu da rapinagem contra o estado democrático de direito, bem como contra a economia, nos seus desdobramentos sociais.

    1. FHC era a eminência parda atrás de Aécio Neves. Ele que mandou seu cãozinho de estimação negar a vitória da Dilma em 2014 e o golpe de 2016

  5. Há questões importantes ausentes no texto.

    Não foram os militares que deixaram o Bozo “pendurado” na brocha, e vice-versa.

    Até a estátua de batom sabem que golpe no Brasil, só com o aval dos nossos “donos”, os EUA.

    Foi isso que faltou, e foi mal avaliado.

    Outra coisa:

    Jogar a responsabilidade toda na Lava Jato, do golpe de 2016 (ainda em andamento) e da desindustrialização do país e no STF é reduzir a perspectiva.

    Esses sabujos, a República do Paraná e o STF concorreram sim para o golpe, e o seu desfecho recente, aliás, o 8 de janeiro.

    Sim, o STF tem suas digitais manchadas do sangue da democracia surrada e estuprada em 2016 até agora.

    Mas, como eu disse, o negócio é mais para cima.

    A desindustrialização do país, o esvaziamento da política, enfim, o avanço dos juros sobre qualquer renda que derive da produção é um movimento mais amplo, em termos geopolíticos e históricos.

    Todo esse processo atingiu o país a partir dos centros capitalistas, como sempre.

    Claro que as especificidades dos movimentos políticos são nossas, nossas escolhas, mas, no geral, tudo que os EUA comem, eles cagam por aqui.

    Somos o penico das Américas. E de vez em quando, da Europa.

    1. Quer dizer que a Lava Jato e o Judiciário foram necessários mas insuficientes para o golpe de 2016, enquanto os Bostominions eram necessários mas insuficientes para o golpe de 8 de janeiro, já que esse golpe não era interessante para os EUA no momento de sua tentativa? É isso, Ilicht?

      1. Sem o aval dos donos, nenhum golpe por aqui anda.

        O último, talvez, que tenha acontecido sem o “ok” dos bwanas foi em 1930, e quem sabe, o de 1937.

        Depois, já era.

      1. Nós estamos na penúltima ou antepenúltima plataforma.

        Abaixo de nós, só a África e aquele pessoal de Paquistão, Bangladesh e arredores.

  6. Acredito que a maior surpresa que os que acreditam na justiça têm é quando se deparam com a composição dos tribunais no país. Para o ingresso na magistratura exige-se do candidato concurso público, experiência, avaliação de títulos, a investigação da vida pregressa, além do conhecimento de todo cabedal jurídico pátrio, quiçá histórico e alienígena. Experiência, reputação ilibada, entre outros tantos requisitos. Para os tribunais superiores não. Bom trânsito, vasto conhecimento jurídico e “reputação ilibada”serão o bastante. Considerando-se, entretanto, que a escolha não acontece pelo concurso público mas pela nomeação política, temos essa “pureza de reputação” por avaliação relativa, o que, em consequência, trará relatividade tanto na composição quanto no entendimento do colegiado que, naturalmente será variável. Esperar justiça onde o julgamento é político é contar que a sorte esteja sempre do mesmo lado. A sorte, como sabemos, é tendenciosa.

  7. embargos de divergência: a linguagem e o pseudo intelectualismo entregam que estamos fodidos: de uma fonte de uma das eminências pardas do stf saiu a lorota de que dom pedro PROMULGARA a primeira constituição de 1824. a psiquê está inserta numa realidade em que pensa democracia como império e império como democracia. com cia e quetais. as notas taquigráficas vão aos anais!

  8. Com o risco e serem esmagados pela extrema direita, voltaram a democracia, apenas para prepararem para o novo golpe e nova tentativa de derrubar a esquerda e adotarem o cachorrinho de ocasião para servi-los como mandatário vira-lata!

  9. Quem acertar ganha um pirulito Zorro: Se os ministros do STF fossem eleitos pelo povo, quem dos atuais capas pretas estaria sentado naquelas cadeiras de pelica? Não é só questão de caráter, na maioria das vezes é da falta dele que se fala.Não é Aécio?

  10. O golpe de 8 de janeiro não andou porque o Departamento de Estado dos EUA não queria um golpe dentro do golpe em andamento, o de 2016 ainda está valendo.

  11. e o gilmar mendes pode levar a conta da seleção brasileira ser essa derrocada: ficou como presidente da spf ad hoc via liminar sob o argumento de que é um símvolo nacional. o nosso sistema de justiça, já disse aqui algures, é dissociado a relidade da população brasileira. infelizmente por essa ala do pt que logo será varrida por suas pusilanimidades com o sistema financeiro, junto com a globo. principalmente com essa de consignado para os trabalhadores com essa clt esvaziada. lula prefiriu os bancos de que reverter a reforma trabalhista., embora esteja nonplano de campanha.

    1. Calango Vascaíno: no intervalo de Vasco e Santos a placa dis patriconadores indicava

      cbf brasil academy idp

      é uma esculhambaçào com a Carta Política

      1. faz a diferença

        https://www.metropoles.com/conteudo-especial/idp-e-cbf-firmam-parceria-para-ampliacao-da-cbf-academy

        Remédio Constitucional [mandado de injunção coletivo]:

        só otário que acha que o stf punirá milicos gorilas. gilmar mendes é sócio da idp deu liminar para ser presidente ad hoc da cbf soma se a isso que a Carta Política taxativamente proíbe juiz ser sócio ao Parágrafo Único do art. 95. mas os juizecos se salvam na loman de 1979 barganhada com milicos. soma se a isso que o art. 93 da Carta Cidadã xetermina a propositura da nova loman por iniciativa (interesse no vernáculo) do … stf. ou seja desde 1988 prevaricam com a loman de 1979.

  12. Antigamente só a classe média tinha azeite em casa. Eram aquelas latinhas do tamanho de um maço de cigarros, colocadas embaixo da pia ou na porta das geladeiras. Usado nas ocasiões especiais ou somente nos fins de semana, já que o velho óleo de soja, por ser mais barato dominava as frituras e saladas de segunda a sexta. Com o aumento do poder aquisitivo nos últimos vinte anos esse produto importado chegou à mesa dos mais pobres e de um dias pra cá virou o assunto das rodas de conversa e das filas dos supermercados já que o preço do produto disparou por problemas climáticos do maior produtor mundial e também por causa da instabilidade dos mercados provocada pelo trumpismo. Falo sobre azeite pra mostrar a manipulação dos fatos e como a imprensa a serviço do grande capital consegue enganar a opinião pública sem que o governo ainda caduco em comunicação consiga debelar essa fakenews.Os importadores malandramente colocaram no rótulo do azeite tipo “único” o mais consumido pelas classes mais pobres a enorme frase:”azeite feito de bagaço de azeitona” com a clara intenção de levar o consumidor a comprar o “azeite extra virgem”, mais caro. Ora, essa designação de azeite “extra virgem” era algo que não existia no passado e é fruto do modismo surgido para que o consumidor desembolse mais uns trocados para os importadores. A imprensa fez um escarcéu em torno dessa situação e colocou o governo nas cordas diante novamente diante de algo que facilmente poderia ser explicado pela secretaria de comunicação, assim como a situação do ovo e mesmo a do café. As respostas capengas vieram tardias e viraram um tsunami sobre Lula e sua trupe. O STF que se pauta pelo Jornal Nacional, Fantástico,Veja, Folha e Estadão não podem ser criticados pela “biruta de aeroporto” de suas decisões quando se tem um governo que não sabe dar a resposta adequada aos ataques do mercado vindos pela imprensa corporativa. O governo Dilma feneceu por essa inabilidade ao lidar com a manipulação do tomate Lula 3.0 caminha pela mesma corda bamba sem sombrinha nem rede a espera do circo pegar para nele ser jogado pela biruta cega e oportunista do STF.

    1. Quem não se comunica, se trumbica.

      Estou esperando prá ver se o STF vai usar dois pesos e duas medidas para casos semelhantes.

      O art. 1.644, do Código Civil, dispõe que as dívidas contraídas para os fins de comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica e para obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir obrigam solidariamente ambos os cônjuges. Ou seja, o cônjuge é responsável solidário pelos débitos do outro cônjuge, pois até prova em contrário, presume-se que qualquer dívida contraída por um dos cônjuges, (conge para o $érgio Moro), é contraída em benefício da unidade familiar.

      Por seu turno, o art. 1.664, do Código Civil, dispõe que os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal.

      Pois bem. Suponha-se que um dos cônjuges casado sob o regime de comunhão universal ou parcial de bens contraia uma dívida trabalhista, por exemplo, e, não a satisfazendo voluntariamente, seja acionado executivamente na justiça, sendo forçado a satisfazer a obrigação. Caso ele seja intimado para cumprir a sentença e não o faça no prazo legal, a justiça manda penhorar bens comuns, ou seja, manda penhorar e avaliar bens que pertencem tanto à parte devedora executada quanto ao seu cônjuge para venda judicial e satisfação do credor, pois o cônjuge meeiro da parte executada é responsável solidário pela satisfação do débito e pode ter seus bens comuns penhorados para satisfação do mencionado débito, independentemente de ter participado da fase de conhecimento e apesar de o § 5º, do art. 513, do CPC, dispor que o cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.

      Confira-se nesse sentido:

      “PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PLEITO DE INCLUSÃO DE CÔNJUGE DO COEXECUTADO NO POLO PASSIVO. HIPÓTESE EM QUE EXISTE RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO CÔNJUGE, QUE O TORNA AO ALCANCE DA EXECUÇÃO. DEFERIMENTO DE PENHORA SOBRE OS SEUS BENS. AGRAVO PROVIDO EM PARTE. 1. Durante a constância de seu matrimônio, o coexecutado firmou confissão de dívida, responsabilizando-se pelo débito. A dívida exequenda é decorrente de contratação que beneficiou a entidade familiar, fato que implica a responsabilidade do cônjuge, embora não seja parte no processo, na forma dos artigos 1.643, 1.644 e 1.664 do Código Civil. 2. Trata-se de situação em que o terceiro, mesmo não sendo parte, se torna responsável patrimonial ( CPC, artigo 790, IV), e por isso os seus bens podem ser penhorados. Como não integra o processo, não deve ser citado, mas apenas intimado dos atos processuais respectivos, cabendo-lhe a possibilidade de adotar os meios de defesa adequados para a salvaguarda dos seus interesses. 3. Daí o acolhimento parcial do pleito, determinando-se a realização da penhora em bens do cônjuge do coexecutado, cujo patrimônio está ao alcance da execução”.

      (TJ-SP – AI: 20922072320198260000 SP 2092207-23.2019.8.26.0000, Relator.: Antonio Rigolin, Data de Julgamento: 01/12/2020, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/12/2020).

      Pois bem. Da mesma forma que, por força da lei civil, o cônjuge da parte executada é responsável solidário pelos débitos contraídos pelo outro cônjuge em benefício da unidade familiar, assim a empresa que integra o mesmo grupo econômico da empresa executada inadimplente é responsável solidária, por força do disposto no art. 2º, § 2º, da CLT, pelas dívidas trabalhistas da executada inadimplente e, nessa condição, podia, da mesma forma que o cônjuge do executado inadimplente, ter seus bens alcançados pela execução, independentemente de ter participado da fase de cognição.

      Confira-se nesse sentido as ementas a seguir transcritas:

      “CONSÓRCIO PACTUADO. GRUPO ECONÔMICO. CARACTERIZADO. PENHORA. MANTIDA. É possível a penhora de bens de empresa pertencente ao mesmo grupo econômico da executada por dívida decorrente de execução promovida contra esta última, visto que a configuração do grupo atrai a sua responsabilidade solidária e o reconhecimento da figura do empregador único, nos moldes do art. 2º, § 2º da CLT.

      (TRT-3 – AP: 00101835920165030099 MG 0010183-59.2016.5.03.0099, Relator.: Maria Lucia Cardoso Magalhães, Data de Julgamento: 17/06/2016, Quarta Turma, Data de Publicação: 23/06/2016. DEJT/TRT3/Cad.Jud. Página 313. Boletim: Não.)”.

      “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DA RECLAMADA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. EXECUÇÃO. GRUPO ECONÔMICO. INCLUSÃO DE EMPRESA NO POLO PASSIVO APENAS NA FASE DE EXECUÇÃO. ESCLARECIMENTO. A jurisprudência desta Corte Superior inclina-se no sentido de que é possível que empresa pertencente ao mesmo grupo econômico seja integrada à lide, mesmo que apenas na fase de execução, independentemente de constar no título executivo judicial. A inclusão da empresa pertencente ao mesmo grupo econômico da devedora principal no polo passivo da execução, ainda que não tenha participado da fase de conhecimento, não afronta os arts. 5º, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal. Embargos de declaração providos para prestar esclarecimento, sem efeito modificativo.

      (TST – ED-AIRR: 00011301320125010079, Relator.: Delaide Alves Miranda Arantes, Data de Julgamento: 22/03/2023, 8ª Turma, Data de Publicação: 27/03/2023)”.

      “AGRAVO EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA EXECUTADA. EXECUÇÃO. GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. INCLUSÃO NO POLO PASSIVO NA FASE DE EXECUÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Em relação à formação de grupo econômico, a Jurisprudência desta Corte se orienta no sentido de que, para a configuração de grupo econômico, consoante a redação anterior do art. 2.º, § 2.º, da CLT, vigente à época do contrato de trabalho, não basta o simples fato de haver sócios em comum, sendo necessário que exista relação hierárquica ou efetivo controle exercido por uma delas, o que, na hipótese dos autos restou evidenciado. Precedentes. Já em relação à inclusão no polo passivo na fase de execução, a jurisprudência desta Corte é no sentido de que a inclusão da empresa no polo passivo da execução, em decorrência de configuração de grupo econômico com a devedora principal, ainda que a executada, ora agravante, não tenha participado da fase de conhecimento, não acarreta ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Julgados. Agravo não provido.

      (TST – Ag-ED-AIRR: 00101360220205030146, Relator.: Delaide Alves Miranda Arantes, Data de Julgamento: 15/03/2023, 8ª Turma, Data de Publicação: 20/03/2023)”.

      Mas atualmente a penhora de bens de empresa que integra o mesmo grupo econômico da empresa executada insolvente está suspensa, enquanto o STF julga o Recurso Extraordinário nº 1.387.795, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.232). Por enquanto, 5 Ministros votaram contra a penhora de bens de empresa do mesmo grupo econômico da empresa executada inadimplente caso elas não tenham participado da fase de conhecimento, havendo um voto em sentido contrário.

      Antes, em decisão monocrática prolatada pelo Ministro Gilmar Mendes nos autos do ARE 1.160.361/SP, reconheceu-se que a não aplicação do art. 513, § 5º, do CPC, e a consequente inclusão de empresa no polo passivo na fase de execução viola o disposto na Súmula vinculante nº 10 do STF:

      A esse respeito, sob o pretexto de melhor reflexão do TST sobre a matéria, as motivações e os efeitos do cancelamento de referido enunciado sumular tornaram-se objeto de vívida polêmica doutrinária, conforme se extrai de Sérgio Pinto Martins em sentido oposto ao que se tornou comum na Justiça Trabalhista:

      O responsável solidário, para ser executado, deve ser parte no processo desde a fase de conhecimento. Não é possível executar uma das empresas do grupo econômico que não foi parte na fase processual de cognição, incluindo-a no polo passivo da ação apenas a partir da fase da execução, quando já há coisa julgada. (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 188)

      No entanto, a partir do advento do Código de Processo Civil de 2015, merece revisitação a orientação jurisprudencial do Juízo a quo no sentido da viabilidade de promover-se execução em face de executado que não integrou a relação processual na fase de conhecimento, apenas pelo fato de integrar o mesmo grupo econômico para fins laborais. Isso porque o § 5º do art. 513, do CPC assim preconiza:

      Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.

      […]§ § 5º O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.

      Nesse sentido, ao desconsiderar o comando normativo inferido do § 5º do art. 513 do CPC, lido em conjunto com o art. 15 do mesmo diploma legal, que, por sua vez, dispõe sobre a aplicabilidade da legislação processual na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, o Tribunal de origem afrontou a Súmula Vinculante 10 do STF e, por consequência, a cláusula de reserva de plenário, do art. 97 da Constituição Federal.

      Eis o teor do enunciado sumular:

      Viola a cláusula de reserva de plenário ( CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

      Por essa razão, o Tribunal “a quo” incorreu em erro de procedimento.

      Sendo assim, reconhecida essa questão prejudicial, faz-se imprescindível nova análise, sob a forma de incidente ou arguição de inconstitucionalidade, pelo Juízo competente, antes da apreciação, por esta Corte, em sede de recurso extraordinário, da suposta violação aos arts. 5º, II, XXXV, LIV e LV, do texto constitucional

      https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=507948

      A meu ver, de conformidade com o disposto no art. 779, I, do CPC, a execução não pode, de fato, ser promovida contra empresas que integrem o mesmo grupo econômico da executada inadimplente que não tenham participado da fase de conhecimento, ou seja, elas não podem passar a integrar o pólo passivo da execução se não tiverem participado da fase de conhecimento, mas, independentemente deste fato, na hipótese de inadimplência da devedora executada, seus bens respondem pela execução, consoante previsto no art. 790, III, do CPC.

      Ainda, na minha opinião, promover a execução contra empresas que integram o mesmo grupo econômico da empresa executada inadimplente, ou seja, incluir essas empresas no pólo passivo da execução sem que elas tenham participado da fase de cognição, viola o disposto no art. 779, I, do CPC, antes de violar o disposto no art. 5º, XXXV, LV e LIV, da Constituição Federal. Mas sujeitar seus bens à execução, em razão de sua responsabilidade solidária prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, não viola no art. 5º, XXXV, LV e LIV, da Constituição Federal, nem o disposto no § 2º, do art. 2º, da CLT, nem o estabelecido no art. 513, § 5º, do CPC, ao contrário, compatibiliza-se com o teor do art. 790, III, do Código Ajetivo Civil.

      Ao impedir que as empresas que integram o mesmo grupo econômico da empresa executada inadimplente respondam patrimonialmente pela dívida trabalhista, sob o pretexto de não terem participado da fase de conhecimento, o que violaria o art. 5º, XXXV, LV e LVI, da Carta Magna, o STF está permitindo o enriquecimento sem causa das empresas do grupo econômico, as quais se beneficiaram, em tese, dos frutos do trabalho do credor trabalhista, além de frustrar a efetividade na tutela satisfativa do direito material dos trabalhadores reclamantes.

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